sexta-feira, 24 de abril de 2015

Globo: a gente não se vê por aqui!

Globo: a gente não se vê por aqui!

Em meio século de existência, a maior emissora de tv do Brasil faz aniversário afirmando prestar serviço ao país. Mas será que ela realmente representa a sociedade brasileira? Será que esta festa é nossa? O Brasil de Fato conversou com movimentos e personalidade para responder a questão. Confira!
24/04/2015

Por José Coutinho e Simone Freire
Da Redação

Em uma série especial para lembrar o aniversário de seus 50 anos, nesta semana, a TV Globo reuniu jornalistas para uma retrospectiva e tocou em pontos que poucas vezes quis levar a público. Na edição desta quarta-feira (22), a bola da vez foi a emblemática edição do debate entre os presidenciáveis Fernando Collor de Melo e Luiz Inácio Lula da Silva na acirrada eleição de 1989, na qual Collor foi eleito. O programa, que foi ao ar editado, "ficou eclipsado por uma polêmica", como o próprio âncora do Jornal Nacional, Willian Bonner, fez questão de frisar.
"Resumir o debate, como se faz, por exemplo, em um jogo de futebol, com os melhores momentos da partida é um risco enorme, porque qualquer seleção de trechos sempre vai poder ser questionada. E foi isso que aconteceu. Além do que, a edição acabou deixando o total da fala de Collor maior que o tempo de Lula. Foi um aprendizado importante para a Globo, para o jornalismo da Globo", enfatizou Bonner.
Um dia antes, o especial da Globo também citou outra polêmica, admitindo o "erro" de jornalismo ao noticiar as manifestações das Diretas Já (1983-1984), em São Paulo, como se fosse uma comemoração de aniversário da cidade paulista.
Mas, atrasados ou não, os mea-culpa da Rede Globo ainda deixam uma questão no ar. Será que a maior emissora de televisão do país conseguiu realmente aprender com os erros do passado e hoje consegue representar, de forma justa, os diversos setores da sociedade?
Segundo especialistas e movimentos sociais, a resposta é não. Além da ausência de representatividade das minorias na programação geral da emissora, para eles, a TV Globo continua seguindo a linha editorial de cobrir ações, atos, manifestações e protestos sem explicar seus contextos,  criminalizando organizações e ativistas.


Maria Rita Kehl   Crédito: Rafael Stedile
Para a psicanalista e integrante da Comissão Nacional da Verdade (CNV), Maria Rita Kehl, a forma como a Globo lida com questões sociais vem desde sua criação. “A emissora cresce no fim da década de 1960, e sua programação era alinhada aos interesses dos governos militares. Tive acesso a documentos da Funarte nos quais executivos da Globo, em conversas na Escola Superior de Guerra, afirmaram que a responsabilidade da emissora era de ‘dissolver focos de descontentamento pelo país’, mostrando o progresso conquistado pelos militares”.
A Globo não é meramente um veículo de comunicação e a forma como ela trata as questões políticas e sociais é uma opção ideológica e editorial. Essa é a opinião do professor da Universidade de Brasília (UnB), Rafael Villas Bôas. “O vínculo que a emissora teve com a ditadura fez com que ela criasse um 'padrão de qualidade'. Entre as regras deste padrão, estão não expor conflitos raciais, agrários e impedir as contradições de classes, a não ser para neutralizá-las", disse.

Criminalização
Esta padronização encabeçada pela emissora tende a interferir nos diversos âmbitos da sociedade de forma decisiva. Entre os recentes exemplos, as mobilizações das centrais sindicais e movimentos sociais, que foram às ruas contra a redução dos direitos trabalhistas previstos no PL 4330, conhecida como PL das Terceirizações. O projeto, aprovado nesta quarta-feira (22), foi pautado pelo Jornal Nacional.
Ao comentar a edição, a ex-presidenciável Luciana Genro (PSOL), criticou a cobertura: "Nos próximos ‘erros’ vão ter que incluir a cobertura da lei das terceirizações. Só botam especialistas a favor!”, comentou em seu Twitter.
"A emissora não explica que o grande embate dos sindicalistas é a liberação no projeto da terceirização para atividade-fim (principal atividade da empresa). A imagem que fica para sociedade é que somos contra a regulamentação da terceirização, o que é uma mentira. Não se vê uma matéria bem feita na grande imprensa que explique o que está em jogo", diz João Felício, presidente da Confederação Sindical Internacional (CSI).
Quem também questiona o jornalismo da Globo é Kelli Mafort, do setor de mulheres do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST). Um dos exemplos citados por ela foi a recente ocupação da empresa FuturaGene Brasil Ltda., da Suzano Papel e Celulose, no município de Itapetininga, em São Paulo, parte da Jornada Nacional de Luta das Mulheres Camponesas, na qual elas pretendiam denunciar os males da liberação do eucalipto transgênico, até então em votação na Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio).
"A Globo escondeu os fatos que levaram à ação: o plantio de eucalipto transgênico não é permitido em nenhum outro lugar do mundo. A emissora também omitiu os problemas ambientais, como o maior consumo de água e veneno, que essa planta vai causar", denunciou.
Essa forma de retratar as lutas sociais alimentaria o preconceito na sociedade contra organizações que lutam por direitos. "A imprensa como um todo é força expoente do conservadorismo, mas a Globo foi sempre a vanguarda. Ela não só retrata a realidade. Ela pauta a realidade. A empresa não cria fatos, mas edita a realidade de tal forma que cria um clima de intorlerância e ódio à esquerda brasileira", conclui Rafael.

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