Segunda, 13 de abril de 2015
Jornal Zero Hora
“A terceirização
é devastadora para o universo
do trabalho”
No último dia 8, a Câmara dos Deputados aprovou o texto principal do Projeto de Lei 4.330/04,
que regulamenta o trabalho
terceirizado no Brasil. O texto, que abre a possibilidade de terceirização de todos os
serviços de uma empresa,
e não apenas atividades secundárias, provocou protestos e uma ampla discussão
sobre seu impacto no conjunto das leis trabalhistas do país. Para o sociólogo e
professor da Unicamp Ricardo
Antunes, o projeto é a extensão para todo o universo do trabalho de uma estrutura precária que
é característica do trabalho terceirizado.
A entrevista é de Carlos André Moreira, publicada pelo jornal Zero
Hora, 12-04-2015.
Eis a entrevista.
O que representa a aprovação da lei que regulamenta a terceirização?
O reflexo
disso no mercado de trabalho, em particular no conjunto dos trabalhadores e
trabalhadoras do Brasil será devastador.
Porque embora o projeto e seus defensores digam que estão regulamentando a
situação de 12 milhões
de trabalhadores, que é a estimativa
que temos hoje do número aproximado de terceirizados, a verdade é que
esse PL, se aprovado, vai
rasgar a CLT e implantar uma terceirização total de consequências
imprevisíveis.
Por exemplo, nós sabemos hoje que os trabalhadores terceirizados trabalham até 30% mais e recebem até 30% menos, são aqueles em que
incidem os mais altos
índices de acidentes de trabalho, são aqueles com os quais a legislação do trabalho é mais
burlada, são aqueles que, quando entram na Justiça do Trabalho, a
empresa mantenedora já fechou e não deixou rastro, e são aqueles que têm a maior dificuldade de
representação sindical.
Então, não é difícil imaginar o que vai acontecer quando você expande
isso para a totalidade da nossa população economicamente ativa. É uma alteração
que quebra a ideia celetista de um padrão mínimo equânime e igualitário para a
força de trabalho regulamentada e permite a desregulamentação ampliada de todos
os setores da classe de trabalho brasileira.
O discurso do universo corporativo contemporâneo, muito influenciado
pelas companhias de tecnologia do Vale do Silício, é de que os negócios da nova
era digital precisam ser ágeis e fluidos. Nesse contexto, leis com décadas de
validade e suas garantias sólidas são vistas como entrave?
É essa a questão. Na verdade, essa questão não vem só da experiência
recente do Vale do Silício, nos Estados Unidos, mas antes disso, em
outro contexto e noutra realidade, do Toyotismo japonês, e depois, o que resultou disso, das formas de acumulação flexíveis.
Como a produção deve ser
flexível, a classe trabalhadora deve ser flexível: usa-se e descarta-se.
Só que tem um traço decisivo: o trabalho é uma atividade vital para milhões de homens e mulheres São 100
milhões no Brasil
e quatro a cinco bilhões de pessoas no mundo que dependem de trabalho para
sobreviver.
O trabalho não pode ser uma coisa líquida porque é um bem sólido. E é
evidente que quando você destrói um bem sólido, a dignidade e o direito ao trabalho,
você está criando uma
sociedade da selva.
E é bom não pensar que a classe trabalhadora não vai responder, porque vai sim. Ela vai
levar umas semanas para assimilar o que se passou. Mas como o trabalhador brasileiro considera a CLT
a sua Constituição, nós vamos ter embates sociais, e o mercado de trabalho vai virar
uma confusão, porque a Justiça do Trabalho vai perder espaço, a CLT desaparece, tudo se terceiriza, então nós vamos entrar
num terreno pantanoso e quem perde com isso são as forças do trabalho.
Mas não parece ter havido reação alguma.
Porque a aprovação foi feita de afogadliho. Esse Congresso que hoje tem
amplo repúdio popular, agora sob a batuta de seu novo comandante, lépido e
faceiro, está passando coisas graves sem debates. Os trabalhadores não entendem
direito a PL 4330, vai demorar um tempo para assimilar.
De fato, as resistências primeiras foram pequenas, até porque, em uma
semana, foi decidido que ele seria votado goela abaixo, porque a realidade do
Congresso mudou, o governo
Dilma está numa crise profunda, e muita gente está aproveitando
para passar de sopetão, quase que na calada da noite, questões que são vitais
para 100 milhões de trabalhadores que fazem o país produzir e não deveriam ser
mais penalizados.
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