Para Leonardo Boff o cristão tem que começar a refletir e ser antissistema, anti-marketing, anti- consumista. Ser contra a diminuição da maioridade penal completa esse raciocínio. A opção pelos pobres está inserida nessa reflexão e é a mensagem do papa Francisco.
Matéria do Jornal Brasil de Fato
Papa desafia sonhos dos jovens”, diz Boff
23 julho, 2013 - 12:01 — vivian
Para o teólogo, papa Francisco poderá engajar juventude por transformações
sociais
23/07/2013
Vivian Virissimo
do Rio de Janeiro (RJ)
Aos 74 anos, o teólogo da libertação Leonardo Boff está entusiasmado com
as possíveis transformações da Igreja Católica. Segundo ele, desde que Jorge
Mario Bergoglio tornou-se o papa Francisco, muita coisa mudou na estrutura
milenar da instituição. “Os dois papas anteriores eram centrados na disciplina,
agora o centro são os pobres”, define.
Em entrevista ao Brasil de Fato, o teólogo não economiza elogios ao papa
argentino.“Ele é diferente. Papa Francisco vem de um cristianismo engajado
nas transformações sociais”. Em tempos de Jornada Mundial da Juventude
(JMJ), Boff também condenou a possibilidade de redução da maioridade penal,
denunciou o extermínio da juventude pobre nas periferias do país e criticou os
movimentos carismáticos da Igreja Católica.
Confira a entrevista:
Brasil de Fato - O papa Francisco defende que pobreza não se combate
com filantropia, mas com justiça social. Qual o potencial que essa
visão tem de transformar a Igreja?
Leonardo Boff - Essa é a tese da Teologia da Libertação, de Paulo Freire, e
de todos os que trabalham na base com o pobre. Ou seja, nenhuma solução
é eficaz se não incluir os pobres. O papa entendeu isso e está seguindo
a tradição da Igreja latino-americana. Isso pode modificar muita coisa e
significar um desafio para movimentos carismáticos que não seguem o
evangelho social. As declarações de Francisco mostram esse rompimento: ele
disse que o verdadeiro cristão tem que ser revolucionário, que todos têm que
atuar na política. Ele também disse que preferia uma Igreja machucada porque
foi à rua, do que uma Igreja doente e asfixiada que ficou no templo. Eu estou
muito entusiasmado.
O Papa disse que “Cristo bota fé na juventude”. Que papel a Jornada
Mundial da Juventude pode desempenhar na melhoria da qualidade de
vida dos jovens?
Grande parte da juventude é conservadora, porque os movimentos
carismáticos trabalhavam apenas com o conceito de piedade, e nunca falavam
de desempregados, das desigualdades, da matança de índios, da destruição
das hidrelétricas, por exemplo. É só “o pai nosso e nunca o pão nosso”.
Agora com esse papa é diferente. Ele vem de um cristianismo engajado
nas transformações sociais. Ele tem clara mensagem para o cristianismo
comprometido e quer desafiar a capacidade de sonho dos jovens. Não basta
ser cristão, tem que começar a refletir, tem que ser anti-sistema, anticonsumista,
não pode ser vítima do marketing. É como o peixe de piracema
que nada contra a corrente: cristão verdadeiro tem que ser contra esse
sistema.
Ao mesmo tempo que o Brasil promove a JMJ, congressistas avaliam a
possibilidade de reduzir a maioridade penal. Qual sua opinião sobre o
encarceramento de jovens na prisão?
Na prisão quem não é bandido, vira bandido. É a pior escola de integração
da sociedade. Reduzir a maioridade penal significa prender pobres e colocar
junto com bandidos. É dentro das carceragens que se tramam assaltos e se
aprende a estratégia de criminalidade. No sentido humanitário, precisamos
criar alternativas, punindo de outras maneiras.
A Pastoral da Juventude denuncia o extermínio da juventude,
sobretudo pobre e negra. Como essa pauta pode avançar com a JMJ?
Durante a jornada, o papa vai defender a vida. Ele conhece de perto esta
situação da criminalização da juventude, até porque isso também acontece
na Argentina, e o cenário é até pior do que no Brasil. Aqui, especialmente a
polícia no Rio e em São Paulo, sobe o morro e não prende mais, eles matam.
Pequisas mostram que a maioria dos jovens mortos levam tiro na cabeça, são
execuções, ou seja, crimes contra a humanidade. O Estado não pode tolerar
isso.
Sobre as recentes manifestações populares, papa Francisco comentou
que são justas e que seguem o evangelho. Por que este discurso inova
diante da antiga conjuntura da Igreja Católica?
Os dois papas anteriores eram centrados na disciplina, agora o centro são os
pobres. Isso fica bem claro em seu discurso. Ele não se entende como papa,
mas como bispo de Roma. Isso significa que é um bispo entre outros bispos.
Ele preside na caridade e não no direito canônico. A grande novidade é que
ele se propõe a fazer uma reforma da Cúria, uma instituição de mais de mil
anos. Agora são oito cardeais para governar junto com ele e fazer as reformas
necessárias.
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