quarta-feira, 17 de julho de 2013

Médicos Corporativistas, Programa Mais Médicos e CPMF


Médicos Corporativistas, Programa Mais Médicos e CPMF


Márcia D´Angelo


Será que o romance de Érico Veríssimo: Olhai os lírios do campo está superado? Será que o médico que dedica sua vida à saúde da população com idealismo e amor, como uma missão humanitária está anacrônico? E os Médicos Sem Fronteiras que percorrem o mundo tentando salvar vidas em países ou regiões extremamente pauperizadas são desequilibrados? O que significa a medicina no Brasil? Uma forma mercenária de construir uma carreira utilizando R$800.000,00 do Estado anualmente (preço de cada aluno das universidades públicas) e se negando  a cuidar da população da periferia? Muitos diriam que alguns ou até muitos se formam em empresas privadas de educação (faculdades de medicina da rede privada) e por isso não tem nenhuma obrigação de trabalhar dois anos no SUS como reza o Programa Mais Médicos. Será que eles têm  formação suficiente para lidar com a  população, mesmo a de classe média que utiliza os serviços de convênios particulares?


Parece que trabalhar em hospitais-escola ou no SUS é fundamental para o recém formado haja vista o último Revalida em que os médicos brasileiros apresentaram um desempenho muito aquém do desejado (7% de aprovação).


Ora, os argumentos do médico  Dráuzio Varella não convencem. Dizer que todos os médicos recém formados querem o bem estar de trabalhar em cidade grandes, hospitais bem equipados e se possível da rede privada e ganhando muito bem deixam-nos consternados. A medicina virou um balcão de negócios? Os médicos recém formados vendem os seus serviços para a iniciativa privada, ou em seus consultórios particulares a partir de 9 mil reais? Gostam de serem chamados de doutores e a maioria nem Mestrado tem.


Argumentar que o Brasil não sofre com a falta de médicos já foi sobejamente negado, haja vista que dispomos de 1,8 médicos por mil habitantes, sendo que a Argentina possui o dobro para cada mil habitantes (3 médicos por mil). O médico Varella, como bom profissional da medicina cartesiana, neopositivista  e corporativista bateu na tecla da falta de infra-estrutura. Faltam hospitais, equipamentos, laboratórios, enfim um investimento na saúde que por si só  (segundo ele) é responsável pela decadência de nosso sistema de saúde. Para ele o Programa Mais Médicos não resolve a estrutura do sistema alocando médicos em regiões carentes, importando do exterior ou treinando nossos profissionais de medicina no SUS, uma vez que o problema vem da falta de investimento em saúde (hospitais, equipamentos, etc.). É bom refrescar a memória.


Em 2007, houve uma grita geral e a CPMF (imposto que incidia sobre a movimentação financeira e portanto atingia as elites e nunca os pobres que não tem investimentos financeiros) deixou de existir. Esse tipo de imposto foi criado para ser investido no sistema de saúde e assim o Estado deixou de arrecadar 20 bilhões de reais e a saúde entrou em colapso, pois o problema desse setor não é questão de gestão como queria fazer crer a oposição ao governo Lula (em particular o PSDB e a grande imprensa) mas de dinheiro  mesmo.


Não sei se seria o caso de se repensar o retorno da CPMF (assunto para ser discutido até em plebiscito), entretanto algum tipo de receita deveria ser criada para abastecer a saúde com esses 20 bilhões que faltam. Interessante notar que os mesmos opositores que lutaram e conseguiram extinguir a CPMF são aqueles que acusam o governo federal da falta de verbas para a saúde, não querem médicos estrangeiros e estão contra o Programa Mais Médicos. Um deles, o ex-ministro da saúde de Fernando Henrique Cardoso, José Serra, inclusive, na ocasião conversou pessoalmente com o governo cubano negociando a vinda de médicos cubanos para o Brasil e agora se mostra  contra a proposta.


O atual ministro da saúde, Padilha, já sinalizou que o Programa  Mais Médicos também inclui investimento em infra-estrutura e que também  caracteriza um sistema multidisciplinar em que todos os profissionais da saúde e não somente os médicos serão valorizados e ouvidos no diagnóstico e tratamento dos pacientes. Isso significa que enfermeiros, farmacêuticos, psicólogos, fonoaudiólogos, acupunturistas, etc. farão parte de uma equipe não mais dominada e submissa aos ditames absolutos do médico, já que o mais importante é o paciente. Esse também é um ponto da discordância dos médicos até recém formados que se julgam verdadeiros semideuses no exercício da função de curar. Aliás, essa experiência ocorreu nos hospitais municipais e postos de saúde da cidade de São Paulo, gestão Erundina e foi um sucesso.


Por fim quero deixar dois exemplos de médicos ou de formação em medicina. Primeiro de uma pediatra formada numa faculdade particular do Estado de São Paulo (há mais de 30 anos) que me confessou que prefere ou que entende que os médicos devem ficar mesmo  com a função de analisar exames e não ter contato direto (ou o mínimo possível) com o paciente, haja vista que a doença, a ferida, a dor é muito desagradável. Será que essa profissional escolheu a profissão certa?


O outro  exemplo é da Ana Rosa, brasileira, filha de uma militante de movimento popular que foi fazer medicina em Cuba, como muitos brasileiros foram, a convite do governo cubano(Fidel Castro, na época – ano 2000 mais ou menos). Lembro-me que sua mãe (Yara) comentou comigo que todos os estudantes que foram estudar medicina em Cuba ao chegarem, tinham uma fase de adaptação com a língua e cultura, prestavam os exames e se aprovados aprendiam as disciplinas médicas, mas desde o início percorriam todas as fases do conhecimento e prática concernentes ao tratamento do paciente. Dessa forma eles deveriam saber agir como enfermeiros, como farmacêuticos, terem sensibilidade psicológica e emocional e nunca deixarem o paciente sem um tratamento considerado adequado. Hoje a Ana Rosa (já formada) trabalha com populações que habitam as florestas da Venezuela e é um orgulho para o Brasil. É de médicas assim que precisamos. Seja bem vinda ao Brasil Ana Rosa para tratar com carinho e dedicação os nossos doentes da periferia e dos rincões. Para você está bom demais 10 mil reis, não é mesmo? Você trabalharia, com certeza, até por menos porque não é isso que lhe interessa, primordialmente.

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