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Quarta,
17 de julho de 2013
QUEM PODE VIRAR O JOGO POLÍTICO NO BRASIL?
ontados". O comentário é de Chico Menezes, pesquisador do Ibase, em artigo publicado por Canal Ibase, 16-07-2013.
Na opinião
do pesquisador do Ibase, "a Reforma Política não deveria ser feita pelos congressistas
atuais, para ter a necessária isenção frente aos interesses que sustentam o
atual sistema político. Deveria ser composta por pessoas eleitas a partir de
seu reconhecimento público e já aqui com um financiamento exclusivo do Estado
para a realização desse processo".
Os dez últimos
anos, no Brasil, foram caracterizados pela disputa política entre dois campos
ideológicos bastante distintos. Porém, neste período, não ocorreram maiores rupturas
e as diferenças de propostas e projetos ficaram muitas vezes turvas, escondendo
o antagonismo que realmente existia. O governo liderado pelo PT entendeu que a única forma de se
manter no poder era conciliando aqueles interesses tão diversos e frequentemente
contraditórios. Não abriu mão de sua principal bandeira, de redução da pobreza
e maior justiça social. E logrou resultados expressivos, que possibilitaram a
formação de uma nova base popular capaz de lhe garantir de forma confortável um
segundo e um terceiro mandato na Presidência da República. Assim, tudo parecia
estar sob controle, sem risco de grandes instabilidades.
Os acontecimentos ocorridos a partir de junho viraram de cabeça para baixo esta aparente calmaria. As ruas
passaram a expressar um descontentamento que se alastrou de forma contagiosa
para as mais diversas cidades do país, algumas delas que nunca haviam
vivenciado antes essas mobilizações. A rebelião manifestada nas ruas, mais além
da
reivindicação específica e vitoriosa levantada pelo Movimento Passe Livre,
parece atirar em todas as direções. Existe um não mais suportar das condições
dos serviços urbanos.
Existe o
clamor por melhores condições para a saúde e a educação e a paciência esgotada
para continuar esperando soluções. Existe um forte questionamento à forma como
o país se prepara para a realização dos grandes eventos esportivos, com não aceitação
de gastos, que sabemos injustificáveis. A isto se soma a indignação frente às
medidas segregacionistas contra os mais pobres, quando estes se encontram no caminho
das grandes obras. Existe a não aceitação do mandonismo e do colonialismo
de
organizações internacionais, como a FIFA. Existe um repúdio enojado sobre as polícias estaduais que, ao
invés de defenderem os cidadãos, apontam suas miras para os mais jovens e os
mais pobres. Existe, também, o rechaço à mídia convencional, ao seu cinismo, às
suas mentiras e tramoias. Todas essas insatisfações são compartilhadas
intensa
e velozmente, pelas redes sociais e outros mecanismos que garantem a permanente
comunicação. E tudo cabe nesta grande cesta de descontentamentos.
Mas
porque o descontentamento é difuso, abre-se o espaço para manipulações e oportunismos.
As forças mais retrógradas, ao verem o crescimento das manifestações, resolveram
se realinhar. Abandonaram a reprovação inicial que faziam contra aqueles que se
mobilizavam e passaram a tratar o fenômeno como uma oportunidade. Enxertaram
seus
temas no cardápio de descontentamentos levantados pelos manifestantes. A questão
da corrupção à frente, sem dizer como enfrentá-la e apontando unicamente para um
partido e seus componentes mais ilustres. A distribuição de bandeiras e camisas
comas cores do Brasil, em um súbito e estranho nacionalismo. Neste contexto
manifestou-se, também, o caráter anti-democrático de uma minoria, com intolerância
e agressões a membros de partidos políticos e de movimentos sociais.
Mas,
deixando de lado o que foi mais exacerbado, se formos buscar o denominador comum
em tudo o que se expressa nas manifestações, parece ficar clara a sensação de
que a democracia engessada do atual sistema político brasileiro mostra sinais evidentes
de esgotamento, por não pertencer ao povo, muito menos aos jovens que agora protestam.
Esse
sentimento não é um fenômeno meramente nacional. Faz parte da enorme frustração
com modelos políticos que aceitam e fazem uso da fraude, dos acordos do toma lá
dá cá, da compra do poder e, o mais importante, da ausência de espaços para a
participação. A insatisfação com esta democracia, muitas das vezes, desabrocha
a partir de um acontecimento que parece banal ou de pequena dimensão, como o
aumento de uma tarifa de ônibus, ou uma arbitrariedade policial localizada. Mas
explode, quando surge a sensação de que o jogo é de cartas marcadas e que a
possibilidade da mudança, dentro do atual marco institucional, é muito pequena.
Estas manifestações se iniciam, tem seu auge e depois refluem. Seus efeitos
imediatos vão depender da situação específica
de cada
país ou localidade aonde acontecem. Mas o vazio, a não-resposta ao que se reivindica,
o deixar-esfriar, não passam impunes. Acumula-se uma frustração que vai cobrar
seu preço.
No caso
brasileiro, quando examinamos as reivindicações mais frequentes – e são muitas–
que emergem das manifestações, elas variam desde a cobrança de medidas simples,
para resolverem um problema localizado, até questões que para serem
enfrentadas, supõem forte confronto de interesses e as chamadas rupturas, até
aqui ausentes de nossa agenda política. Reforma Agrária, Reforma Urbana,
controle social dos meios de comunicação e muitos outros pontos, absolutamente
urgentes e necessários, mas pedidos de sequer terem seus processos iniciados, exigem
confronto e ruptura para avançarem. Como avançarão? Passando pelo Congresso
Nacional, com sua atual composição? Ele é parte do problema e dificilmente
conseguirá encaminhar a solução.
Vai-se
esgotando a paciência com os arranjos e a negociata na política. O longo período
de conciliação das disputas, através da prática de varrer para debaixo do
tapete contradições inconciliáveis, parece ter seus dias contados. É claro, vai
se tentar fazer tudo voltar ao “normal”. Mas uma nova agenda se impõe para o país
e ela não poderá ser cumprida com a velha fórmula da conciliação. Por isso, o
sistema político precisa ser profundamente reformado.
A
Reforma Política não traz a garantia que sairemos do atual sistema para outro
melhor. Depende, fundamentalmente, de como será feita. E se falávamos de um
novo tempo de conflito e não conciliação, prova disso foi que bastou
levantar-se a hipótese de mudanças no sistema político, para que surgisse uma
reação intransigente a ela. Listem os nomes de quem se opõe a uma reforma política
com participação popular e teremos um claro indicador de como os campos de
interesse hoje se dividem. Estava absolutamente correta a proposta inicial da
Reforma Política que a Presidenta Dilma
apresentou. A profundidade e abrangência das medidas
para a reforma política que o país necessita exigem mudanças constitucionais,
que justificam a chamada de uma Assembleia Constituinte com esta finalidade
exclusiva. Não deveria ser feita pelos congressistas atuais, para ter a necessária
isenção frente aos interesses que
sustentam
o atual sistema político. Deveria ser composta por pessoas eleitas a partir de seu
reconhecimento público e já aqui com um financiamento exclusivo do Estado para
a realização desse processo. Assinale-se que, ao contrário do que foi propagado
pelos que se opuseram a ela, esta proposta não foi criada pelo governo. Já há
muito tempo vem sendo discutida por especialistas e interessados no tema.
A
proposta foi torpedeada pelas forças do continuísmo e, ao que tudo indica, não
haverá as condições para retomá-la. O Plebiscito, para definir com participação
social as questões a serem consideradas na reforma política, teve a insistência
do governo, mas novamente encontrou o rechaço daqueles que mais se beneficiam
com o atual sistema.
O
Congresso Nacional e os partidos políticos, em sua maioria, não aceitam o
plebiscito e buscam esvaziar a própria ideia da reforma política para a qual
nunca se empenharam.
Quem
pode virar o jogo? Novamente as ruas. Foi alentador ver que os movimentos sociais
colocam a reforma política como uma das suas reivindicações principais. É
preciso que seja realizado um trabalho didático com todos os que se indignam e
se rebelam frente ao atual estado de coisas, mostrando o papel que pode desempenhar
uma reforma política, nesse contexto. E alertando para o tamanho da luta,
porque estarão sendo
questionados
alguns dos sustentáculos principais desse sistema.
Vejamos
alguns pontos essenciais para que a reforma política aconteça e possa cumprir seu
papel. Em primeiro lugar, a questão do financiamento público das campanhas eleitorais,
pondo fim às campanhas milionárias pagas por financiadores privados que cobram,
posteriormente, um altíssimo preço. Significaria um duríssimo golpe nas forças conservadoras,
que vem garantindo sua hegemonia através do poder econômico nas disputas
eleitorais. E que reproduz grotescamente as figuras da empresa financiadora a definir
todos os passos de seus “funcionários” parlamentares. Um segundo ponto, entre
diversos
que se colocam no âmbito da regulamentação do processo eleitoral, é a revisão das
regras de coalisões sem bases programáticas, mas unicamente estabelecidas a partir
das conveniências de formação de maioria e minoria. O terceiro ponto,
igualmente importante, refere-se ao fortalecimento das formas de democracia
participativa e direta,cada vez mais adequadas aos tempos atuais, considerando-se
inclusive as possibilidades que se oferecem com o maior acesso da cidadania aos
meios que permitem uma crescente interatividade.
Aliás, é
pela via da democracia direta que se pretendeu iniciar esse caminho. O
plebiscito chama a mobilização popular para garantir aquilo que nunca vai se
realizar por meio do atual Congresso Nacional. O desafio é de muito risco, mas é
a única proposta possível para ir além desta democracia de fachada.
Considerando-se os limites e as resistências com que se deparam as forças
progressistas, seria ingênuo esperar que a reforma política represente uma
panaceia para a democracia brasileira. Não se deve negligenciar, porém,
o
potencial democratizante para a sociedade, caso se consiga concluir o processo
com razoável êxito. Os movimentos e organizações sociais, os verdadeiros
democratas, a esquerda independentemente de sua filiação e os jovens que querem
a mudança precisam compreender seu papel nessa hora. A voz das ruas pode falar
mais alto.
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