quarta-feira, 29 de abril de 2015

Em 50 anos, Globo mantém invisível a luta da classe trabalhadora

Em 50 anos, Globo mantém invisível a luta da classe trabalhadora

27/04/2015

Movimentos apontam a criminalização como estratégia da mídia tradicional deslegitimar as causas populares

Escrito por: Vanessa Ramos - CUT São Paulo*

Placa em protesto erguida em frente a um dos prédios da emissora - Foto:Sérgio Silva/ Jornalistas Livres
Placa em protesto erguida em frente a um dos prédios da emissora - Foto:Sérgio Silva/ Jornalistas Livres
Na praça General Gentil Falcão, zona sul da capital paulista, cerca de 500 pessoas participaram  no domingo (26) de um protesto contra a Rede Globo, segundo a organização do evento. 
A atividade reuniu movimentos sociais e sindical, famílias e ativistas favoráveis à luta pela democratização dos meios de comunicação. A Globo completa neste mês 50 anos no ar. 
Para a Polícia Militar (PM) o número foi de 100 participantes, cinco vezes menor do que informou a coordenação do ato.
Os participantes seguiram em caminhada pela Avenida Engenheiro Luís Carlos Berrini até a entrada principal da Rede Globo. Ali, um presente de aniversário já havia sido dado pela juventude pouco antes.
Na parede da sede da emissora, os jovens jogaram tintas vermelhas e picharam as palavras “Globo Mente”, “Assassina” e “Globo Golpista”. Depois de uma mística feita pelos movimentos, eles seguiram em passeata até a Marginal Pinheiros, onde fizeram a leitura coletiva do manifesto “50 anos da TV Globo: vamos descomemorar!”, assinado por mais de 50 entidades.
Em frente à entrada da Rede Globo - Foto: Alice Vergueiro
Em frente à entrada da Rede Globo - Foto: Alice Vergueiro
Dessas, algumas que compõem o Comitê São Paulo do Fórum Nacional Pela Democratização da Comunicação (FNDC), dentre as quais a CUT, abordaram a invisibilidade que a Globo dá para as lutas dos trabalhadores.
“Desde as grandes greves no ABC, na década de 1980, até as mobilizações mais recentes, a linha editorial da emissora sempre foi mais favorável aos patrões. Negligenciam e criminalizam a nossa luta. Um grande exemplo foi em 1995, quando os petroleiros construíram uma paralisação massiva de resistência contra a privatização da Petrobras e ocuparam a plataforma para defender a estatal. A soberania não era a pauta da grande mídia”, lembra a secretária de Imprensa da CUT São Paulo, Adriana Oliveira Magalhães. 
Para a militante Bárbara Pontes, do Levante Popular da Juventude, a Globo está do lado da classe dominante desde a ditadura e usa a criminalização como forma de ocultar a crítica a problemas enraizados na história do povo brasileiro. “Ela apoiou o golpe desde o começo, fez parte dele. A emissora é porta-voz de uma ideologia elitista. Ela foi se consolidando e se transformando num grande império que só poderá ter fim com a regulação dos meios”, diz.
Dirigente da CUT São Paulo, Adriana Magalhães - Foto: Roberto Parizotti
Dirigente da CUT São Paulo, Adriana Magalhães - Foto: Roberto Parizotti

Adriana garante que a empresa tem interesses privatistas. “O jornalismo parcial demonstra que a Globo tem partido, ainda que tente dizer que é neutra. E além de ser acusada de sonegar impostos, cadê a cobertura especial para abordar os desvios ocorridos no HSBC e o nome de Lily como ex-esposa de Roberto Marinho?”, questiona. 
A dirigente cita o caso recente em que houve o vazamento bancário de depósitos feitos entre 2005 e 2007 por clientes do HSBC, sonegadores e criminosos. Dentre eles, há uma lista de 8.667 brasileiros que tinham contas numeradas na Suíça, no qual consta o nome de Lily de Carvalho, morta em 2011. Ela foi viúva dos jornalistas e donos de jornais, Horácio de Carvalho (1908-1983) e Roberto Marinho (1904-2003). Mas veículos da Globo e outros tradicionais relacionam a mulher, em todas as reportagens, somente ao primeiro marido. 
Insatisfação geral
Há 44 dias em greve, o professor Carlos Guimarães, que compõe uma das maiores categorias de São Paulo, se incomoda ao relatar o que classifica como descaso da mídia. “Queremos uma educação de qualidade que dialogue com a realidade da população e um governo que nos valorize, seja com melhores condições de trabalho, seja com reajuste salarial”, diz.
Carlos ressalta que nenhuma proposta da Secretaria Estadual de Educação foi oferecida até o momento. “Na televisão, nos dias de protesto que fizemos, a Globo entra no ar com o Jornal Nacional fazendo um discurso que propõe diminuir a nossa luta e defendendo Alckmin [governador] como se ele tivesse feito reajuste de nossos salários e como se fosse um governo de diálogo. Eles chegam a citar dados que confundem a população”. 
O metalúrgico Everton da Silva Souza mora em Sorocaba, interior de São Paulo. Assim como Carlos, acredita que as informações noticiadas pela Globo atrapalham o cotidiano de quem faz a luta sindical. “No chão de fábrica, conversamos com nossa categoria todos os dias. O assunto mais recente é a terceirização por causa do Projeto de Lei 4330 que vai acabar com nossos direitos básicos trabalhistas. Fazemos formação permanente, mas o monopólio da mídia confunde e coloca medo nos trabalhadores”, lamenta.
Movimento sem-teto também protestou contra a criminalização - Foto: Sérgio Silva/ Jornalistas Livres
Movimento sem-teto também protestou contra a criminalização - Foto: Sérgio Silva/ Jornalistas Livres

‘Descomemoração’ permanece
Ao som de uma bateria jovem, trabalhadores de uma loja de colchões na Avenida Berrini chegaram a dançar no ritmo da canção entoada contra a Globo. Como estavam no expediente, não puderem falar.
Ao mesmo tempo, em uma das esquinas da mesma avenida, um grupo de empresários venezuelanos observava a marcha. Ao serem questionados sobre o que pensam com relação à regulamentação da mídia, já que vivem em um país onde um golpe de estado foi dado com apoio de grandes grupos de comunicação, em 2002, eles preferiram não se pronunciar. “Iremos desagradar esse movimento com a nossa resposta”, disseram.
O sociólogo João Barison avalia que os atos realizados em São Paulo e em outros estados do Brasil mostram que os movimentos sociais conseguem dar um passo além de suas reivindicações imediatas, como a luta por moradia ou a luta pela terra. “Os movimentos percebem que, por mais que realizem ações justas, há um intermediário entre o movimento e a população, que distorce os fatos e manipula, colocando o povo trabalhador contra si próprio”.
Para ele, se foi possível democratizar os meios de comunicação de massas em outros países do mundo, no Brasil isso também pode ser uma realidade. “Ainda mais sabendo que a Globo tem um histórico de apoio à ditadura e tem pesadas acusações de sonegação de impostos nas costas. É o momento de avançar”, pontua.
Boneco representando movimento sindical - Foto: Vanessa Ramos
Boneco representando movimento sindical - Foto: Vanessa Ramos

João analisa que a democratização dos meios de comunicação não é tão distante na compreensão da sociedade.
“É bem comum ouvir 'o povo não é bobo, abaixo a Rede Globo', não só em manifestações da esquerda, mas em eventos culturais e até nos estádios de futebol. Talvez as pessoas não acreditem que seja possível enfrentar o monopólio. Mas temos certeza que é. A internet e as redes sociais já tem feito um grande combate frente as besteiras da Globo. Já estamos criando uma cultura que busca várias fontes de informação, rompendo o monopólio através de uma outra ferramenta”. 
Entre os movimentos sociais e sindical, do campo e da cidade, estavam ainda o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o Movimento dos Atingidos por Barragens, Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, Coletivo Intervozes, União Estadual dos Estudantes, Centro de Estudos Barão de Itararé, Consulta Popular, Fora do Eixo, Marcha Mundial das Mulheres, União da Juventude Socialista, União Nacional dos Estudantes e Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto.
Às 18h40, os participantes se reuniram novamente na praça General Gentil Falcão, momento de despedida e de agradecimento da mobilização unificada. E se dispuseram a novas ações nesses 50 anos de ‘descomemoração’ da Globo, que seguirá até o final de 2015. 
*Especial para #Jornalistas Livres

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