quarta-feira, 27 de novembro de 2013

NO BRASIL, UMA NOVA CULTURA POLÍTICA E DE PROTESTO

NO BRASIL, UMA NOVA CULTURA POLÍTICA E DE PROTESTO

12 setembro, 2013 - 18:41 — Neto

“Há um movimento urbano que caminha, e espero que o MST o acompanhe”, afirma Raúl

Zibechi, escritor uruguaio
12/09/2013

Por Waldo Lao,

de San Cristóbal de las Casas, Chiapas (México)

“O velho precisa aprender com o novo”. A opinião é do escritor e jornalista uruguaio Raúl

Zibechi, especialista em processos organizativos de movimentos sociais latino-americanos,

se referindo a atual conjuntura da luta popular no Brasil após as manifestações de junho.

Para ele, que esteve presente na Escuelita Zapatista, em Chiapas (México), existe, em

boa parte da luta social, uma rejeição forte em relação à aliança entre a burguesia e a elite

sindicatal no país. “A vida dos pobres tem melhorado, mas não o seu lugar na estrutura”,

ressalta.

Confira a entrevista.
Brasil de Fato – Raúl, você apresentará em várias universidades na Cidade
do México seu mais recente livro, chamado Brasil potência. Como você vê as


manifestações que vêm ocorrendo desde junho no Brasil?

Raúl Zibechi – Maravilhosas. Parece-me que pela primeira vez desde 1989, de maneira


muito superior às manifestações contra Fernando Collor de Mello, em 1992, o Brasil

presencia uma grande mobilização urbana. Tenho a impressão de que o núcleo de

resistência se move do campo para a cidade. Eu acho que há uma mudança, uma grande

mudança política no Brasil, e isso é um acumulado da resistência à construção da usina

de Belo Monte e da resistência do Movimento Passe Livre (MPL), que se organizam em

dezenas de cidades.
E as críticas que diziam que lutavam por apenas “20 centavos”?

Não, não. De forma alguma. É algo muito mais profundo. É possível dizer que é uma luta

contra o consenso lulista, entendido como a aliança das elites que gerou Lula ou o PT de

gênero, que consiste em uma integração da elite sindical e da administração petista do

aparato de governabilidade. Há uma rejeição forte em relação a isso. A vida dos pobres

tem melhorado, mas não o seu lugar na estrutura; são pobres, comem melhor, vestem-se

melhor, mas o seu lugar estrutural continua sendo a precariedade, que hoje se manifesta

no transporte, dentre outras coisas.

Então eu estou muito feliz com essa série de movimentos que ocorreram. Claro que, agora,

os protestos caíram, mas imagine os núcleos do MPL no Brasil, em São Paulo ou Rio de

Janeiro, grupos pequenos de 20 pessoas, no máximo, fortaleceram-se.
Como podemos definir estas novas manifestações, este algo “novo” ?

Creio que o que está nascendo no Brasil é uma nova cultura política, ou uma nova cultura

de protesto, que o MPL encarna de maneira muito clara, a partir da horizontalidade, da

autonomia, de um apartidarismo que não é antipartidarismo, e o federalismo. Pareceme

que é a primeira vez que isso ocorre, desde que o MST renovou a cultura política

brasileira no início dos anos 1980, renovando a cultura de lutas, com os assentamentos,

acampamentos, ocupando, resistindo, produzindo, com todo um estilo.

Agora, isso se manifesta nas áreas urbanas, onde os jovens se formaram de outra

maneira, onde há por exemplo uma cultura do Hip Hop, uma cultura dos grupos

autônomos. Essa cultura política do MST, da qual vêm muitos deles, enraizada nas

cidades, deu outra coisa, distinta do MST, nem melhor, nem pior, senão diferente, que já

tem o seu próprio caminho; já não são dependentes do apoio do MST. Há um movimento

urbano que caminha, e espero que o MST o acompanhe; eu creio que sim.
Como é que se encaixam esses movimentos sociais com essas novas

manifestações?

Olha, vou tocar em um tema muito crítico que depois lhe contextualizarei. No dia 24 de

junho, em plena onda de manifestações, acontece a chacina da Maré, em Nova Holanda,

com 11 mortos pelo BOPE. Em 11 de julho, quando os sindicatos fazem sua pauta de

reivindicações, não mencionam a questão da militarização, não mencionam a chacina da

Maré. É uma pauta de reivindicações basicamente corporativa. Eu penso que a cultura

sindical tradicional, especialmente os sindicatos que hoje lutam, como a Conlutas e a

Intersindical, necessitam se vincular a esses novos movimentos. Assim com também

deveria fazê-lo o MST, que eu acho que é o único que tenta.

Do meu ponto de vista e com a maior humildade, creio que o MST foi o movimento mais

importante da América do Sul. Todos temos aprendido e seguiremos aprendendo dele, mas

hoje é importante potencializar essas lutas. O MST está em condições de se relacionar,

de aprender com essa nova cultura política da juventude urbana; creio que pode fazê-lo,

porque possui a ética de luta anticapitalista da mesma maneira que o MPL e esses outros

movimentos também possuem. Eles estão tensionando um núcleo duro do capitalismo, que

é a acumulação por espoliação urbana, na qual se enquadram as megaobras da Copa do

Mundo e dos Jogos Olímpicos, o sistema de transporte excludente que possui o Brasil e

etc. Portanto, há um desafio, que não é fácil assumir; sempre o novo questiona o velho: eu

sou velho e o novo me questiona. Devemos aprender com este “novo”.
Em seu livro Pobreza e Política há uma frase que eu acho muito interessante, você


escreve: “A América Latina é um laboratório de resistências sociais e, paralelamente,

também é um laboratório de programas para aplicar à insurgência social.” Poderia

nos falar um pouco sobre o tema das políticas sociais assistencialistas?

Olha, tenho visto isto em muitas comunidades hoje em dia: você tem uma comunidade

zapatista e ao lado uma comunidade do PRI (Partido Revolucionário Institucional), que tem

casas de alvenaria, aparentemente muito bonitas. As políticas sociais são uma forma de

dividir as pessoas e acalmá-las. No caso do Brasil, existe uma gigantesca política social, o

Bolsa Família por exemplo, que chega a milhões de famílias; sem este programa o Brasil

estaria vivenciando um conflito social muito forte.

As políticas sociais surgem para controlar os pobres, deve-se entendê-las a partir desse

ponto de vista. É bom que o Estado dê dinheiro aos pobres, mas o que deve dar, como

disse Hugo Chávez, é poder: para combater a pobreza os pobres têm que ter poder. Aqui

está, a meu ver, uma compreensão equivocada de boa parte da esquerda do continente

de ver as políticas sociais como conquistas, quando são, na verdade, laboratórios de

cooptação de pobres. Mas as políticas sociais também têm limites muito graves e agora

nos deparamos com este novo desafio. Agora que sabemos que as políticas sociais são

limitadas para mudar a estrutura do problema.

Bom, sabemos que os governos progressistas são muito melhores do que os governos

conservadores, mas eles têm sérios limites e esses limites não vão ser quebrados pelos

velhos movimentos ou sindicatos, mas sim por uma nova agenda. O que acontece é que

quando os jovens saem às ruas já não saem disciplinados como anteriormente, saem de

outra maneira, e isso choca, às vezes incomoda; é claro que a direita se utiliza disso, mas

esse é um risco que sempre corremos.

Creio que estamos em uma nova fase e o Brasil é um exemplo disso. Estamos em uma

nova fase em todos os lugares. No Chile há uma nova geração de movimentos sociais,

com os estudantes, com os Mapuche. No Peru temos uma nova geração também, a

resistência à mineração em Conga, os guardiões dos lagos etc. Nesse terreno estamos

diante de uma nova situação e isso é para se alegrar e para ver como aprendemos, como

nos reajustamos a esta nova situação.
Se com a aplicação dessas políticas alguns movimentos perdem espaço, então,

quais estão ganhando?

Bem, quando se trata de movimentos, devemos ver de quem estamos falando. Falando

dos novos movimentos, refiro-me ao MPL, aos Comitês da Copa, aos sem-teto, aos

movimentos urbanos.Eles estão ganhando uma compreensão do que seria o agronegócio

urbano, pois os megaprojetos são o agronegócio urbano, aqui é onde vem o novo. Imagine

se favelados começam a tomar as ruas. Você pode imaginar isso? Eu acho que seria

quase uma guerra, mas apenas a classe média tem o direito de sair às ruas, os sindicatos,

os sem-terra. O que acontecerá quando você deixar sair os favelados? Eles não vão sair

em filas como o MST, vão sair de outra forma, porque é outra cultura. A cultura política dos

favelados é aquela em que não se tem nada a perder, a não ser suas correntes.

Uma jornalista brasileira disse recentemente que quando há manifestações na avenida

Paulista, a polícia responde com gás e balas de borracha, mas quando há manifestações

na favela, há balas de verdade. Isto demonstra que são dois espaços diferentes. Temos

que escolher, sem cálculos mesquinhos, o que eu perco ou o que ganho, de que lado

estamos.Isso é um pensamento de um revolucionário. Onde me coloco? Se não estamos

lá, estamos deixando órfãos de políticas revolucionárias os favelados .
E para terminar Raul, conte-nos um pouco sobre sua experiência na Escuelita

Zapatista. O que é liberdade segundo os zapatistas?
Bem, a liberdade para os zapatistas é a opção pela revolução por um mundo novo. O

que eu vi foram muitas comunidades com uma grande força interior, com uma decisão

de ir até o fim, isso eu vou deixar bem claro, eles derrotaram as políticas sociais. De uma

comunidade de 100 famílias, restaram apenas 15 famílias zapatistas. Existem outras

comunidades que são inteiras zapatistas. Outras que se perderam. Há de tudo. É o preço a

se pagar para superar, neutralizar e derrotaras políticas sociais assistencialistas. Deve ter

sido muito difícil para eles, mas por isso estamos aqui. O que eu vi, um poder autônomo,

uma economia autônoma, eles são autossuficientes, sim, na pobreza, mas eles comem,

educam-se, cuidam de sua saúde e defendem seu território sem o apoio do Estado.

Têm seus campos de milho, café, feijão, gado; têm pequenas vendas cooperativas nas

comunidades zapatistas, onde compram o que não podem produzir: sal, óleo, açúcar,

sabão; não têm que ir para o mercado capitalista. O que está lá é uma outra maneira de se

organizar socialmente, uma revolução.
Tradução e colaboração: Fábio Alkmin.

Raul Zibéchi é escritor e jornalista. Seu mais recente livro é Brasil potência: entre a


integração regional e um novo imperialismo, editora Consequência, Rio de Janeiro, 2012.

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