Revoluções Burguesas do século XIX e
Manifestações Brasileiras de junho/julho de 2013 (o Outono Brasileiro)
Márcia D´Angelo
Podemos
dividir o mundo capitalista em países centrais e periféricos. Os países
centrais foram se estabelecendo como Estados Nacionais industrializados e
desenvolvidos a partir do momento em que concretizaram as reformas estruturais
para viabilizarem o seu processo de industrialização. Essas reformas básicas, como
a Reforma Agrária, Reforma Urbana, Reforma Educacional, Reforma Tributária,
Reforma Universitária, etc., foram necessárias para viabilizar esse processo de
industrialização nos países centrais (Inglaterra, França, Bélgica, Estados
Unidos, Japão e depois a Itália e Alemanha). Ocorre que o início desse processo
(com exceção da Inglaterra que se industrializou no final do séc. XVIII) deu-se
a partir das Revoluções de 1848 ocorridas primeiramente na França como
continuidade da Revolução Francesa que só terminou em 1870 com a Comuna de Paris.
O que
importa é que as revoluções ocorridas na Europa à partir de 1848 foram
acompanhadas da presença dos movimentos operários, ou seja, os trabalhadores
europeus também fizeram parte dessas revoluções burguesas até para
radicalizá-las. Foi dessa forma que as reformas puderam ser implementadas, haja
vista que o século XIX na Europa foi marcado a partir de sua 2.a. metade por
revoluções burguesas e por greves e movimentos operários, uma vez que os
sindicatos organizaram a categoria, principalmente a partir de 1848, ano da
publicação do Manifesto Comunista de Marx e Engels. A crise do capitalismo de
1875 aliada às reincidentes greves operárias vão provocar uma abertura do
capital à mais valia relativa, ou seja: vai haver uma diminuição da jornada de
trabalho (de 17 para 8 horas diárias),
os salários vão ser aumentados, assim como é incrementado o aumento da produtividade (posteriormente chamado de
sistema de cotas na produção). É o taylorismo/fordismo que se avizinha acompanhado
de novas máquinas (novas tecnologias). Isso tudo ocorreu num processo de
imperialismo em que a América Latina, Ásia e África serviram para serem
exploradas e compensar uma certa adequação de lucros dos empresários europeus ensandecidos
com tanta greve operária. A América Latina exportava seus produtos primários
para a Europa com preços nada competitivos (muito baratos). Dessa forma, dando sequência às revoluções
burguesas, fazendo algumas concessões à classe operária porque muito combativa
e organizada através de sindicatos e greves e principalmente explorando de
forma imperialista a América Latina, África e países da Ásia (como a China e a Índia)
é que os países europeus e os Estados Unidos se tornaram países
industrializados e centrais do capitalismo.
Qual a
analogia desse contexto com o Outono Brasileiro?
Ocorre que o
Brasil ainda não viabilizou as reformas básicas necessárias para seu pleno
desenvolvimento (e portanto somos periferia do capitalismo). O governo João Goulart
tentou implementá--las através de seu Plano Trienal e Reformas de Base com o
intuito de complementar o processo de industrialização do Brasil, ou seja,
criar um mercado consumidor para os produtos semiduráveis que seriam produzidos
no Brasil desde que os salários fossem aumentados e os camponeses tivessem
acesso à terra para produzirem e consumirem e assim deixarmos de ser refém do
latifúndio. O resultado já conhecemos: um golpe civil-militar (1964) respaldado
pela CIA (Companhia de Inteligência dos Estados Unidos) com sua Operação
Brother Sam (um porta aviões estacionado na Bahia de Guanabara, com mísseis,
destroyers para reprimir e estourar o Brasil se houvesse alguma tentativa de defender
o governo democrático deposto (João Goulart). Assim sendo, as multinacionais e
seus tecnoburocratas se tornaram o mercado consumidor para os eletrodomésticos
e automóveis montados aqui. O arrocho salarial e a repressão foram enormes e a
miséria aumentou, assim como a qualidade de serviços básicos. O milagre brasileiro durou muito pouco (1967
até 1973) e saímos da ditadura depois de 21 anos mais pobres, exauridos, com
muitos desaparecidos políticos, torturados e mortos. A saúde, educação,
saneamento básico foram deteriorados e também nos tornamos totalmente despolitizados
(o que não ocorria na década de 1960).
As
manifestações lideradas pelo MPL (Movimento do Passe Livre) inauguraram uma
frequência nas ruas de cidadãos ou consumidores. O aumento de R$0.20 nas
passagens de ônibus e metrô acenderam um estopim ou fizeram explodir uma panela
de pressão que cozinhava desde o final da ditadura. Os governos do PT (Lula e
Dilma) implementaram programas sociais que inseriram quase 40 milhões no
mercado de consumo, mas mesmo assim e por causa disso as demandas pela melhoria
dos serviços públicos vieram à baila de uma forma incontrolável. Os alicerces
das instituições foram abalados. Fala-se em Reforma Política, plebiscito,
reforma da saúde, verbas imediatas para a educação e os movimentos agrários já
entregaram para a presidenta suas reivindicações (através de uma carta) num encontro
histórico em que o MST, Via Campesina, CPT, Movimento Quilombola, Movimento
ligado à Agricultura Familiar, Movimento pela Demarcação das Terras Indígenas, etc.
expuseram suas demandas e propostas.
Dessa forma,
houve inicialmente um movimento de protesto na Avenida Paulista e centro de São
Paulo e outras capitais em que a classe média participou com entusiasmo, protestando com cartazes e palavras de ordem pontuais, difusas, politizadas ou despolitizadas, dando a impressão de que queria derrubar todas as instituiçoes e principalmente o governo federal, em especial a presidenta Dilma (julgando-a responsável por todas as mazelas do país, desconhecendo portanto a História) cujo passado não aprova pelo fato dela representar a esquerda brasileira (e essa classe média repudiar a esquerda, seus partidos e sindicatos). Essa atitude despolitizada de alguns ocorreu concomitante às manifestações de uma parte da classe média politizada como os estudantes do MPL (Movimento Passe Livre) que em sua maioria são de partidos de esquerda ou centro esquerda (como PT,PSOL,PSTU, PCdoB) ou de intelectuais, sindicalistas ou cidadãos comuns. Entretanto, também foi acompanhada de movimentos na
periferia que exigiam serviços básicos de qualidade e as reformas necessárias
para concretizar essas demandas. O que se percebe é que há uma urgência nas
reivindicações e os poderes constituídos nos planos Executivo, Legislativo e
Judiciário em suas instâncias municipais, estaduais e federais terão que dar
conta. Vários sociólogos apontam para uma falência das instituições e dos
partidos existentes e a necessidade de reinventa´-los de forma mais horizontal,
sem a hierarquia estabelecida. Outros até remontam a Gramsci (o grande cientista
político e filósofo italiano morto nas prisões de Mussolini em 1938) dizendo
que estamos agora no Brasil vivendo um interregno em que as instituições estão
anacrônicas e o novo ainda não está pronto, mas emergindo. Essa situação pode
ter um desfecho imprevisível no sentido de representar um avanço democrático ou
um retrocesso político, na medida em que depende da capacidade dos partidos
populares ( de esquerda) estarem dispostos a questionar sua estrutura vertical e
se adequar a esquemas mais colados às bases e portanto mais democráticos ou
simplesmente abrirem mão de suas siglas partidárias e sindicais e refundarem
uma outra forma de representação política que poderia ser baseada até na horizontalidade
da estrutura do MPL. De qualquer forma,
o movimento de massa contou com a presença da classe média (pequena burguesia)
e foi abastecido pela presença constante dos moradores e trabalhadores do
centro e das periferias das cidades brasileiras exigindo as reformas básicas
para modificar e resolver as demandas da população brasileira.
Em suma podemos dizer que se as revoluções burguesas não puderam ser realizadas pela burguesia brasileira ou latino-americana e por isso somos um arremedo de Estado em que as reformas estruturais ainda estão por fazer. O desempenho nesse sentido fica para a classe trabalhadora brasileira ou latino-americana driblando o neoliberalismo e a transnacionalização do capital e instaurando uma nova ordem, talvez superando até mesmo a ordem do capital.
Em suma podemos dizer que se as revoluções burguesas não puderam ser realizadas pela burguesia brasileira ou latino-americana e por isso somos um arremedo de Estado em que as reformas estruturais ainda estão por fazer. O desempenho nesse sentido fica para a classe trabalhadora brasileira ou latino-americana driblando o neoliberalismo e a transnacionalização do capital e instaurando uma nova ordem, talvez superando até mesmo a ordem do capital.
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