terça-feira, 6 de agosto de 2013

A COPA DO MUNDO, A CRISE DO MODELO URBANO e a Retomada das Cidades

2013-07-23
A COPA DO MUNDO, A CRISE DO MODELO URBANO e a



Retomada das Cidades


"Entendemos que os pontos críticos do novo modelo urbano são

as políticas de mobilidade baseadas no transporte individual,

a política habitacional regulada exclusivamente pelo capital

privado e a atração de megaeventos como alavanca para projetos

desenvolvimentistas. Os três entrelaçados estão produzindo

cidades mais privadas, mais fragmentadas, menos solidárias e

de pior qualidade de vida". O comentário é de Paulo Roberto

Rodrigues Soares, professor do Departamento de Geografia –

UFRGS e membro do Observatório das Metrópoles – Núcleo Porto

Alegre em artigo publicado no sítio copa em discussão, 23-07-



2013.

Eis o artigo.


Praça Tahrir, Wall Street, Plaza Mayor, Praça Montevideo (Porto

Alegre) e depois São Paulo, Rio de Janeiro, Brasil! As

manifestações das últimas semanas nas principais cidades

brasileiras ecoam os movimentos de massa que nos últimos anos

– especialmente após a eclosão da crise financeira internacional

em 2008 – tem (re)tomado praças e ruas das principais

metrópoles mundiais em todos os continentes.

Se na escala mundial a motivação é a ausência de democracia e

a crise do sistema financeiro que afeta a “economia real”, bem

como as políticas de austeridade impostas pela Troika, no Brasil a



reivindicação inicial dos movimentos populares foi a redução (ou

eliminação) da tarifa do transporte coletivo que onera fortemente

estudantes, trabalhadores e trabalhadoras que dependem de um

serviço público desorganizado e precário. Diariamente milhões de

pessoas são aprisionados na nossa (i)mobilidade urbana que

estende a jornada de trabalho e subtrai horas de cultura,

formação, qualificação, lazer e ócio (afinal, também temos “o

direito à preguiça”).

Outras questões se agregaram aos protestos brasileiros: a

mobilização contra as isenções fiscais e os gastos públicos para a

Copa do Mundo de 2014 frente às imensas carências de serviços



de saúde, educação e segurança.

A visibilidade do país por conta da Copa das Confederações foi



aproveitada de modo inteligente e eficaz pelos movimentos de

contestação que utilizaram os momentos prévios aos jogos para

reunir milhares de pessoas com suas diferentes bandeiras. Não

abordaremos aqui os desdobramentos políticos posteriores ao

movimento de contestação nas ruas brasileiras. Nos limites deste

artigo preferimos apontar três pontos referentes ao modelo urbano

que está se implantando no país no último decênio, o qual ainda

não conseguiu conciliar (é o projeto?) crescimento econômico e

ligeira redistribuição da renda com bem-estar e qualidade de vida

nas cidades.

Entendemos que os pontos críticos do novo modelo urbano são as

políticas de mobilidade baseadas no transporte individual, a

política habitacional regulada exclusivamente pelo capital privado

e a atração de megaeventos como alavanca para projetos

desenvolvimentistas. Os três entrelaçados estão produzindo

cidades mais privadas, mais fragmentadas, menos solidárias e de

pior qualidade de vida. Bem ao contrário do que poderíamos

esperar de um efetivo programa de reforma social.

A crise de mobilidade é resultante da debilidade das políticas de

planejamento e investimento no transporte público e de uma

opção de crescimento econômico baseado no consumo de

massas, na construção civil e na indústria automobilística (um

quarto pilar é a exportação de commodities, que transcende os

limites deste artigo). A política de financiamento e isenção de

impostos para a aquisição de automóveis, sem os devidos

investimentos em infraestrutura urbana, levou ao

congestionamento das vias de circulação nas grandes e médias

cidades. É o problema das políticas corporativas. Incentiva-se

apenas um setor industrial visando que este seja o “motor” da

economia. As consequências são sentidas no médio prazo. Ao

primeiro sinal de fadiga do setor, a economia como um todo trava.

Vão-se os benefícios da política. Ficam os prejuízos

(congestionamentos, poluição, acidentes de trânsito).

Quanto ao transporte público novamente são propostas medidas

pouco eficazes no longo prazo. Combate-se os resultados e não a

raiz da questão. A política de desoneração para as empresas do

setor não irá solucionar os problemas. Os mesmos empresários

rentistas que lucram com a desorganização das linhas e com a

extensão urbana continuarão a gerir o sistema. É preciso

promover uma ampla discussão de uma política nacional de

mobilidade urbana, que incentive o transporte público, promova a

diversidade de modais de deslocamento nas cidades, desde os

individuais (bicicletas, por exemplo) até os mais modernos e que

exigem grandes investimentos (VLTs, trens, metrô).

Mas é preciso entender a mobilidade na sociedade

contemporânea. Nossas cidades, cujo planejamento é herdado do

período fordista, necessitam de outra compreensão de

planejamento e mobilidade. E esta deve começar por um conjunto

de perguntas: o que é a mobilidade hoje? Quem se move nas

cidades? Por que nos movemos? As desregulações do

capitalismo flexível e da “modernidade líquida” nos colocaram em

estado de constante “mobilização geral”. Hoje todos se

movimentam em diferentes horários e direções. Aliado a isso, a

produção da metrópole e da cidade pós-moderna, mais extensa,

mais fragmentada e policêntrica provocou a ruptura dos padrões

tradicionais de mobilidade. Mas continuamos presos aos velhos

paradigmas de cidade. Por isso é preciso repensar a mobilidade

em seus aspectos econômicos, sociais e culturais. As novas

tecnologias de informação devem ser utilizadas para promover o

planejamento inteligente da circulação urbana. As redes sociais

devem ser utilizadas para o planejamento e a gestão participativa

da mobilidade, o que pode ser realizado em tempo real nos

momentos de crise geral do sistema. É um caminho:

democratização e participação.

A expansão da indústria imobiliária se dá pela disponibilidade de

crédito e um amplo programa de produção habitacional (o

Programa Minha Casa Minha Vida). Entretanto, nosso programa



habitacional deixou de ser uma política de Estado para se tornar

mais uma fonte de acumulação privada. Especula-se com a terra

urbana e com o preço dos imóveis. Os projetos são aprovados a

bel prazer dos investidores, facilitados por municipalidades ávidas

por resultados de investimentos e geração de empregos. O

modelo de produto imobiliário hegemônico combina verticalização

desenfreada, condomínios fechados e grandes conjuntos

habitacionais na periferia, ressuscitando o antigo modelo de

expansão periférica dos anos 1960-1970. A densificação dos

centros e a extensão dos perímetros urbanos encarecem a

infraestrutura urbana e incidem justamente na questão da

mobilidade. Resultados: densificação nociva das áreas mais

centrais, periferias homogêneas e segregadas, cidades menos

coesas e mais fragmentadas.

Frente a todos os problemas gerados temos a Copa do Mundo

de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. Com eles a utilização de



fundos públicos, seja na forma de investimentos diretos, seja nas

isenções fiscais aos grandes grupos econômicos envolvidos.

Estádios de futebol e instalações esportivas suntuosas são

construídos com diferentes formas de financiamento público.

Obras de infraestrutura urbana (re)valorizam setores das cidades

permitindo a apropriação da renda diferencial urbana pelo capital

imobiliário.

Ao mesmo tempo temos os impactos perversos da desagregação

de comunidades pelas remoções e deslocamentos (“involuntários”)

de populações dos setores urbanos valorizados pelas obras.

Estas remoções se fazem em nome do “interesse geral” da cidade

nas obras relacionadas aos megaeventos. É notório que os

governos locais estão aproveitando os megaeventos como

aceleradores de projetos de infraestrutura, bem como para

alterações e/ou afrouxamento dos marcos reguladores da

produção do espaço urbano (planos diretores, leis de

zoneamento, instrumentos urbanísticos). Acrescentem-se também

as políticas de “higienização” das cidades, de ordenamento

controlado dos espaços públicos, convertidos em espaços de

vigilância permanente e a militarização da questão urbana

empreendida pelos governos locais em associação com os

governos estaduais e federal. Tudo isto respondendo aos

“cadernos de encargos” e à “privatização do território” imposta

pelas corporações esportivas. Chamamos aqui de privatização do

território, porque as intervenções vão além das arenas esportivas

e de seus espaços públicos circundantes. Praticamente toda a

cidade está incluída na “zona de controle”.

E todo este processo se realizando com pouca ou nenhuma

transparência, com total ausência de democracia local, apesar dos

instrumentos do Estatuto da Cidade que prevêem a participação



popular e gestão democrática das cidades.

Um caso particular é o de Porto Alegre, cidade com longa e

aguerrida tradição de lutas sociais e democracia participativa. Aqui

a oposição ao “novo modelo urbano” de “cidade-empresa” vem

crescendo nos últimos anos após um período de estagnação das

mobilizações sociais. São iniciativas independentes,

fragmentadas, mas que neste momento conseguiram se conciliar

em oposição ao novo projeto de cidade que se impõe.

Movimentos pela mobilidade urbana, pela ocupação pública dos

espaços públicos, contra a sociedade controle, movimentos

ecológicos e pela qualidade de vida nos bairros, além de

movimentos populares pela moradia se (re)encontraram na Praça

Montevideo em uma nova e ampla coalizão de forças sociais. O

futuro dirá se esta nova corrente será capaz de reverter as

tendências de privatização da cidade e de submissão da gestão

urbana aos interesses de corporações e grupos privados.

Enfim, o risorgimento dos movimentos de massa no Brasil é,

sobretudo, um levante pelo “direito à cidade”. Pelo direito de

participar e decidir na elaboração, discussão e implementação das

políticas urbanas. Pelo direito a construir e viver em cidades feitas

por e para o interesse público e não pelos interesses privados.

Finalizamos com David Harvey e sua conclusão do artigo “O



direito à cidade” (2008):

“Dar um passo adiante para unificar estas lutas supõe adotar o

direito à cidade como slogan prático e ideal político, porque o

mesmo coloca a questão de quem domina a conexão necessária

entre urbanização e produção e utilização do excedente. A

democratização deste direito e a construção de um amplo

movimento social para torná-lo realidade são imprescindíveis se

os despossuídos vierem a recuperar o controle sobre a cidade que

durante tanto tempo estiveram privados e desejam instituir novos

modelos de urbanização (…) a revolução tem que ser urbana, no

mais amplo sentido do termo, ou não será”.


Veja também:


·Copa do Mundo. Para quem e para quê? - IHU On-Line -




Ano XIII 10.06.2013

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