quarta-feira, 24 de julho de 2013

Quem tem medo da constituinte exclusiva?

Como os atuais congressistas não vão votar contra os seus próprios interesses, a única forma de se conseguir promover as reforma no Brasil é através de uma constituinte exclusiva segundo advogado Diego Diehl

Matéria do Jornal Brasil de Fato

 

Quem tem medo da constituinte exclusiva?


Ela é o instrumento mais efetivo para se conseguir chegar mais próximo de resultados que atendam de fato às reivindicações que surgiram das ruas
24/07/2013
Diego Augusto Diehl
O Brasil precisa de uma ampla e profunda reforma política, que institua regras que moralizem os processos eleitorais, aprofundem a transparência e incentivem os processos de participação popular mediante os mecanismos de democracia direta e participativa. Este parece ser um consenso entre políticos, juristas, analistas e entre o “senso comum”, que inclusive foi às ruas contra as consequências perversas do atual sistema político e eleitoral.
Ocorre que, como diz o ditado popular, “para fazer a limonada é preciso espremer os limões”. Eles não são necessariamente belos e produzidos a partir das melhores técnicas. Tampouco temos os melhores instrumentos para processá-los. Mas algo há de sair, sob pena de o imobilismo imposto pelas classes dominantes a partir das atuais “regras do jogo” frustrar completamente a cidadania que saiu às ruas no último período. Considerando que grande parte daqueles e daquelas que foram às ruas são jovens, a desilusão causada pela ausência de mudanças no sistema político aprofundaria o estado geral de apatia e a baixa intensidade da nossa frágil democracia.
..
Qual é então o sentido de se reivindicar a convocação de uma assembleia constituinte exclusiva para promover a reforma política? A resposta é: ela é o instrumento mais efetivo para se conseguir chegar mais próximo de resultados que atendam de fato às reivindicações que surgiram das ruas. Ou alguém acredita que os atuais congressistas votarão uma reforma política que vá diretamente contra seus próprios interesses?
É clássica a literatura política que defende a necessidade de vedação da auto-legislação. Se é imoral que os legisladores legislem em causa própria, igualmente imoral e ilegítimo seria que a atual classe política definisse os contornos de uma reforma do sistema político e eleitoral. A ideia de uma Constituinte exclusiva tem como fundamento a eleição de representantes do povo com a exclusiva missão de construir os consensos possíveis para a introdução, na Constituição de 1988, de dispositivos que fortaleçam a participação popular, incentivem os partidos ideológicos e contribuam no combate contra a corrupção.

Aqueles que se insurgem contra a constituinte exclusiva o fazem com fundamentos que são, afinal de contas, estritamente políticos. A Constituição de 1988, ao mesmo tempo em que não prevê expressamente essa forma especial de alteração constitucional, tampouco proíbe a sua criação mediante inserção de dispositivo expresso no ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias), mediante aprovação de Emenda Constitucional, desde que não viole nenhum dos preceitos inscritos no art. 60, parágrafo 4º da própria Constituição.
Por acaso, se está a discutir no âmbito da constituinte exclusiva alguma proposta que venha a abolir a forma federativa de Estado? O voto direto, secreto, universal e periódico? A separação dos Poderes? Os direitos e garantias individuais? Ora, é apenas nestes casos que a Constituição proíbe mudanças no texto constitucional, e, ademais, qualquer alteração feita por meio deste processo passará necessariamente pelo crivo do controle de constitucionalidade. Qualquer tipo de tentativa de golpe contra a Constituição será reprimida não apenas pelo Poder Judiciário, mas pelo guardião maior da Carta Constitucional: serão as ruas, será o povo brasileiro.

Se a limonada feita será de bom ou mau gosto, apenas a política poderá nos dizer. Se o povo deseja fazê-la com as ferramentas que uma Constituinte exclusiva oferece, apenas o povo – e não os juristas – poderá dizer, mediante consulta plebiscitária prévia. Não dar sequer a chance de o povo fazer essa escolha é fazer aquilo que as elites políticas sempre fizeram no Brasil: suspender a política do povo e resolver as coisas entre si mesmas, com o apoio da classe dos juristas...
Paulo Freire discutiu em diversos de seus livros o medo que as elites sempre incrustaram na psique das massas. Chamava esse medo que as massas tinham de si próprias de “medo da liberdade”, típico de uma sociedade autoritária e fechada às mudanças, às experiências, à participação. Atualmente, prepondera entre as elites, grande parte dos juristas e inclusive em alguns setores da esquerda brasileira aquilo que Vladimir Safatle bem denominou de “medo do povo”. Um medo que gera paralisia, que, na atual situação, apenas favorece as classes dominantes.

Diante disso, num momento em que as ruas clamam por mudanças reais, é de se perguntar aos juristas: quem tem medo da constituinte exclusiva? Se permitem uma sugestão: analisem quem na “classe política” é a favor e quem é contra a proposta, e então vocês terão uma ideia de com quem estarão acompanhados nesse debate.
Diego Augusto Diehl é advogado, doutorando em Direito pela Universidade de Brasília e pesquisador do Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais (IPDMS).

Nenhum comentário:

Postar um comentário