quinta-feira, 15 de agosto de 2013

FRITJOF CAPRA APONTA BRASIL COMO POSSÍVEL LÍDER PARA UM FUTURO SUSTENTÁVEL

Capra considera o crescimento indiscriminado uma doença. Para ele o desafio é mudar do crescimento ilimitado para um sistema ecologicamente sustentável socialmente justo.

2013-08-10
FRITJOF CAPRA APONTA BRASIL COMO POSSÍVEL 
LÍDER PARA UM FUTURO SUSTENTÁVEL
Reconhecido internacionalmente por livros como ‘O Tao
da Física’ e ‘Teia da Vida’, o físico Fritjof Capra esteve
no Brasil na semana passada e surpreendeu a plateia do
‘10° Congresso Brasileiro de Direito Socioambiental
e Sustentabilidade’ ao colocar o país como um dos
possíveis líderes para o caminho que segue a um
crescimento qualitativo – ao invés do quantitativo que
temos vivido.
A reportagem foi publicada no site Carbono Brasil, 08-
08-2013.
O físico abriu a sua fala buscando esclarecer o que
seria o conceito de sustentabilidade, que tem assumido
diversas formas desde a sua concepção na década de
1980.

“Não é o que os economistas gostam de falar – sobre
crescimento econômico e vantagens competitivas”,
colocou. “Uma comunidade sustentável deve ser
desenvolvida de forma que a nossa forma de viver,
nossos negócios, nossa economia, tecnologias, e
estruturas físicas não interfiram na capacidade da
natureza de sustentar a vida. Devemos respeitar e viver
de acordo com isto”.
Os primeiros passos para tal seriam entender como a
natureza sustenta a vida, isso envolve toda uma nova
compreensão ecológica, um pensamento sistêmico,
explica Capra.
“Não podemos mais enxergar o universo como uma
máquina, composta de blocos elementares. Descobrimos
que o mundo material é principalmente uma rede
inseparável de relações. O planeta é um sistema vivo e
auto-regulado. A evolução não é uma luta competitiva
pela existência, mas sim uma dança cooperativa.”Nesta nova ênfase na complexidade, as redes são
o padrão básico da organização dos seres vivos.
Os ecossistemas são uma rede de organismos, por
exemplo. Para compreender as redes, Capra explica que
precisamos pensar em termos de relacionamentos, de
padrões.
“Isto é o pensamento sistêmico. É compreender que a
natureza tem sustentado a ‘Teia da Vida’ por milhões de
anos e que para isto são necessários ecossistemas e
não apenas organismos ou espécies.”

Alfabetização Ecológica
Nas próximas décadas, a sobrevivência da humanidade
vai depender da nossa capacidade de entender os
princípios básicos da ecologia e de viver de acordo com
eles, ressalta o físico. Isso significa que a alfabetização
ecológica precisa se tornar um campo crítico para
políticos, lideres empresariais e profissionais de todas as
áreas, além de ser a parte mais importante da educação
em todos os níveis.
“Quando pensamos sobre os maiores problemas, o
surpreendente é que estão interconectados. Não temos
apenas uma crise econômica, ou ecológica, ou de
pobreza, ou financeira, elas estão todas conectadas.
Esses problemas não podem ser compreendidos
isoladamente. São sistêmicos, interdependentes e
precisam de soluções correspondentes”.
Capra elogiou o Programa Água Boa, desenvolvido
pela Itaipu Energia, classificando a iniciativa como um
“exemplo muito bonito de solução sistêmica”.
“Analisando os problemas atuais dessa forma sistêmica,
podemos constatar que a questão subjacente é a ilusão
que o crescimento infinito pode continuar em um planeta
finito. Os economistas, com o seu pensamento linear,
parecem não entender”, lamenta o físico.
“Nosso sistema econômico é movido pela ganância
e pelo materialismo, pensando que não há limites. Isto resulta nas diferenças imensas entre o preço de
mercado e o verdadeiro custo, como é visto com os
combustíveis fósseis. Ouvimos sobre o gás de xisto e
o novo processo de ‘fracking’ – ouvimos que é muito
barato, mas o fato é que devasta o ambiente e é tóxico
para as pessoas (..) O pensamento linear leva a concluir
que o xisto é muito barato, mas se pensarmos nisso
sistemicamente, ele é muito caro e perigoso”, explica
Capra.
“No centro da economia global está uma rede
de crescimento financeiro, criado sem qualquer
enquadramento ético. Hoje, se você é especulador
pode investir em qualquer projeto ao redor do mundo
e computadores levam uma fração de segundo para
movimentar dinheiro. O único critério é lucrar (..) não
há critérios éticos envolvidos nesta economia global.
Exclusão social e desigualdades são elementos
inerentes desta globalização.”
O crescimento indiscriminado é na verdade “uma
doença”, nota, completando que o desafio elementar é
como mudar do crescimento ilimitado para um sistema
ecologicamente sustentável e socialmente justo.

Crescimento qualitativo
Para Capra, o crescimento zero não é a resposta, pois
crescer é uma característica central da vida.
“Na natureza o crescimento não é linear e ilimitado.
Em um ecossistema, uns crescem mais, outros
declinam e assim reciclam seus componentes, que se
tornam recursos para um novo crescimento. Há um
crescimento multifacetado, qualitativo, que contrasta com
o quantitativo pregado atualmente por economistas”.
Assim como outros grandes pensadores, Capra
questiona o uso preponderante Produto Interno Bruto
(PIB) para medir a saúde dos países.
Custos sociais como acidentes, guerras, mitigação e
cuidados com a saúde são adicionados e aumentam o PIB e o fato que o seu crescimento pode ser patológico
raramente é citado por economistas, alerta.
“Esse reconhecimento da falácia do crescimento
econômico é essencial. É o primeiro passo para superar
a atual crise econômica global (..) Grande parte do que
se chama de ‘crescimento’ é lixo e destruição.”
O verdadeiro crescimento, explica, melhora a qualidade
de vida e aumenta a sua complexidade, sofisticação e
maturidade.
“Isto faz parte de uma mudança de paradigma de
quantidade para qualidade. O crescimento qualitativo é
consistente com a nova concepção científica da vida”,
explica. “Não se pode medir a natureza de um sistema
complexo, como os ecossistemas, a sociedade ou a
economia, em termos puramente quantitativos.”
Para Capra, a qualidade não pode ser agregada em um
único número. “Então, como seria possível promover o
crescimento qualitativo? Definitivamente não através do
PIB”.
“Precisamos distinguir o bom do ruim para que os
recursos naturais presos a processos ruins possam
ser direcionados para os eficientes e sustentáveis”,
comentou. “O crescimento ruim é aquele que gera
externalidades ambientais, econômicas e sociais e o
bom envolve processos produtivos mais eficientes, que
usam energias renováveis, têm emissões zero, reciclam,
restauram ecossistemas e a apoiam as comunidades
locais.”

Construindo a qualidade
Entender as conectividades dos nossos problemas
globais e reconhecer soluções sistêmicas é a primeira
lição para construir a qualidade que precisamos hoje
para a liderança global, segundo Capra. Outra lição seria
a construção de um ‘senso moral’.A perspectiva sistêmica mostra que dois problemas
urgentes, a desigualdade econômica e as mudanças
climáticas, resultam da estrutura econômica e
corporativa global que não têm ‘senso moral’, nota.
Um exemplo disso são as conclusões de um estudo
de 2012 apontando que os ricos globais somam juntos
até US$ 32 trilhões. “Se eles tivessem um senso moral
e pagassem seus impostos não haveria mais crise.
Haveria dinheiro suficiente”, ressaltou Capra.
Outro exemplo citado pelo físico se volta para as
conclusões inequívocas da ciência sobre as mudanças
climáticas e a necessidade das empresas que exploram
combustíveis fósseis de abandonar os planos de
exploração de 80% das reservas contabilizadas em seus
ativos.
“Elas estão dispostas a fazer isso? As empresas
precisam se perguntar: o meu modelo de negócios inclui
a destruição do planeta? Ou tem uma alternativa moral?”
Liderança e o Brasil
“Hoje temos conhecimento e tecnologia para a transição
para um futuro sustentável, não precisamos dos perigos
da energia nuclear e nem de gás de xisto. Podemos ir
além dos combustíveis fosseis”, defendeu Capra.
“Precisamos de vontade política e liderança (..) O que
em tempos estáveis é diferente do que em tempos
de crise ambiental e econômica, que é o que temos
hoje. A maioria dos problemas são globais, apesar da
demanda por lideranças em nível regional e corporativo,
precisamos também de lideranças em nível global”.
Capra ressalta que na atual crise global, o Brasil e a
Alemanha estão melhor posicionados do que a maioria
dos países.
Ele comentou que nos Estados Unidos, Barack Obama
foi eleito com grandes esperanças, mas sucumbiu ao
sistema corrupto, e no fim, a riqueza dos pobres está sendo sistematicamente repassada para os ricos.
Porém, ele acredita que no Brasil a situação está melhor,
apesar da população não estar satisfeita.
“Programas como o Bolsa Família e o Fome Zero
reduziram a desigualdade econômica ao retirar milhões
de pessoas da pobreza, mas mesmo assim muitos
problemas de desigualdade e corrupção permanecem e
ainda há muito trabalho a ser feito.”
“O Brasil pode ser um líder global”, ressaltou após
assistir apresentações sobre o Programa Água Boa
e sobre as ações de sustentabilidade previstas para
a Copa de 2014. “Estes são ótimos exemplos de
liderança global que precisam ser divulgados. O que
pode acontecer no ano que vem, já que todo o mundo
vai olhar para o Brasil”.
PARA LER MAIS:
• 23/05/2011 - "O poder vem da quantidade de
conexões entre pessoas", afirma Fritjof Capra
• 27/09/2007 - A Ciência Universal. Entrevista com
Fritjof Cap

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