terça-feira, 9 de julho de 2013

Objetivo de Manifestações é a Nova Forma de Democracia

Excelente texto do sociólogo italiano Paolo Gerbaudo sobre as manifestações de rua no Brasil (Outono Brasileiro) revelando que vivemos um momento histórico de  interregno em que (segundo Grmasci) as instituições políticas estão anacrônicas e o novo ainda está emergindo . O resultado é imprevisível pois os partidos, sindicatos e instituiçoes em geral teriam que se reinventar e se adequar à nova situação.


FSP 2013-07-08
ENTREVISTA - PAOLO GERBAUDO
OBJETIVO DE MANIFESTAÇÕES É NOVA FORMA DE DEMOCRACIA

Sociólogo italiano critica presidente Dilma e diz que protestos voltarão
em "novas ondas e novas formas"
BERNARDO MELLO FRANCO DE LONDRES
Desde que a Primavera Árabe estourou, em 2011, o sociólogo e jornalista
italiano Paolo Gerbaudo viaja o mundo para estudar protestos que tomaram as
ruas de grandes cidades da África, da Europa e dos Estados Unidos.
Professor da universidade britânica King's College, ele se tornou um dos
principais pesquisadores da onda de manifestações organizadas nas redes
sociais, que chegou ao Brasil com força em junho.
No livro "Tweets and the streets" (Pluto, 2012; sem tradução em português),
Gerbaudo aponta semelhanças entre movimentos de diferentes países como o
Occupy Wall Street, nos EUA, e os indignados, na Espanha.
Convidado a falar sobre o caso brasileiro, Gerbaudo diz que os manifestantes
cobram um novo tipo de democracia, com mais transparência e participação
popular, e que os partidos que não souberem se renovar podem caminhar para
a extinção.
Ele critica a resposta da presidente Dilma Rousseff às bandeiras do movimento
e prevê que os protestos, que esfriaram nos últimos dias, voltarão em "novas
ondas e novas formas". Leia a seguir alguns trechos da entrevista:
Folha - O sr. estudou manifestações impulsionadas pelas redes sociais
em países como Egito, Espanha e Turquia. O que elas têm em comum
com os protestos no Brasil?
Paolo Gerbaudo - Da Primavera Árabe ao Occupy Wall Street, os ativistas se
definem como integrantes de movimentos de praças. Eles veem praças e ruas
como pontos de encontro da sociedade para protestar contra as instituições. O
caso brasileiro é mais complexo, porque envolveu várias cidades, mas também
houve a ocupação de lugares que simbolizam a nação, como o Congresso.
A noção de povo é a chave para entender esses novos movimentos. A alegação
básica deles é que representam todo o povo, e não apenas uma classe, na
luta contra um Estado visto como corrupto. Isso os diferencia dos movimentos
antiglobalização, que reuniam minorias e tinham um espírito global.
Esses novos movimentos são nacionais, dirigem suas reivindicações a
cada país. Isso fica claro numa frase que foi muito usada nos cartazes
brasileiros: "Desculpe o transtorno, estamos construindo um novo país."
Redes sociais como o Facebook têm papel importante nessas
mobilizações. O que elas mudam no jogo político?
A ascensão das redes sociais permite que a sociedade se organize de forma
mais difusa, especialmente as classes médias emergentes e a juventude
das cidades. Isso desorientou os políticos e os velhos partidos, que estavam acostumados a buscar consensos através dos meios de comunicação de massa.
Os partidos têm pouco a fazer diante das novas formas de comunicação
mediadas pelas redes sociais. A não ser que mudem completamente as suas
práticas, baseadas no velho sistema de quadros e caciques locais, e se abram
para novas formas de participação popular.
No Brasil, militantes com bandeiras de partidos foram expulsos de
vários protestos.
Isso é muito comum nesses movimentos, porque os manifestantes querem
ser vistos como uma onda única. No Egito, os militantes de partidos também
foram impedidos de mostrar suas bandeiras na praça. Só permitiam o uso da
bandeira nacional.
Como eles dizem representar toda a nação, são contra todos os elementos que
podem dividir as pessoas na luta contra um inimigo comum, representado pelo
aparato repressivo do Estado.
Em geral, eles dizem que não há ideia de esquerda ou de direita, o que existe
são ideias boas e ideias ruins. Sonham com uma política sem partidos políticos.
Qual é o significado disso?
É um discurso populista. Isso emerge em alguns momentos na história que
Antonio Gramsci [1891-1937] chamava de "interregnum". É quando um
sistema de poder está em colapso, mas seu sucessor ainda não se formou.
Nesses momentos, aparecem o que Gramsci chamava de sintomas mórbidos.
Fenômenos estranhos, criaturas monstruosas e difíceis de serem decifradas.
Hoje, as criaturas estranhas são esses movimentos populares.
Para eles, a classe política rompeu o contrato social que sustenta o sistema
representativo. O acordo era: Vocês, o povo, nos concedem o poder. Em troca,
nós atendemos às suas demandas'. Agora, as pessoas percebem que a classe
política só está atendendo à sua própria agenda.
Há um problema fundamental na democracia representativa como ela existe
hoje. Ou os partidos encontram um caminho para reconquistar legitimidade,
ou vão ser superados por novos partidos sintonizados com as demandas da
sociedade pós-industrial de hoje.
A crítica à partidocracia é legítima. Por outro lado, às vezes parece haver nos
movimentos uma crença quase religiosa de que é preciso eliminar todas as
mediações.
Em que sentido?
Eles parecem ter a ilusão de que a solução é eliminar os partidos, os
sindicatos. Essa ideia em si é muito problemática e ingênua. É uma ideia
religiosa, absolutista, que compete com a democracia. A política é uma obra
coletiva, não um agregado de indivíduos. São blocos diferentes que interagem.
Para isso, você precisa dos partidos. Eles sempre existiram e sempre vão
existir.Este sentimento contra os partidos pode ameaçar a democracia como a
conhecemos?
Existe um risco. Os momentos de "interregnum" oferecem bifurcações.
Estamos num momento de crise sistêmica mundial. O Brasil está melhor que
outros países, mas também está desacelerando. Nesses momentos, podem
emergir forças progressistas ou reacionárias. É preciso ver se a esquerda vai
saber interpretar o espírito do tempo ou se vai adotar uma postura defensiva.
Há uma demanda correta por renovação moral, mas setores mais reacionários
podem explorá-la para fins antidemocráticos. A ideia de que a política tem que
buscar "o bem" é ingênua, representa uma visão em preto e branco. Maquiavel
dizia que o caminho para o inferno é pavimentado de boas intenções.
Como os protestos afetam a esquerda brasileira, que está há 10 anos
no poder com o PT?
Em tese, o que está sendo cobrado no Brasil não precisaria estar sendo
cobrado de um governo do PT. As pessoas estão pedindo escolas, hospitais.
Para um governo de esquerda, é constrangedor estar sendo pressionado com
pedidos de coisas que ele já devia estar fazendo.
O aumento da tarifa dos ônibus não foi tão grande, mas se tornou um símbolo
de outros problemas. Foi a gota que fez o copo transbordar.
Há outro problema. Os governos do PT proporcionaram muitos avanços
na área social, mas os casos de corrupção, clientelismo e compra de votos
minaram a legitimidade moral do partido.
Também há um problema de representação. O PT foi criado para representar
os metalúrgicos das fábricas. Nós agora vivemos numa sociedade pósindustrial. Há uma nova classe média cheia de designers e trabalhadores
criativos, por exemplo, e eles não têm uma rede de proteção que os atenda.
Há uma mudança histórica, mas os partidos e sindicatos tradicionais não têm
demonstrado capacidade para entendê-la.
Na tentativa de responder aos protestos, a presidente Dilma Rousseff
já propôs uma constituinte exclusiva e um plebiscito para fazer a
chamada reforma política. Isso é suficiente?
Eu duvido que as promessas de Dilma sejam suficientes para acalmar a
ira popular. Ela pode atender a pedidos específicos, mas a essência das
manifestações vai além de demandas concretas. A luta principal é por uma
nova forma de democracia, na qual os partidos não poderão mais lidar com os
cidadãos apenas de quatro em quatro anos.
A solução para isso seria uma mudança constitucional ampla, bem além da que
Dilma propõe. É preciso abrir espaço a novas formas de controle popular sobre
os políticos, mais transparência contra a corrupção, novos instrumentos de
democracia direta e consulta popular.
As manifestações no Brasil esfriaram nos últimos dias. Com base no
que aconteceu em outros países, elas estão fadadas a desaparecer?Devido à ausência de uma estrutura formal, esses novos movimentos
populares tendem a sumir com a mesma velocidade com que aparecem. É
impossível manter uma mobilização de massa a longo prazo, como se viu nos
indignados da Espanha ou no Occupy Wall Street.
Mas, assim como aconteceu lá, é de se apostar que o outono brasileiro'
vai ressurgir em novas ondas e novas formas. Estamos vivendo tempos
revolucionários, em que as pessoas voltaram a sentir que podem mudar o
mundo. Veja o que está acontecendo agora no Egito.

Nenhum comentário:

Postar um comentário