terça-feira, 6 de agosto de 2013

A REFUNDAÇÃO DO BRASIL? O sentido oculto das manifestações de rua Leonardo Boff

A REFUNDAÇÃO DO BRASIL? O sentido oculto das manifestações de rua


Leonardo BOFF
Adital

O que o povo que estava na rua no mês de junho queria, em último término, de forma

consciente ou inconsciente? Para responder me apoio em três citações inspiradoras.
A primeira é de Darcy Ribeiro no prefácio ao meu livro O caminhar da Igreja com os

oprimidos (1998): "Nós brasileiros surgimos de um empreendimento colonial que


não tinha nenhum propósito de fundar um povo. Queria tão somente gerar lucros

empresariais exportáveis com pródigo desgaste de gentes”.

A segunda é de Luiz Gonzaga de Souza Lima na mais recente e criativa interpretação do
Brasil: A refundação do Brasil: rumo à sociedade biocentrada (São Carlos 2011): "Quando


se chega ao fim, lá onde acabam os caminhos, é porque chegou a hora de inventar

outros rumos; é hora de outra procura; é hora de o Brasil se Refundar; a Refundação

é o caminho novo e, de todos os possíveis, é aquele que mais vale a pena, já que é

próprio do ser humano não economizar sonhos e esperanças; o Brasil foi fundado como

empresa. É hora de se refundar como sociedade” (contra-capa).

A terceira é do escritor francês François-René de Chateaubriand (1768-1848): "Nada é

mais forte do que uma ideia quando chegou o momento de sua realização”.

Minha impressão é que as multitudinárias manifestações de rua que se fizeram sem

siglas, sem cartazes dos movimentos e dos partidos conhecidos e sem carro de som,

mas irrompendo espontaneamente, queriam dizer: estamos cansados do tipo de Brasil

que temos e herdamos: corrupto, com democracia de baixa intensidade, que faz

políticas ricas para os ricos e pobres para os pobres, no qual as grandes maiorias não

contam e pequenos grupos extremamente opulentos controlam o poder social e político;

queremos outro Brasil que esteja à altura da consciência que desenvolvemos como

cidadãos e sobre a nossa importância para o mundo, com a biodiversidade de nossa

natureza, com a criatividade de nossa cultura e como maior patrimônio que temos que

é o nosso povo, misturado, alegre, sincrético, tolerante e místico.

Efetivamente, até hoje o Brasil foi e continua sendo um apêndice do grande jogo

econômico e político do mundo. Mesmo politicamente libertados, continuamos sendo

recolonizados, pois as potências centrais antes colonizadoras nos querem manter ao

que sempre nos condenaram: a ser uma grande empresa neocolonial que exporta
commodities, grãos, carnes, minérios como o mostra em detalhe Luiz Gonzaga de


Souza Lima e o reafirmou Darcy Ribeiro citado acima. Desta forma nos impedem de

realizarmos nosso projeto de nação independente e aberta ao mundo.

Diz com fina sensibilidade social Souza Lima: "Ainda que nunca tenha existido na

realidade, há um Brasil no imaginário e no sonho do povo brasileiro. O Brasil vivido

dentro de cada um é uma produção cultural. A sociedade construiu um Brasil diferente

do real histórico, o tal país do futuro, soberano, livre, justo, forte; mas, sobretudo,

alegre e feliz” (p.235). Nos movimentos de rua irrompeu este sonho exuberante de

Brasil.
Caio Prado Júnior em sua A revolução brasileira (Brasiliense 1966) profeticamente


escreveu: "O Brasil se encontra num daqueles momentos em que se impõem, de

pronto, reformas e transformações capazes de reestruturarem a vida do país de

maneira consentânea com suas necessidades mais gerais e profundas e as aspirações

da grande massa de sua população que, no estado atual, não são devidamente

atendidas” (p. 2). Chateaubriand confirma que esta ideia acima exposta madurou e

chegou ao momento de sua realização. Não seria sentido básico dos reclamos dos que

estavam, aos milhares, na rua? Querem um outro Brasil.

Sobre que bases se fará a Refundação do Brasil? Souza Lima diz que é sobre aquilo

que de mais fecundo e original temos: a cultura brasileira. "É através de nossa cultura

que o povo brasileiro passará a ver suas infinitas possibilidades históricas. É como se a

cultura, impulsionada por um poderoso fluxo criativo, tivesse se constituído o suficiente

para escapar dos constrangimentos estruturais da dependência, da subordinação e dos

limites acanhados da estrutura socioeconômica e política da empresa Brasil e do Estado

que ela criou só para si. A cultura brasileira então escapa da mediocridade da condição
periférica e se propõe a si mesma com pari dignidade em relação a todas as culturas,


apresentando ao mundo seus conteúdos e suas valências universais” (p.127).

Não há espaço aqui para detalhar esta tese original. Remeto o leitor(a) a este livro

que está na linha dos grandes intérpretes do Brasil a exemplo de Gilberto Freyre, de

Sérgio Buarque de Hollanda, de Caio Prado Jr, de Celso Furtado e de outros. A maioria

destes clássicos intérpretes olharam para trás e tentaram mostrar como se construiu o

Brasil que temos. Souza Lima olha para frente e tenta mostrar como podemos refundar

um Brasil na nova fase planetária, ecozóica, rumo ao que ele chama "uma sociedade

biocentrada”.

Não serão estes milhares de manifestantes, os protagonistas antecipadores do ancestral

e popular sonho brasileiro? Assim o queira Deus e o permita a história.

21/07/2013.

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