domingo, 14 de julho de 2013

O papel central da Reforma Política

Para o sociólogo Boaventura de Souza Santos a reforma política é fundamental para que o governo possa dar as respostas necessárias às reivindicações populares com relação aos serviços públicos. A classe C cresceu e ficou mais exigente. Houve expectativa com relação ao governo Dilma e ela só poderá resolver essa crise de representatividade política com mais democracia, políticas de inclusão, menos dinheiro para empreiteiras e capital financeiro internacional e mais para os cidadãos.
Matéria de Outras Palavras

10.07.13
O papel central da REFORMA POLÍTICA. Entrevista com Boaventura de Sousa Santos
Outras Palavras
Adital
Para Boaventura de Sousa Santos, o sistema institucional bloqueia mudanças e rejeita
novas formas de democracia. Por isso mesmo, é preciso lutar por elas. Na DW
Os protestos no Brasil perderam intensidade, mas, se o governo não der uma
resposta rápida às reivindicações do povo, podem voltar ainda mais fortes – e de
forma incontrolável. O alerta é do português Boaventura de Sousa Santos, doutor em
sociologia pela Universidade de Yale (EUA) e diretor do Centro de Estudos Sociais da
Universidade de Coimbra (Portugal).
Autor de estudos sobre emancipação social, direitos coletivos e democracia
participativa, ele vê a onda de indignação que tomou as ruas do país como fruto das
mudanças vividas pela sociedade brasileira nas últimas décadas. A classe média, afirma,
cresceu e com ela as demandas dos cidadãos por melhores serviços públicos ganharam
força.
Para Boaventura, o Congresso está "divorciado das prioridades dos cidadãos” e,
por isso, uma reforma política se faz necessária. "Há medidas de emergência que
têm de ser tomadas, mas nada disso é possível se não houver uma reforma política
profunda. Neste momento todo o sistema político tende a perverter e a inverter as suas
prioridades”, afirma em entrevista à DW Brasil.

Como o senhor avalia a onda de protestos?
As manifestações foram uma surpresa tanto no plano interno como no plano
internacional. Tudo levava a crer que tudo no Brasil estava indo bem. Internamente,
os próprios partidos, especialmente o do governo, foram apanhados de surpresa. O
que foi surpresa foi o motivo para que a explosão ocorresse. Havia um mal-estar, e ele
resulta do êxito das políticas que foram instituídas no Brasil a partir de 2003 [quando
Lula assumiu o poder] e que fizeram com que 40 milhões de pessoas entrassem para a
classe média.
Elas criaram expectativas não só no que diz respeito à sua vida, mas também ao modo
como se posicionam na sociedade, ao modo como usam os serviços públicos. E esses
40 milhões começaram a ver que, nos últimos tempos, pelo menos, havia uma certa
estagnação dessas políticas. Os serviços públicos não acompanharam as transformações
sociais.

A chamada "classe C” ficou mais exigente?
Eu penso que sim, pois as políticas de inclusão realizadas nos últimos dez anos
atingiram seu limite e as formas de participação não são hoje tão eficazes quanto eram.
Além disso, o serviço público não se desenvolveu como deveria. O caso da saúde é
significativo. Por outro lado, num país que tem uma tradição de movimentos sociais
fortes, eles viram suas atividades nos últimos tempos se tornarem bastante restringidas.
Por isso começou a haver uma certa frustração quanto às prioridades do governo e,
naturalmente, um desgaste.
Que medidas o governo Dilma deveria tomar para atender às exigências da
população?A medida fundamental é uma reforma política. Fica evidente que há medidas de
emergência que têm de ser tomadas, mas nada disso é possível se não houver uma
reforma política profunda, porque neste momento todo o sistema político tende a
perverter e a inverter as suas prioridades. Dilma tomou essa medida corajosa, de
propor uma revisão constitucional, mas o Congresso não tem grande vontade política
para uma reforma política profunda.

As respostas que o governo e o Congresso deram até agora não são 
satisfatórias?
Como é que o Congresso é capaz de aprovar num prazo de uma semana tantas leis e
questões importantes, como a [tipificação da] corrupção como crime hediondo? Essa
correria tem um lado positivo e um lado negativo. Isso mostra que o Congresso só se
move se houver pressão popular. Portanto, esse é o lado negativo: o Congresso está
divorciado das prioridades dos cidadãos e só acorda quando os cidadãos o obrigam a
acordar. É por isso que é necessária uma reforma política.
Para o senhor, quem são os manifestantes?
As manifestações são muito importantes para pressionar as instituições, os partidos e os
governos, mas elas não fazem propriamente uma formulação política. O que elas fazem
é pressão para que haja formulação política. Vimos no Brasil como as agendas eram tão
diversas quanto a composição das classes presentes nos protestos. Houve uma forte
presença da juventude. As manifestações têm uma composição e, misturadas nelas,
há forças aproveitadoras que tentaram tirar dividendos contra o PT. Mas elas são uma
minoria. É uma insatisfação popular, sobretudo das camadas mais jovens, contra uma
política que não responde aos seus anseios.

É possível manter uma mobilização de massa a longo prazo?
Mesmo nos casos dos países que ela se mantém durante mais tempo, como durante o
Occupy, nos EUA, e agora no Egito, tudo acontece por etapas. Portanto, há momentos
de refluxo. E eu penso que, no caso brasileiro, ela não se aguenta neste momento,
embora possa vir a explodir mais tarde. Neste momento há uma certa espera, uma
espera com esperança de que alguma coisa se faça. Se ela não se fizer, a situação pode
voltar, pode até, aliás, ser mais incontrolável. Se não houver uma reposta rápida a estas
reivindicações, o refluxo atual voltará eventualmente mais incontrolável e mais forte.
Muitos manifestantes nas ruas levantaram uma bandeira antipartidarista.
Existe atualmente uma crise de representatividade no sistema político
brasileiro?
Acho que sim. E neste momento não só no [sistema político] brasileiro, mas também no
europeu. E ocorre fundamentalmente do fato de que os governos hoje estão capturados
pelo capital financeiro internacional, se ver bem, em função das exigências do capital
financeiro. O próprio Brasil compromete uma parte significativa de sua arrecadação para
o pagamento do serviço da dívida. E este também é o caso da Europa. No fundo, é isso
que está criando essa crise de representação, na medida em que os cidadãos não se
sentem representados pelos seus representantes e é isso que faz com que as pessoas
venham para a rua.As manifestações foram, de certa forma, uma demonstração de decepção
com o governo. 

Esse governo do PT, apesar das medidas de inclusão social, 
perdeu a credibilidade?
Não. O problema é que, enfim, é um governo de esquerda que, no entanto, tem uma
coligação problemática, dada a organização partidária no Brasil. O problema é que os
brasileiros conhecem muito bem o que foram as políticas de direita [dos governos]
anteriores, nenhum deles realizou as políticas de inclusão social que agora têm lugar.
E, portanto, há um certo descrédito na política em seu conjunto. O PT e o governo da
presidente Dilma têm uma crise de legitimidade a resolver. E só podem resolver com
mais democracia, com mais políticas de inclusão, com mais dinheiro para os cidadãos e
menos para as grandes empreiteiras e para o grande capital financeiro internacional.

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