sexta-feira, 15 de novembro de 2013

A importância da espiritualidade para a saúde

Leonardo Boff

Teólogo-Filósofo

2013-11-11
A importância da espiritualidade para a saúde
Em geral todos os operadores de saúde foram moldados pelo

paradigma científico da modernidade que operou uma separação

drástica entre corpo e mente e entre ser humano e natureza. Criou

as muitas especialidades que tantos benefícios trouxeram para o

diagnóstico das enfermidades e também para as formas de cura.

Reconhecido este mérito, não se pode esquecer que se perdeu a

visão de totalidade: o ser humano inserido no todo maior da sociedade,

da natureza e das energias cósmicas e a doença como uma fratura

nesta totalidade e a cura como uma reintegração nela.

Há uma instância em nós que responde pelo cultivo desta

totalidade, que zela pelo Eixo estruturador de nossa vida: é a

dimensão do espírito. De espírito vem espiritualidade. Espiritualidade

é o cultivo daquilo que é próprio do espírito que é sua capacidade de

projetar visões unificadoras, de relacionar tudo com tudo, de ligar e religar

todas as coisas entre si e com a Fonte Originária de todo ser.

Se espírito é relação e vida, seu oposto não é matéria e corpo

mas a morte como ausência de relação. Nesta acepção, espiritualidade

é toda atitude e atividade que favorece a expansão da vida, a

relação consciente, a comunhão aberta, a subjetividade profunda

e a transcendência como modo de ser, sempre disposto a novas

experiências e a novos conhecimentos.

Neurobiólogos e estudiosos do cérebro identificaram a base

biológica da espiritualidade. Ela se situa no lobo frontal do cérebro.

Verificaram empiricamente que sempre que se captam os contextos

mais globais ou ocorre uma experiência significativa de totalidade

ou também quando que se abordam de forma existencial (não

como objeto de estudo) realidades últimas, carregadas de sentido

e que produzem atitudes de veneração, de devoção e de respeito,

se verifica uma aceleração das vibrações em hertz dos neurônios aí

localizados. Chamaram a este fenômeno de “ponto Deus” no cérebro

ou da emergência da “mente mística”(Zohar, QS: Inteligência espiritual,



2004). Trata-se de uma espécie de órgão interior pelo qual se capta a

presença do Inefável dentro da realidade.

Este fato constitui uma vantagem evolutiva do ser humano que,

enquanto homem-espírito, percebe a Realidade Fontal sustendando

todas as coisas. Dá-se conta de que pode surpreendentemente,

entabular um diálogo e buscar uma comunhão íntima com ela. Tal

possibilidade o dignifica, pois o espiritualiza e o leva a graus mais altos

de percepção do Elo que liga e re-liga todas as coisas. Sente-se inserido

no Todo.

Este “ponto Deus” se revela por valores intangíveis como

mais compaixão, mais solidariedade, mais sentido de respeito e de

dignidade. Despertar este “ponto Deus”, tirar as cinzas que uma

cultura demasiadamente racionalista e materialista o cobriu, é permitir

que a espiritualidade aflore na vida das pessoas.

No termo, espiritualidade não é pensar Deus mas sentir Deus

mediante este órgão interior e fazer a experiência de sua presença e

atuação a partir do coração. Ele é percebido como entusiasmo (em

grego significa ter um deus dentro) que nos toma e nos faz saudáveis e



nos dá a vontade de viver e de criar continuamente sentidos de existir.

Que importância emprestamos a esta dimensão espiritual no

cuidado da saúde e da doença? A espiritualidade possui uma força

curativa própria. Não se trata de forma nenhuma de algo mágico e

esotérico. Trata-se de potenciar aquelas energias que são próprias

da dimensão espiritual tão válidas como a inteligência, a libido, o

poder, o afeto entre outras dimensões do humano. Estas energias são

altamente positivas como amar a vida, abrir-se ao demais, estabelecer

laços de fraternidade e de solidariedade, ser capaz de perdão, de

misericórdia e de indignação face às injustiças deste mundo como o faz

exemplarmente o Papa Francisco.

Além de reconhecer todo o valor das terapias conhecidas

existe ainda um supplément d’ame como diriam os franceses. Ela



quer sinalizar um complemento daquilo que já existe mas que

o reforça e enriquece com fatores oriundos de outra fonte de

cura. O modelo estabelecido de medicina não detém, por certo, o

monopólio do diagnóstico e da cura. É aqui que encontra o seu lugar a

espiritualidade.

A espiritualidade reforça na pessoa, em primeiro lugar, a

confiança nas energias regenerativas da vida, na competência do

médico/a e no cuidado diligente ou do enfermeiro/a. Sabemos

pela psicologia do profundo e da transpessoal, do valor terapêutico

da confiança na condução normal da vida. Confiar significa

fundamentalmente afirmar: a vida tem sentido, ela vale a pena, ela

detém uma energia interna que a autoalimenta, ela é preciosa. Essa



confiança pertence a uma visão espiritual do mundo.

Pertence à espiritualidade, a convicção de que a realidade que

captamos é maior do que as análises nos dizem. Podemos ter acesso a

ela pelos sentidos interiores, pela intuição e pelos secretos caminhos

da razão cordial. Percebe-se que há uma ordem subjacente à ordem

sensível, como o sustentava sempre o grande físico quântico, prêmio

Nobel, David Bohm, aluno predileto de Einstein.

Esta ordem subjacente responde pelas ordens visíveis e ela

sempre pode nos trazer surpresas. Não raro, os próprios médicos/

as se surpreendem, com a rapidez com que alguém se recupera ou

mesmo como situações, normalmente, dadas como irreversíveis,

regridem e acabam levando à cura. No fundo é crer que o invisível e o

imponderável são partes do visível e do previsível.

Pertence também ao mundo espiritual, a esperança imorredoura

de que a vida não termina na morte, mas se transfigura através dela.

Nossos sonhos de voltar à vida normal deslancham energias positivas

que contribuem na regeneração da vida enferma.

Força maior, entretanto, é a fé de sentir-se na palma da mão

de Deus. Entregar-se, confiadamente, à sua vontade, desejar

ardentemente a cura mas também acolher serenamente sua vontade

de chamar-nos para si: eis a presença da energia espiritual. Não

morremos, Deus vem nos buscar e nos levar para onde pertencemos

desde sempre, para a sua Casa e para o seu convívio. Tais convicções

espirituais funcionam como fontes de água viva, geradoras de cura e

de potência de vida. É o fruto da espiritualidade.

Leonardo Boff escreveu com Jean-Yves Leloup e outros, Espírito e




Saúde, Vozes 2007.

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