quarta-feira, 10 de julho de 2013

Limites e contradições dos movimentos que estão nas ruas

Excelente entrevista (para a Carta Maior) com o sociólogo Paolo Gerbaudo em que o mesmo coloca os limites das Assembléias que nascem dos movimentos dos indignados (não somente no Brasil) que congregam várias posturas divergentes como os autonomistas e os liberal-conservadores (há membros até da OPUS DEI). Os partidos políticos sempre existiram, embora criticados possuem base massiva. Como evitar o centralismo democrático nos partidos?  Se os movimentos rejeitam toda a organização e estrutura pode correr riscos de que entidades reacionárias e conservadoras tomem o poder como no Egito (Irmandade Muçulmana). Como construir novas formas de representatividade? Gramsci defendia a convivência entre movimentos e partidos.


28/06/2013

ENTREVISTA COM PAOLO GERBAUDO
LIMITES E CONTRADIÇÕES DOS MOVIMENTOS QUE ESTÃO NAS RUAS

Os protestos que sacudiram os sistemas políticos de nações tão díspares como Egito e
Brasil nos últimos três anos não provem da estrutura política tradicional, mas sim da rua,
de uma tradição movimentista. Na Europa da austeridade, no Brasil de Dilma Rousseff, na
Primavera Árabe e na Turquia pró-islâmica de Recep Tayyip Erdogan estes movimentos
– chamem-se indignados, Movimento Passe Livre ou Occupy – têm traços organizativos
similares, uma mescla de espontaneidade, demandas específicas e escassas consignas
programáticas. Em entrevista à Carta Maior, Paolo Gerbaudo, pesquisador do Kings
College, especialista em novos movimentos sociais, analisou as expectativas e os limites
destes movimentos políticos e seu significado no caso particular do Brasil.

Você vê alguma semelhança entre o que ocorreu no Brasil e na Turquia e os
movimentos sociais europeus como os indignados ou o movimento occupy?

Paolo Gerbaudo: Esses movimentos são, ao mesmo tempo, similares e diferentes. A
diferença diz respeito ao meio social no qual ocorrem. Os movimentos no Brasil e na
Turquia expressam diferentes realidades daquelas da Espanha e dos Estados Unidos.
Não se pode postular uma tendência unilinear. Mas há semelhanças que podem ser
vistas na maneira pela qual os manifestantes expressam seu protesto, nos símbolos que
usam. A máscara do V de Vingança, como símbolo de certo anarquismo antiautoritário,
é um exemplo. Ela pode ser vista nos protestos de Dubai, do Egito e em muitos outros
lugares. Na capa de um jornal turco apareceu uma foto muito interessante durante as
manifestações do Brasil. Na metade da capa, aparecia um manifestante com a máscara
do V e a bandeira do Brasil. Na outra metade, havia um manifestante na Turquia com a
mesma máscara e a bandeira turca.
Isso mostra outro elemento importante. Ao contrário dos movimentos antiglobalização
estes movimentos são nacionais como se vê pela presença das bandeiras. Nos
movimentos antiglobalização, há um forte elemento contracultural e de presença
de minorias. Um postulado básico era a diversidade de táticas e pertencimentos:
anarquistas, feministas, ecologistas eram parte de um movimento que se baseava na
ideia de resistência em um momento no qual a maioria sentia que o sistema estava
oferecendo coisas suficientes para se manter em conformidade com ele. Não é a situação
agora, quando há um forte rechaço do neoliberalismo. Se alguém pergunta a alguém
o que pensa dos bancos ou do sistema econômico, a resposta intuitiva, sem usar uma
linguagem técnica, é quase unânime de indignação sobre a disfuncionalidade do sistema.

Mas, se na Europa dos anos 60 ou 70 tivesse ocorrido uma austeridade como a
que ocorre agora, a resposta teria sido muito mais forte, quase uma situação pré-
revolucionária. Uma coisa que surpreende no que está acontecendo é que tenha
levado tanto tempo para ocorrer uma resposta. O que é que está faltando?

Paolo Gerbaudo: Estes movimentos não começam com uma identidade centrada em
uma ideologia. São lugares de convergência que compartilham a sensação de ser vítima
do sistema. Não é um movimento de minorias. Estive na Espanha e uma coisa que me
impressionou muito foi que nas assembleias aparecia um especialista em computaçãodizendo “eu também estou indignado” e, ao seu lado, havia uma aposentada que tinha
sofria uma forte redução em sua aposentadoria e que dizia o mesmo, ou seja, que ela
também estava indignada. Este “também” é fundamental. Esses movimentos ainda estão
lutando para ter uma visão coerente, que não se resuma à oposição de modo geral a
tudo que está aí. As Assembleias Populares são uma tentativa de construir esta visão.
Em um certo sentido são um passo fundamental, mas é preciso não se iludir, não é o
caso de idolatrá-las. As assembleias não são uma solução, nem produzirão resultados.
Na Assembleia, reúne-se gente que compartilha as mesmas demandas, mas que têm
identidades políticas distintas. Os indignados estão se dividindo agora entre os que
têm um perfil liberal-conservador, onde há até um membro da Opus Dei, e os que são
autonomistas.
Na Argentina, hoje, pode-se ver um ciclo completo das Assembleias. No início
da crise, em 2001-2002, foram muito importantes, mas depois, à medida que a
economia se recuperou, foram se diluindo. Hoje são politicamente irrelevantes.

Esse não é um problema de todos estes movimentos que dependem totalmente de
uma crise?

Paolo Gerbaudo: Totalmente. As Assembleias são uma espécie de sonho anarquista de
que é possível funcionar com um sistema de assembleias. Isso se viu na Argentina, na
Grécia e na Espanha. Há um extraordinário entusiasmo quando o movimento começa
com a ideia de que vão substituir os governos, mas isso não ocorre, em parte porque
as assembleias requerem um gasto de energia extraordinariamente grande. Atribuem
a Oscar Wilde uma frase que reflete isso: “o socialismo requer demasiadas reuniões
nas noites de quarta”. As pessoas se encantam com as reuniões, mas elas acabam se
tornando cansativas. As Assembleias são um meio, parte das ferramentas disponíveis
para uma mudança. O perigo é acreditarmos que os meios são o importante. É o que diz
um dos ideólogos do movimento Occupy Wall Street, David Graeber, o “importante são os
meios corretos”. Isso é como dizer: não importa a ideologia, a visão de mundo, importa a
democracia.

No entanto, há sinais de ideologia em todos estes movimentos. Em uma carta do
movimento passe livre a Dilma Rousseff é dito que “o transporte deve ser público
de verdade, acessível a todos, ou seja, um direito universal. Questionar a tarifa é
questionar a própria lógica da política tarifária que submete o transporte ao lucro
dos empresários e não à necessidade da população”. Essa carta também sustenta
que este critério deveria ser aplicado não só ao transporte, mas sim à saúde, à
educação, etc. Isso parece uma semente de ideologia.

Paolo Gerbaudo: Exatamente. Mas tem uma limitação. Não apontam um caminho. Por
que? Porque recusam que o Estado é o caminho para a resolução do problema. A quem
estamos fazendo esta demanda? Ao Estado. No caso do Brasil, isso é claro. Há uma
contradição entre o que se defende como parte de um movimento autônomo que rechaça
o Estado, mas que, ao mesmo tempo, depende do Estado para a satisfação de suas
demandas. Mas, sim, há uma semente de uma ideologia baseada nos direitos sociais,
baseada em visões de gente do povo, uma ideologia que põe a ênfase no direito ao
espaço cidadão. É uma série de demandas que refletem a estrutura social no movimento,
a precária classe média que quer hospitais, espaços públicos, parques, educação,
transporte.
No Brasil os cincos pactos propostos por Dilma a governadores e prefeitos se
centram nesses pontos: saúde, educação, transporte, reforma fiscal e reforma
política. Você acredita que isso pode colocar um fim à crise?

Paolo Gerbaudo: Não sei. Esses movimentos estão criticando o sistema de partidos
políticos. Não sei se a cooptação seletiva será suficiente para desarmar estes
movimentos. Pode ser. Estas concessões podem pacificar certos setores do movimento.
Mas ao mesmo tempo é provável que criem novos partidos que tentem integrar estes
elementos.

No Brasil há um paradoxo. Os protestos ocorrem com um governo popular que
aumentou as políticas sociais em um país com pleno emprego. Não se dá a crise
europeia da austeridade.

Paolo Gerbaudo: Há uma maneira de entender esses protestos que é pensar que se
alimentam da privação. Neste caso a lógica seria quanto mais fome mais protestos.
Mas pode ocorrer também a lógica inversa. Quanto mais direitos alguém consegue,
mais quer. No Brasil, a situação hoje é muito melhor. Mas como diz Rodrigo Nunes, em
um artigo na Al Jazeera, há que diferenciar entre crescimento quantitativo e qualitativo.
Ganha-se mais, mas os serviços são piores. Não estive no Brasil, mas muita gente me
falou que a infraestrutura de transporte e o sistema de saúde são terríveis. Tudo isso
afeta a qualidade de vida em um momento no qual o país parecia ir muito bem. Isso
ocorre também na Turquia. Pode haver muito desenvolvimento, mas a resposta da
população é que não se trata simplesmente de aumentar um critério abstrato de medição
como é o PIB, mas sim de viver melhor.

Nestes episódios a reação dos governos e da polícia parece cumprir um papel
disparador e aglutinador. Isso é uma parte essencial na aparição de movimentos
como estes que, da noite para o dia, passam a dominar toda a agenda política?

Paolo Gerbaudo: Em princípio o que os une é o Estado. No Egito, o que uniu todo o
mundo foi a polícia. Todo mundo odeia a polícia. A reação da polícia representa que só
há a vara: não há a cenoura. E o Estado está representado na polícia. Não é a polícia
usada para manter uma ordem social justa, mas sim a polícia que serve para a injustiça
social, um imã que unifica todo mundo.

Uma coisa que estes movimentos trazem à superfície é o problema da
representação política. Estes movimentos sociais são uma crítica implícita ou
explícita aos partidos políticos tradicionais.

Paolo Gerbaudo: Os partidos sempre existiram. Nos tempos de Roma, existia o partido
popular e o dos patrícios. Hoje se critica os partidos políticos, mas a realidade é que eles
têm uma base massiva. Mesmo em um país tão apolítico como o Reino Unido, os
conservadores têm cerca de três milhões de membros. Isso significa que esses partidos
têm certa legitimidade. Inclino-me pela tese de Gramsci, que defende a convivência de
movimentos e partidos.
Os movimentos podem ter um efeito autodestrutivo. É o que ocorreu em certa medida no
Egito, onde os movimentos rejeitaram toda organização e estrutura e o resultado foi que
abriram a porta para a vitória da Irmandade Muçulmana que hoje governa o país com resultados desastrosos. Quanto ao modelo de partido leninista, creio que o desafio é ver
como nos movermos para novas formas de representatividade política que consigam ir
além do centralismo democrático.
Não se trata simplesmente de uma discussão intelectual. Vê-se isso claramente no
movimento na Itália, onde se coloca a criação de novas formas de participação
democrática por meio da internet. Tudo isso é bastante problemático porque o movimento
tem um terrível paradoxo entre ser participativo e ter um líder paternalista como Beppe
Grillo que decide quem está no movimento. É algo que o Partido do Futuro, nascido do
movimento dos indignados, está tentando responder na Espanha. Como vamos usar a
internet e os meios de comunicação para reconstruir formas de participação que não são
possíveis hoje com os partidos?

DESTAQUES
- É um movimento de massa, não de minoria.
- Atinge todas as categorias.
- Inclui até conservadores.
- O importante é avançar na democracia.
- É contraditório: é contra o Estado, mas pede ao Estado solução.
- “o transporte deve ser público de verdade, acessível a todos, ou seja, um direito
universal. Questionar a tarifa é questionar a própria lógica da política tarifária
que submete o transporte ao lucro dos empresários e não à necessidade da
população”.Carta do MPL à Dilma. Assim deveria ser para a saúde e educação.
- Quanto mais direitos alguém consegue, mais quer.
- Ganha-se mais, mas os serviços são piores.
- Podem ter efeitos autodestrutivos pela visão dualista e totalitária.
- Precisa inventar uma nova forma de representatividade política.
- A manifestação tem de ser participativa e não paternalista e autoritária, mas
democrática.
- Como vamos usar a internet e os meios de comunicação para reconstruir formas
de participação que não são possíveis hoje com os partidos?

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