sábado, 31 de agosto de 2013

“O que dirão ao próprio povo sobre a intervenção militar?”

“O que dirão ao próprio povo sobre a intervenção militar?”

matéria do Jornal Brasil de Fato

Bashar al-Assad aponta extremistas da Al-Qaeda como peças-chave para compreensão do conflito interno no país e vê caso do pretexto criado por potências do Ocidente para guerra
27/08/2013

 

de Damasco (Síria)
 
Na iminência de um ataque bélico comandado pelos Estados Unidos, o presidente da Síria Bashar al-Assad fala sobre a delicada situação que vive seu país. Assad ressalta desde vultoso influxo de “rebeldes” islâmicos que vêm de outros países – estimados em dezenas de milhares –, até a possibilidade de ter o seu território atacado por forças da OTAN.
Sobre o ataque químico em que a mídia ocidental o denuncia como mandante do assassinato de centenas de civis, ele se defende, pontuando que se trata de uma jogada política que tenta legitimar uma intervenção militar. “E que país usaria armas químicas em áreas na qual estão suas próprias forças? É ridículo! São acusações completamente politizadas e vêm na sequência e como reação contra os avanços que o Exército Sírio alcançou contra os terroristas”, argumenta Assad. Abaixo a entrevista.
 
Sr. Presidente, a questão mais premente no mundo hoje é a situação atual na Síria. Que partes do país continuam sob controle dos rebeldes?
Bashar al-Assad: De nosso ponto de vista, não se trata de rotular algumas áreas como controladas pelos terroristas. Não estamos lidando com uma ocupação convencional, que permita que se contextualizem as coisas desse modo. Estamos combatendo contra terroristas infiltrados em algumas áreas, cidades, áreas periféricas de cidades. Eles atacam, vandalizam, destroem infraestrutura e matam civis inocentes, simplesmente porque a população os denuncia. O exército se mobiliza para essas áreas com as forças de segurança e agentes policiais para erradicar os terroristas; os que sobrevivem, mudam-se para outras áreas. Portanto, a essência de nossa ação é conter terroristas.
Enfrentamos o desafio, que complica a situação, de um influxo de grande número de terroristas que vêm de outros países – estimados em dezenas de milhares de terroristas, pelo menos. Enquanto continuarem a receber ajuda financeira e militar, nós continuaremos a atacá-los. Posso confirmar que não houve nenhum caso que o Exército Sírio tenha planejado desalojar terroristas de uma dada locação, e não tenha sido bem sucedido.
A maioria dos terroristas que nos atacam são Takfiris, que adotaram a doutrina da al-Qaeda, além de um pequeno número de bandidos comuns. Por isso digo que não se trata de saber quem controla maiores áreas. Em todos os pontos onde os terroristas ataquem, nós ali estamos, contra eles.
 
Mas a grande mídia hegemônica ocidental diz que os terroristas controlam de 40% a 70% do território sírio. Qual é a verdade?
Nenhum exército, em nenhum país do mundo, pode estar presente, com todo o armamento, em todos os pontos de país algum. Os terroristas exploram isso, e violam áreas nas quais o exército não esteja. Fogem de uma área para outra, e continuamos a erradicá-los, com sucesso, de todas as áreas onde apareçam. Reitero portanto que a questão não é a extensão do território no qual se infiltrem, mas o grande fluxo de terroristas que vêm de fora da Síria.
Critério significativo para avaliar o sucesso é verificar se o Exército Sírio tem conseguido chegar a qualquer área infiltrada pelos terroristas e desalojá-los. Quanto a isso, a resposta é sim, com certeza. O Exército sempre conseguiu desalojar os terroristas onde os encontrou, e continua a fazê-lo. Mas isso exige tempo, porque esse tipo de guerra não acaba de um momento para outro, são guerras longas, que cobram preço muito algo. Mesmo depois que tivermos erradicado todos os terroristas, teremos pago preço muito alto.
 
Senhor presidente, o senhor falou de extremistas Takfiri que entraram na Síria. São grupos fragmentados que atacam esporadicamente? Ou compõem algum tipo de força maior que busca destruir a segurança e a estabilidade na Síria e em todo o Oriente Médio?
Há os dois tipos. São semelhantes, na medida em que todos partilham a mesma doutrina Takfiri extremista de indivíduos como Zawahiri; também são semelhantes na medida em que recebem o mesmo apoio financeiro e o mesmo apoio militar. Mas são simultaneamente diferentes entre eles, porque são incoerentes e dispersos, com cada grupo seguindo um líder separado e seguindo sua própria agenda, diferente das demais. Claro que é bem sabido que países, como a Arábia Saudita, que controla ‘a bolsa’, pode manejá-los e manipulá-los como mais lhe interesse.
Ideologicamente, esses países mobilizam terroristas por meios diretos ou indiretos, como instrumentos de extremismo. Se declararem que os muçulmanos devem fazer Jihad na Síria, milhares de extremistas responderão. Financeiramente, os que financiam e armam esses grupos podem instruí-los para que organizem atos de terrorismo e espalhem a anarquia. A influência que recebem é reforçada, quando um país como a Arábia Saudita dirige os terroristas, simultaneamente, por meios financeiros e pela ideologia wahhabista.
 
O governo sírio tem denunciado que há ligação estreita entre Israel e os terroristas. Como o senhor explica isso? A opinião geral é que islamistas extremistas odiariam Israel e entrariam em surto só de ouvir o nome do país.
Se essa opinião fosse correta, o que explica que cada vez que atacamos os terroristas na fronteira, Israel ataca nossos soldados, para reduzir a pressão contra os terroristas na fronteira? Fosse assim, por que, quando bloqueamos os terroristas numa área, Israel os deixa escapar pelo lado israelense, para que possam tentar nos atacar de outra direção? Por que Israel tem atacado, ataques diretos contra o Exército Sírio, em mais de uma ocasião, nos últimos meses? É evidente que a opinião geral que o senhor citou é inacurada. Israel já declarou publicamente que está cooperando com os terroristas e os trata em hospitais em Israel.
Se os terroristas fossem de fato hostis a Israel, dados a surtos de histeria à simples menção do nome, porque lutaram contra a União Soviética, a Síria e o Egito, mas jamais atacaram Israel, uma única vez? Quem criou esses grupos terroristas? Foram criados no início dos anos 1980s pelos EUA e pelo ocidente, com dinheiro dos sauditas, para combater contra a União Soviética no Afeganistão. Como seria possível, logicamente falando, que esses grupos fabricados pelos EUA e o Ocidente algum dia atacassem Israel?
 
Senhor presidente, essa entrevista será traduzida para várias línguas internacionais e será lida por líderes em todo o mundo, alguns dos quais podem estar hoje trabalhando contra o senhor. O que o senhor gostaria de dizer a eles?
Hoje, há muitos políticos ocidentais, mas bem poucos estadistas. Alguns desses políticos não leem História nem aprendem dela; outros sequer recordam eventos recentes. Que lições os políticos ocidentais aprenderam, pelo menos, dos últimos 50 anos? Não veem que desde a Guerra do Vietnã, falharam todas as guerras criadas por seus predecessores? Não aprenderam que nada obtiveram daquelas guerras, além da destruição dos países contra os quais lutaram, que desestabilizaram o Oriente Médio e outras partes do mundo? Ainda não compreenderam que todas as guerras deles não os fizeram mais respeitados ou apreciados na região? Que ninguém aprecia ou crê em suas políticas?
De outro ponto de vista, esses políticos já deveriam saber que o terrorismo não é carta que com a qual possam jogar quando bem entendam e possam meter outra vez no bolso, quando não lhes interessa. O terrorismo é como um escorpião: pode atacar qualquer um, a qualquer momento. Ninguém pode financiar o terrorismo na Síria e, ao mesmo tempo, combater o terrorismo no Mali. Vocês não podem apoiar o terrorismo na Chechnya e combater contra o terrorismo no Afeganistão.
Para ser muito preciso, refiro-me ao Ocidente e não a todos os líderes mundiais. Se esses líderes ocidentais esperam alcançar seus interesses, eles têm de ouvir seus próprios eleitores e têm de ouvir o povo dessa região, em vez de se porem a tentar implantar aqui governantes ‘fantoches’, na esperança de que sejam capazes de dar ao ocidente o que o ocidente deseja. Se fizerem o que sugerimos, a política ocidental nessa região poderá começar a ser mais realista.
Nossa mensagem ao mundo é clara e direta: a Síria jamais será estado ‘fantoche’ do ocidente. Somos país independente; combateremos o terrorismo e construiremos livremente relações com outros países, como melhor interessar ao povo sírio.
 
Na quarta-feira, 21 de agosto, os ‘rebeldes’ acusaram o governo sírio de ter usado armas químicas. Alguns líderes ocidentais aceitaram as acusações. O que o senhor responde a isso? O senhor autorizará o acesso de inspetores da ONU naquele local, para investigar o incidente?
Governos dos EUA, do ocidente e de outros países fizeram declarações desdenhosas de flagrante desrespeito até contra a opinião pública em seus próprios países. Não há corpo no mundo, nem alguma superpotência, que possa fazer uma acusação e, na sequência, pôr-se a recolher provas para confirmar o que eles mesmos tenham dito. O governo dos EUA fez a acusação na 4ª-feira e dois dias depois já anunciava que começaria a recolher provas. E que provas encontrariam para recolher, de tão longe?!
Disseram que a área em questão estaria sob controle dos ‘rebeldes’ e que o Exército Sírio teria usado armas químicas. Na verdade, trata-se de área contígua a posições do Exército Sírio. E que país usaria armas químicas em áreas na qual estão suas próprias forças? É ridículo! São acusações completamente politizadas e vêm na sequência e como reação contra os avanços que o Exército Sírio alcançou contra os terroristas.
Quanto à Comissão da ONU, nós fomos os primeiros a exigir investigação da ONU, quando terroristas lançaram ataques com gás tóxico nos arredores de Aleppo. Vários meses antes do ataque, já se ouviam declarações de norte-americanos e ocidentais, que começavam a preparar a opinião pública para o ‘possível’ uso de armas químicas pelo governo sírio. Daí nasceram nossas suspeitas de que o ‘ocidente’ sabia das intenções dos terroristas, de usar armas químicas e, na sequência, tentar culpar o governo sírio. Depois de contatos com a Rússia, decidimos requerer que uma comissão investigue o incidente. Mas requeremos uma investigação baseada em fatos em campo, não em boatos e conversas. EUA, França e Grã-Bretanha tentaram explorar o incidente, para investigar os boatos, não o que realmente aconteceu.
Durante as últimas poucas semanas, trabalhamos com a Comissão e fixamos os parâmetros para a cooperação. O primeiro desses parâmetros é que a soberania da Síria é linha vermelha que não poderá ser ultrapassada; portanto, a Comissão deve reportar diretamente ao governo sírio, durante todo o processo. Segundo, a questão não é apenas como conduzir a investigação, mas também como os resultados serão interpretados. Estamos perfeitamente conscientes de que, em vez de serem interpretados de modo objetivo, os resultados podem ser facilmente interpretados do modo como mais interesse às agendas de alguns grandes países. Evidentemente, esperamos que a Rússia bloqueie qualquer interpretação distorcida para servir aos interesses e às políticas dos EUA e do ocidente. O mais importante é que distinguimos claramente entre acusações do ocidente, baseadas em boatos e intrigas, e a nossa solicitação de uma investigação baseada em fatos e provas concretas.
 
Declarações recentes, pelo governo dos EUA e outros governos ocidentais, dizem que os EUA não descartam a intervenção militar na Síria. À luz dessas declarações, parece provável que os EUA ajam como agiram no Iraque. Em outras palavras, que procurem um pretexto para a intervenção militar?
Não é a primeira vez que se levanta a possibilidade de intervenção militar. Desde o início, EUA, com França e Grã-Bretanha, anseiam por uma intervenção militar na Síria. Infelizmente para eles, os eventos tomaram rumo diferente, com a balança pendendo contra os planos deles, no Conselho de Segurança, apesar das muitas tentativas que fizeram para seduzir Rússia e China, sem qualquer sucesso. Os resultados negativos que emergiram na Líbia e no Egito tampouco trabalham a favor deles. Tudo isso tornou virtualmente impossível convencer os cidadãos naqueles países e no mundo de que seus governos teriam políticas sólidas e bem-sucedidas para essa parte do mundo.
A situação na Líbia também é diferente da do Egito e Tunísia, e a Síria, como eu disse, é diferente de todos esses países. Cada país tem sua específica situação. Aplicar o mesmo cenário em diferentes partes do mundo já não é opção plausível. Claro que podem criar guerras, mas não se pode prever para que lado elas se espalharão ou como terminarão. Isso os levou a perceber que os cenários que eles próprios inventaram espiralaram para fora do que eles mesmos possam controlar.
Já é hoje absolutamente claro para todos que o que está acontecendo na Síria nada tem de revolução popular que vise à reforma política; trata-se, isso sim, de terrorismo orientado para destruir o estado sírio. O que dirão ao próprio povo, argumentando a favor de intervenção militar? Que o estado sírio estaria apoiando o terrorismo contra o próprio estado sírio?!
 
O que acontecerá nos EUA, no caso de decidirem pela intervenção militar, com guerra contra a Síria?
Acontecerá o que já aconteceu em todas as guerras norte-americanas, desde o Vietnã... Fracassarão. Os EUA têm feito muitas guerras, mas nunca conseguiram, pelas suas guerras, alcançar os seus objetivos políticos. O governo dos EUA não conseguirá convencer o povo norte-americano de algum benefício dessa guerra. Tampouco conseguirão convencer o povo de nossa região, sobre as políticas e planos dos EUA. As grandes potências globais têm poder para fazer guerras. Mas conseguem vencer as suas próprias guerras?
 
Senhor presidente, como é sua relação com o presidente Vladimir Putin? Falam-se pelo telefone? E o que discutem?
Tenho fortes relações com o presidente Putin, desde muitos anos antes do início da crise. Nos falamos de tempos em tempos, mas a complexidade dos eventos na Síria não se pode discutir por telefone. Nossos contatos dão facilitado graças a visitas de funcionários russos e sírios. A maior parte dessas reuniões acontece fora dos holofotes da mídia.
 
Senhor presidente, o senhor tem planos de visitar a Rússia, ou de convidar o presidente Putin para visitar a Síria?
É possível, é claro. Mas atualmente as prioridades são trabalhar para reduzir a violência na Síria, porque há vítimas todos os dias. Tão logo melhorem as circunstância, será necessária uma visita. Por hora, nossos funcionários estão conduzindo muito bem os nossos trabalhos em conjunto.
 
Senhor presidente, a Rússia tem-se oposto a políticas de EUA e da União Europeia, sobretudo as que tenham a ver com a Síria. E se a Rússia fizer alguma concessão? É um cenário possível?
As relações entre EUA e Rússia não podem ser analisadas exclusivamente pelo contexto da crise síria; é preciso analisá-las de modo mais amplo e compreensivo. Os EUA supuseram que, depois do colapso da União Soviética, a Rússia estaria destruída para sempre. Depois que o presidente Putin assumiu o governo no final dos anos 90s, a Rússia começou a recuperar-se gradualmente e reconquistou sua posição internacional. Então, recomeçou a Guerra Fria, embora de modo diferente, mais sutil.
Os EUA insistem em muitos fronts: querem conter os interesses russos pelo mundo, querem influenciar a mentalidade dos cidadãos russos para aproximá-los do ocidente, em termos de cultura e de aspirações. E trabalharam muito para eliminar o papel potente e vital da Rússia em vários fronts, um dos quais é a Síria.
Você deve estar pensando, como muitos russos, por que a Rússia continua a apoiar a Síria. E é importante explicar isso ao grande público. A Rússia não está defendendo o presidente Bashar al-Assad ou o governo sírio, porque cabe ao povo sírio decidir que presidente quer ter e o sistema político que mais interesse ao povo sírio. Não se trata disso.
A Rússia está defendendo princípios fundamentais que o país abraçou há mais de 100 anos, o primeiro dos quais é a independência e a política de não interferir em assuntos internos de outros países. A própria Rússia já sofreu e continua a sofrer, por esse tipo de interferência.
Adicionalmente, a Rússia defende também seus legítimos interesses na região. Alguns analistas superficiais reduzem esses interesses ao porto de Tartus, mas a verdade é que a Rússia tem interessem muito mais amplos e significativos. Politicamente falando, quando o terrorismo ataca a Síria, pais chave nessa região, o ataque tem impacto direto na estabilidade de todo o Oriente Médio, o que também afeta a Rússia. Diferente de muitos governos ocidentais, o governo russo sabe ver com perfeita clareza essa realidade. E de uma perspectiva social e cultural, não podemos esquecer as dezenas de milhares de famílias sírio-russas, que construíram uma ponte social, cultural e humanitária entre nossos dois países.
Se a Rússia vier a fazer concessões, como você disse, já teria acontecido há um ou dois anos, quando esse quadro ainda não era perfeitamente claro, mesmo para altos funcionários russos. Hoje, o quadro está absolutamente claro. Se a Rússia cedeu naquele momento, agora, com certeza, não cederá.
 
Senhor presidente, há negociações em curso com a Rússia, para fornecer combustível ou equipamento militar à Síria? Sobre o contrato para o sistema de defesa S-300, especificamente, o senhor já o recebeu?
Não posso, evidentemente, e nenhum país poderia, comentar sobre armas e contratos para compra de armas. É informação secreta, restrita das Forças Armadas. Importante é declarar que todos os contratos assinados com a Rússia serão cumpridos, e nem a crise ou a pressão por EUA, países europeus ou do Golfo afetaram o cumprimento dos contratos. A Rússia continua a fornecer à Síria o necessário para que o país defenda-se e defenda seu povo.
 
Senhor presidente, com que forma de ajuda da Rússia a Síria conta hoje? Financeira, talvez equipamento militar? Por exemplo, a Síria pediria à Rússia um empréstimo?
Na falta de segurança em campo, é impossível ter economia estável e em funcionamento. Assim, em primeiro lugar, a Rússia nos tem garantido apoio mediante contratos militares para ajudar os sírios a nos defendermos, o que levará a melhor segurança, a qual, por sua vez, facilitará a recuperação da economia. Em segundo lugar, o apoio político da Rússia ao nosso direito à independência e à soberania, também tem tido papel significativo. Muitos outros países voltaram-se contra nós politicamente, e traduziram essa política em cortes nos laços econômicos e no fechamento de seus mercados. A Rússia fez exatamente o contrário disso e mantém boas relações de comércio conosco, o que nos ajudou a manter funcionando a nossa economia. Portanto, em resposta à sua pergunta, o apoio político da Rússia e seu compromisso em honrar os contratos militares firmados, sem se render à pressão dos EUA, muito tem ajudado nossa economia, apesar do impacto negativo que teve, na vida do povo sírio, o embargo econômico que outros países impuseram.
De um ponto de vista puramente econômico, há vários acordos entre Síria e Rússia para vários bens e produtos. Quanto a um empréstimo dos russos, deve-se ver como benéfico para os dois lados: para a Rússia, como oportunidade para suas indústrias e empresas nacionais, que expandem seus negócios para novos mercados; e para a Síria, porque nos supre dos fundos necessários para reconstruir nossa infraestrutura e estimular nossa economia. Repito que a posição política da Rússia e o apoio que dá à Síria são instrumento importante para restaurar a segurança e prover as necessidades básicas do povo sírio.
 
Senhor presidente, esses contratos têm a ver com combustível ou alimentos básicos?
Os cidadãos sírios estão sendo atacados em suas necessidades básicas de comida, remédios e combustível. O governo da Síria trabalha para garantir que esses itens básicos sejam acessíveis para todos os cidadãos, mediante acordos comerciais com a Rússia e com outros países amigos.
 
Voltando à situação na Síria, na atual crise. Sabe-se que o senhor já assinou várias anistias, várias vezes. Essas anistias incluem rebeldes? Há casos de rebeldes que abandonam aquele campo, para lutar ao lado do Exército Sírio?
É exatamente o que está acontecendo. Recentemente, começamos a perceber mudança significativa no quadro, sobretudo depois que a situação foi-se tornando mais clara para muitos, que começaram a convencer-se de que a Síria enfrenta, de fato, ataque do terrorismo. Muitos da oposição voltaram à vida civil, depuseram as armas, e esses foram anistiados, para ajudá-los na retomada da vida normal. Há também, importante, certos grupos que mudaram de lado: de lutar contra o Exército, passaram a lutar ao lado do Exército. São pessoas que se deixaram influenciar pela propaganda distribuída pela mídia hegemônica ocidental, ou que se haviam militarizado sob coação dos próprios terroristas. Por essa razão, desde o início da crise, o governo sírio adotou uma política de portas abertas para acolher os que desejassem abandonar a via que abraçaram no início, de lutarem contra o próprio país. Apesar de muitos na Síria terem-se oposto a essa política, ela se provou efetiva e ajudou a aliviar parte da tensão gerada pela crise.
 
Senhor presidente, as relações da Síria com vários estados estão consecutivamente entrando em colapso, como com o Qatar, Arábia Saudita e Turquia. Quem são seus reais aliados e quem são seus inimigos?
Os países que nos apoiam são bem conhecidos de todos: internacionalmente – Rússia e China. Regionalmente – Irã. Mas começamos a ver uma deriva positiva na arena internacional. Alguns países que se haviam posicionado fortemente contra a Síria, começaram a mudar seu posicionamento; outros começam a reiniciar relações conosco. Claro, a mudança no posicionamento desses países não constitui apoio direto.
Em contraste, há alguns específicos países que mobilizaram e deram amparo ao terrorismo na Síria. De modo especial, o Qatar e a Turquia nos primeiros dois anos. O Qatar financiou e a Turquia garantiu apoio logístico, treinando terroristas e os infiltrando na Síria. Recentemente, a Arábia Saudita substituiu o Qatar, na função de financiador. Para ser completamente claro e transparente, a Arábia Saudita nada tem além de dinheiro. Quem só tenha dinheiro não é capaz de construir nem de alimentar uma civilização. A Arábia Saudita implementa sua agenda gastando dinheiro, tanto dinheiro quanto necessário.
A Turquia é caso diferente. É uma lástima ver que um grande país, como a Turquia, com sociedade liberal e localização estratégica, manipulado por um punhado de dólares que recebe de um estado do Golfo, de mentalidade tão atrasada. A responsabilidade, é claro, pesa sobre os ombros do primeiro-ministro turco, não do povo turco, com o qual os sírios partilhamos muitas tradições e uma rica herança.
 
Senhor presidente, o que torna tão fortes as relações russo-sírias? São os interesses geopolíticos? Ou o fato de que as duas nações lutam juntas contra o terrorismo?
Há mais de um fator que forjam com tanta força as relações sírio-russas. A primeira, é que a Rússia sofreu sob ocupação durante a 2ª Guerra Mundial e a Síria também foi ocupada, mais de uma vez. Em segundo lugar, desde a era soviética, a Rússia sofreu repetidas tentativas de intervenção estrangeira em seus assuntos internos; e o mesmo também aconteceu com a Síria.
Em terceiro lugar, mas não menos importante, é o terrorismo. Na Síria, entendemos bem o que significa quando extremistas da Chechnya matam civis inocentes, o que significa manter sob sítio alunos e professores em Beslan, ou sequestrar inocentes num teatro em Moscou. E o povo russo entende quando nós, na Síria, denunciamos atos de terrorismo semelhantes aos que os russos sofreram. Por essa razão, o povo russo rejeita a narrativa ocidental, que inventa que haveria “bons terroristas e maus terroristas”.
Além disso tudo, há também laços familiares entre sírios e russos, que já mencionei, que não se teriam desenvolvido se não houvesse características culturais, sociais e intelectuais comuns, além dos interesses geopolíticos dos quais já falamos. A Rússia, diferente dos europeus e do ocidente, está bem consciente das consequências de desestabilizar-se a Síria e a região e dos efeitos que isso terá no alastramento inexorável do terrorismo.
Todos esses fatores modelam coletivamente a posição política de um grande país como a Rússia. A posição dos russos não se baseia em um ou dos elementos, mas numa perspectiva histórica, cultural e intelectual ampla.
 
Senhor presidente, o que acontecerá em Genebra-2? Quais suas expectativas dessa conferência?
O objetivo da conferência de Genebra é apoiar o processo político e facilitar uma solução política para a crise. Mas isso não será alcançado antes de que tenha fim o apoio externo ao terrorismo. Esperamos que a conferência de Genebra comece por pressionar os países que hoje apoiam o terrorismo contra a Síria, que ponha fim ao contrabando de armas e ao ininterrupto processo de se infiltrarem terroristas no país. Quando isso for alcançado, os passos políticos serão mais fáceis, o mais imperativo dos quais é iniciarmos um diálogo entre os sírios, para discutir o futuro sistema político, a Constituição, várias leis e outros pontos.  
Originalmente publicada em www.isvestia.ru.
Tradução: Coletivo Vila Vudu

Centrais sindicais vão às ruas contra terceirização e monopólio da Globo

Centrais sindicais vão às ruas contra terceirização e monopólio da Globo

Matéria do Jornal Brasil de Fato

Paralisações e manifestações têm como objetivo avançar com a pauta da classe trabalhadora no Congresso e nos ministérios. Ato pede democratização da comunicação
29/08/2013
Leonardo Ferreira,
Da Radioagência NP
As Centrais sindicais realizam nesta sexta-feira (30) em todo o país um ato unitário nacional. No último ato realizada em 11 de julho, cerca de três milhões de trabalhadores cruzaram os braços em todo o país, aderindo às greves e mobilizações em todo o Brasil.
As paralisações, greves e manifestações têm como objetivo avançar com a pauta da classe trabalhadora no Congresso e nos ministérios, e também construir e impulsionar as exigências que vieram das ruas nos protestos das últimas semanas. O ato nacional deve contar com o apoio de movimentos sociais e movimentos populares.
As reivindicações das centrais sindicais possuem oito pontos principais, que tratam de educação, saúde, jornada de trabalho de 40h semanais e transporte público. Também se posicionam contra a PEC da terceirização e os leilões do petróleo, e defendem o fim do fator previdenciário.
Além das pautas trabalhistas, os movimentos sociais também realizam nesta sexta-feira no país o segundo Ato Contra o Monopólio da Mídia e pela democratização dos meios de comunicação. Em São Paulo os atos serão em frente à sede da Rede Globo (Avenida Dr. Chucri Zaidan, 46), a partir das 17 horas.
Foto: Rafael Stedile

EUA têm mais negros na prisão hoje do que escravos no século XIX

EUA têm mais negros na prisão hoje do que escravos no século XIX

Matéria do Jornal Brasil de Fato

Os índices sociais - que incluem emprego, saúde e educação - entre os afrodescendentes norte-americanos são os piores em 25 anos
29/08/2013
Dodô Calixto
do Opera Mundi
O presidente estadunidense, Barack Obama, participou nessa quarta-feira (28), em Washington, de evento comemorativo pelo aniversário de 50 anos do emblemático discurso “Eu tenho um Sonho”, de Martin Luther King Jr. - considerado um marco da igualdade de direitos civis aos afro-americanos. Enquanto isso, entre becos e vielas dos EUA, os negros não vão ter muitos motivos para celebrar ou "sonhar com a esperança", como bradou Luther King em 1963.
De acordo com sociólogos e especialistas em estudos das camadas populares na América do Norte, os índices sociais - que incluem emprego, saúde e educação - entre os afrodescendentes norte-americanos são os piores em 25 anos. Por exemplo, um homem negro que não concluiu os estudos tem mais chances de ir para prisão do que conseguir uma vaga no mercado de trabalho. Uma criança negra tem hoje menos chances de ser criada pelos seus pais que um filho de escravos no século XIX. E o dado mais assombroso: há mais negros na prisão atualmente do que escravos nos EUA em 1850, de acordo com estudo da socióloga da Universidade de Ohio, Michelle Alexander.
“Negar a cidadania aos negros norte-americanos foi a marca da construção dos EUA. Centenas de anos mais tarde, ainda não temos uma democracia igualitária. Os argumentos e racionalizações que foram pregadas em apoio da exclusão racial e da discriminação em suas várias formas mudaram e evoluíram, mas o resultado se manteve praticamente o mesmo da época da escravidão”, argumenta Alexander em seu livro The New Jim Crow.
No dia em que médicos brasileiros chamaram médicos cubanos de “escravos”, a situação real, comprovada por estudos de institutos como o centro de pesquisas sociais da Universidade de Oxford e o African American Reference Sources, mostra que os EUA têm mais características que lembram uma senzala aos afrodescendentes que qualquer outro país do mundo.
Em entrevista a Opera Mundi, a professora da Universidade de Washington e autora do livro “Invisible Men: Mass Incarceration and the Myth of Black Progress”, Becky Pettit,argumenta que os progressos sociais alcançados pelos negros nas últimas décadas são muito pequenos quando comparados à sociedade norte-americana como um todo. É a “estagnação social” que acaba trazendo as comparações com a época da escravidão.

“Quando Obama assumiu a Presidência, alguns jornalistas falaram em “sociedade pós-racial” com a ascensão do primeiro presidente negro. Veja bem, eles falaram na ocasião do sucesso profissional do presidente como exemplo que existem hoje mais afrodescendentes nas universidades e em melhores condições sociais. No entanto, esqueceram de dizer que a maioria esmagadora da população carcerária dos EUA é negra. Quando se realizam pesquisas sobre o aumento do número de jovens negros em melhores condições de vida se esquece que mais que dobrou o número de presos e mortos diariamente. Esses não entram na conta dos centros de pesquisas governamentais, promovendo o “mito do progresso entre nos negros”, argumenta.
Segundo Becky Pettit, não há desde o começo da década de 1990 aumento no índice de negros que conseguem concluir o ensino médio. Além disso, o padrão de vida também despencou. Além do aumento da pobreza, serviços básicos como alimentação, saúde, gasolina (utilidade considerada fundamental para os norte-americanos) e transportes público estão em preços inacessíveis para muitos negros de baixa renda. Mais de 70% dos moradores de rua são afrodescendentes.
Michelle Alexander, por sua vez, critica o sistema judiciário do país e a truculência que envia em massa às prisões os negros. “Em 2013, vimos o fechamento de centenas de escolas de ensino fundamental em bairros majoritariamente negros. Onde essas crianças vão estudar? É um círculo vicioso que promove a pobreza, distribui leis que criminalizam a pobreza e levam as comunidades de cor para prisão”, critica em entrevista ao jornal LA Progresive.
Foto: Mother Jones Twitter @bet



Egito: a geopolítica por trás dos dias de fúria

Egito: a geopolítica por trás dos dias de fúria

Matéria do Jornal Brasil de Fato

Fundamentalismo, militares e interesses nacionais dos EUA acendem o estopim da guerra civil
 
28/08/2013
 
Achille Lollo
de Roma (Itália)
 
A partir do dia 14 de agosto, a Irmandade Muçulmana intensificou as manifestações nas principais cidades do Egito. Foram mortos 70 policiais, 16 igrejas coptas foram atacadas e vários prédios públicos incendiados.
Em resposta, o governo do general Abdel Fatah al-Sisi restabeleceu “sem equívocos” a ordem pública em todo o país.
No dia 20, o diário Al-Masry Al-Youm informava que, desde o dia 7 haviam morrido 985 pessoas; 4.650 foram feridas e 1.128 continuavam presas. Mesmo assim, os EUA – em nome dos “interesses nacionais” – apoiaram o general al-Sisi, tal como apoiaram Mursi e, antes, Mubarak.
Desta vez a crise egípcia foi representada no Youtube tal como ela é: trágica, assustadora, complexa e, sobretudo, violenta. De fato, o fuzilamento de 27 policiais na região da Península do Sinai por parte de um grupo jihadista; a morte de dois cinegrafistas alvejados por atiradores islâmicos no Cairo e a prisão de quatro jornalistas europeus por parte dos militares que os acusavam de ser iguais aos da Al Jazeera (a emissora do Qatar que manipulou as manifestações na Síria), enterrou de vez as idílicas imagens da revolução popular e democrática egípcia, cujo epicentro foi a Praça Tahir.
Hoje, o Egito, em termos políticos, está à beira de uma guerra civil que, porém, ainda não começou, porque a maioria dos grupos que compõem a Irmandade Muçulmana (os situacionistas) não haviam planejado a “insurreição islâmica”.
Pelo contrário, o objetivo estratégico dos situacionistas previa reforçar o partido“Justiça e Liberdade” para transformar o estado laico em islâmico. Uma complexa operação política e institucional, que faz lembrar o que aconteceu na Turquia e mais recentemente na Tunísia, onde foram utilizados os padrões institucionais da democracia para introduzir os conceitos do estado islâmico centralizado e governado, apenas, por homens dos partidos ligados a Irmandade Muçulmana.
 
Jihad ou democracia?
A imprensa ocidental, por oportunismo ou por mera ignorância, sempre apresentou a Irmandade Muçulmana do Egito como um movimento muito compacto e com poucas frações no seu seio.
Por isso, quando foi criado o partido Justiça e Liberdade, pouquíssimos jornais disseram que esse partido surgia em função da vitória que a maioria “situacionista” havia obtido sobre as tendências extremistas do fundamentalismo islâmico, ou seja, “os jihadistas”. Tendência que, no momento em que começou a “Primavera Árabe” na Praça Tahir, já queria promover um “movimento insurrecional islâmico” contra Mubarak, mobilizando as classes mais baixas de fé muçulmana para as empurrar contra o exército e assim determinar o fim do regime de Mubarak.
Uma estratégia – que segundo o “comandante” da Irmandade, Mohammed Badie – apontava seu sucesso na divulgação midiática do “sacrifício dos mártires” que – em termos políticos – teria permitido aos grupos islâmicos retirarem a direção política do movimento popular dos revolucionários da Praça Tahir, na maioria ligados aos sindicatos progressistas ou aos grupos leigos da sociedade e da esquerda.
Praticamente, para os jihadistas, o fim do regime de Mubarak podia ser a grande ocasião para se apoderar do Estado e, na ênfase libertadora, introduzir de imediato os conceitos e as leis islâmicas.
Uma tática que, em 2011, os situacionistas consideraram aventureira. Infelizmente, em 2013, a possibilidade de reativar a “insurreição islâmica” está na cabeça de grande parte dos líderes da Irmandade Muçulmana e de muitos “situacionistas” do partido “Justiça e Liberdade”, que se convenceram disso, logo após o presidente Mursi ser preso pelo general Abdel Fatah al-Sisi.
É imperativo lembrar que o general Abdel Fatah al-Sisi foi nomeado por Mursi na chefia das Forças Armadas porque há mais de dez anos controlava o Departamento de Segurança e porque o próprio Mursi confiava nele para realizar, em silêncio, as manobras institucionais que ele e o partido Justiça e Liberdade pretendiam implementar para espoliar o novo Estado, com suas características leigas, pluralistas e democráticas.
Portanto, a prisão do presidente Mursi – que o próprio Al-Sisi realizou logo após o golpe – foi o ato político que simbolizou a ruptura da aliança entre as Forças Armadas e a Irmandade Muçulmana, no momento em que Mursi – o primeiro presidente eleito com eleições livres – não só permitiu a dilapidação da economia do país em menos de nove meses, mas liderou o fi m do processo democrático para impor a criação de um estado islâmico centralizado.
Entretanto, o erro principal de Mursi e dos situacionistas da Irmandade Islâmica foi apostar tudo na fidelidade do general Abdel Fatah al-Sisi, e acreditar que os soldados e os oficiais de baixa patente teriam apoiado o processo de “islamização do Estado” somente por ser árabes.
Hoje, as consequências desse erro político dominam todos os debates no seio da Irmandade Muçulmana, que por sua parte não tem saídas políticas. Ou se submete ao novo governo ad interim do general Abdel Fatah al-Sisi, ou vai enfrentar, despreparada militarmente, as Forças Armadas em um clima de guerra civil contra a qual os militares foram treinados durante vinte anos.
Por outro lado, nem todos os muçulmanos – que são 42% da população – apoiam os fundamentalistas islâmicos – que não ultrapassam os 12% – e nem todas as mulheres árabes querem o Estado Islâmico.
O restante, 58% da população (22 milhões), é, em grande parte, representado pelos signatários da campanha “Tamarod” que, em 30 de junho, queriam a destronização do presidente Mursi. Trata-se de uma grande porcentagem da sociedade egípcia historicamente ligada aos setores leigos, católicos-coptas, aos sindicatos, à intelectualidade e à classe média. Enfim, setores que não admitem ser “pisados” e que tem como líder nacional o premiê nobel El-Baradei.
 
Interesses dos EUA
Logo após a deposição de Mursi, o general Abdel Fatah al-Sisi pediu aos países do Golfo (Arábia Saudita, Emirados Unidos, Qatar e Bahrein) para garantir as despesas do Estado egípcio e assim evitar a bancarrota.
Por outro lado, enviou um mensagem a Obama para reafirmar a manutenção dos acordos que o Egito assinou em 1978 em Camp David com Israel, debaixo do monitoramento estadunidense. Na prática isso significa que os EUA devem continuar a depositar, a cada ano, 1,3 bilhões de dólares no banco do Exército egípcio não só para sua formação técnica, mas, sobretudo, para manter o Egito atrelado à geoestratégia (político-diplomática e militar) estadunidense no Oriente Médio.
Um conceito que tem muito a ver com a manutenção dos “Interesses Nacionais” dos EUA e de Israel. De fato, para os EUA é fundamental que o Egito garanta o livre funcionamento do Canal de Suez, onde transita 70% dos navios que transportam o petróleo destinado à Europa e aos próprios EUA. Uma questão que não afeta somente as relações bilaterais entre o Egito e os EUA, mas que é o ponto central do Tratado de Paz com Israel, em função do qual os sionistas se retiraram do Sinai, recebendo em troca o gás da região “à preço de banana” e a livre circulação de navios e aviões militares estadunidenses e israelenses no espaço aéreo e nas águas do Egito.
Além disso, o tratado de Camp David obriga o Exército egípcio a colaborar com o Pentágono, a CIA e o Exército sionista na luta contra os terroristas, que na década de 1970 eram os militantes palestinos do Al-Fatah, FPLP, FDLP – Frentes Democrática e Popular para a Libertação de Palestina – e Comando Geral-FP, enquanto hoje são os homens do Hezbollah, da Al-Qaeda e de outros grupos jihadistas árabes e africanos.
Por isso, o secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-Moon, ao pedir a libertação do presidente Mohammed Morsi, e dos outros dirigentes islâmicos presos, não se atreveu em pedir aos EUA de cortar o financiamento ao Exército egípcio como arma de pressão, porque isso implicaria a ruptura de um módulo geoestratégico que permite aos EUA manter no Oriente Médio uma posição de comando.
É evidente que o presidente Obama, neste momento, vive em dificuldade, porque a legislação estadunidense proíbe financiar exércitos que lideraram golpes de Estado contra presidentes democraticamente eleitos. Porém, muitos analistas acham que para Obama é ainda pior ter apoiado em silêncio um presidente como Morsi, que queria implementar a transformação do Estado democrático egípcio em uma ditadura teocrática.
A propósito, Mustafa Hagazy, –conselheiro estratégico da presidência ad interim do Egito – respondendo às críticas dos senadores estadunidenses John McCain e Lindsey Graham – em uma conferência de imprensa, sublinhou que “o povo egípcio invadiu as ruas no dia 30 de maio contra o presidente Mursi e contra o projeto de instaurar o fascismo teológico e religioso da Irmandade Muçulmana e do próprio Mohammed Morsi. Hoje estamos tentando conter todos aqueles que querem acabar com o Estado leigo, mas também estamos lutando contra aqueles que pretendem usar o terrorismo para acabar com o pluralismo democrático que o povo egípcio conquistou com a queda de Mubarak.”
É evidente que as palavras Hagazy soaram como um importante recado para os EUA e, sobretudo, para Israel. Tanto que o presidente Barack Obama, em sua última nota sobre a crise egípcia, associa a mesma à manutenção dos referidos “interesses nacionais”, que, muito provavelmente, devem ser mantidos para evitar que, após a Líbia, também o Egito fi que refém do caos provocado por um governo islâmico ou que – ainda pior – a atual crise desague em uma guerra civil-religiosa, tal como aconteceu na Síria.
Uma situação que é temida sobretudo pelos governantes de Israel porque no Sinai há trinta grupos jihadistas prontos para entrar em território israelense caso o exército egípcio implemente as medidas de segurança ao longo da fronteira. De fato, não podemos esquecer que a maioria dos atuais líderes da Al-Qaeda são todos antigos militantes da Irmandade Muçulmana do Egito que amargaram as prisões de Mubarak durante muitos anos e que, desde a década de 1970 apostam na Jihad, isto é: a guerra santa contra todos os infiéis.
 
Futuro incerto
No dia 19 de agosto, apesar de o “comandante” da Irmandade Muçulmana, Mohammed Badie, ter desafiado as Forças Armadas chamando os fiéis a manifestar novamente diante da mesquita de Rabaa El Adaweya, em Nasr City (periferia do Cairo), o general Abdel Fatah al-Sisi ao intervir na televisão egípcia disse que no governo “havia lugar para todos”. Uma proposta que para os situacionistas da Irmandade Muçulmana seria a ocasião para voltar no comando do Partido Justiça e Liberdade e, assim negociar a volta deles no governo e na comissão que deverá corrigir a Constituição juntamente com a oposição.
É muito possível, porém, que a antiga maioria situacionista, neste momento, não tenha força para retomar a direção do movimento. Por isso deve rejeitar esta e outras propostas do general Abdel Fatah al-Sisi.
De fato, com o ex-presidente Mursi ainda preso, os situacionistas pagariam um preço político extremamente alto, que pode empurrar as bases populares da Irmandade Muçulmana nos braços dos líderes fundamentalistas e jihadistas. Algo semelhante aconteceu, em 1992, na Argélia dando origem a uma guerra civil desastrosa, marcada pelo ódio religioso e a violência étnica.
 
Achille Lollo é jornalista italiano, correspondente do Brasil de Fato na Itália e editor do programa TV “Quadrante Informativo”.


 

Estados Unidos planejam “ataque humanitário” contra a Síria

Estados Unidos planejam “ataque humanitário” contra a Síria

Matéria do Jornal Brasil de Fato

Assassínio com substâncias químicas que coloca Assad como suspeito principal se assemelha a outras situações criadas para justificar uma guerra
 
27/08/2013

 

Achille Lollo

de Roma (Itália)
 
O presidente Barack Obama concordou com o primeiro-ministro britânico David Cameron no “ataque humanitário contra a Síria para salvar os civis” usando apenas foguetes e aviões que destruiriam toda a infraestrutura militar e civil. Entretanto, Rússia e Irã alertam o Ocidente de que foram os rebeldes que usaram nos arredores de Damasco, capital da Síria, as bombas químicas na véspera da chegada dos inspetores das Nações Unidas.
As dramáticas imagens gravadas pelos rebeldes no dia 21 de agosto após o ataque do exército sírio contra as últimas posições do Exército Livre Sírio (ELS), em Goutha, na periferia de Damasco e, em seguida, divulgadas na rede e, sobretudo, nos sites dos jornais europeus e estadunidenses pelo Observatório Humanitário Sírio, sediado em Londres, provocaram nas chancelarias europeias e na Casa Branca o efeito desejado: repetir a “Operação Kosovo” permitindo à OTAN substituir a ONU. Isto é, atacar e destruir a Síria, tal como foi feito em 1999 com a Iugoslávia, o Iraque e, por último, a Líbia e o Mali.
O presidente Barack Obama – que em 1989 foi um dos poucos que votaram contra a invasão no Iraque para procurar as armas químicas de Saddam Hussein – bem como uma boa parte de seus colaboradores, no dia 24 de agosto, ainda não se havia manifestado a favor do ataque. O Secretário da Defesa Chuck Hagel admitiu que os EUA esperavam a resposta dos fiscais da ONU e que por isso respeitariam as leis internacionais.
Em resposta às acusações dos ministros das Relações Exteriores francês e britânico, Lorens Fabious e William Hague, o presidente sírio, Bashar el-Assad sublinhou que “tais acusações são uma ultraje ao bom senso, uma vez que as mesmas respondem a precisas motivações políticas que visam reverter a conjuntura logo após as contínuas vitórias que as forças armadas do governo sírio estão alcançando contra os terroristas”.
De fato, a partir do mês de maio o exército sírio registrou concretas vitórias em toda a região leste e ao longo da fronteira com o Líbano, liberando as importantes cidades de Qasr, Alepo e Homs. A seguir, concentrou sua ofensiva na periferia de Damasco – precisamente nos bairros de Jobar, de Zamalkana, de Goutha, e na cidade de Muaddamiya – onde os rebeldes do ESL criaram fortes bases graças ao contínuo abastecimento de armas e homens vindos da vizinha Jordânia.
A partir desse momento, os serviços de inteligência sionistas, e depois os turcos, veicularam na imprensa britânica e francesa relatórios “confidenciais”, segundo os quais o exército sírio estaria preparando um grande ataque usando as armas químicas.
No dia 24 de agosto, o general estadunidense Martin Dempsey e o britânico Sir Nick Houghton convocavam na capital da Jordânia, Amã, a “Cúpula Militar dos 10 países que sustentam a Oposição síria” (nomeadamente EUA, Grã-Bretanha, França, Alemanha, Canadá, Itália, Turquia, Jordânia, Arábia Saudita e Qatar). Nessa reunião ficou decidido que o uso das armas químicas por parte do exército sírio dava aos países da OTAN a possibilidade de tomar a iniciativa para destruir com foguetes e bombardeios aéreos o exército de Bashar el-Assad permitindo, assim, o avanço triunfal dos rebeldes na capital.
Por sua parte, Turquia e França – no caso dos EUA decidirem esperar pela decisão da ONU – manifestaram a intenção de participar numa outra possível frente na qual os países do Golfo (Arábia Saudita, Emirados Unidos, Bahrein e Qatar) estariam dispostos a criar e, sobretudo, financiar.
Finalmente, no dia 25 de agosto, quando o governo da Síria aceitou que a comissão de inspetores da ONU investigasse os locais onde houve a explosão de bombas químicas e também averiguasse o túnel onde os rebeldes haviam construído para esconder vários barris com gás nervino, aconteceu a incrível reviravolta do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama.
 
Casus bellis
Na manhã do dia 26, Obama fez uma breve aparição na TV para dizer que havia falado 40 minutos com o primeiro ministro britânico David Cameron e que concordava com ele em intervir duramente contra o regime de Bashar el-Assad, apesar de esse governo ter permitido a chegada dos fiscais da ONU.
Ou seja, segundo Obama e Cameron, o regime sírio seria o único responsável pela explosão das bombas químicas em Goutha e por isso os EUA estariam avaliando a possibilidade de realizar um “ataque humanitário apenas com foguetes, aviões e navios como foi feito no Kosovo”.
O conhecido professor Charles Kupchan, que na Universidade de Georgetown ensina Relações Internacionais e é um “expert” no Council on Foreign Relations sobre Estratégia e Política Exterior dos EUA, logo após a reviravolta de Barack Obama, declarou ao jornal italiano La Repubblica que “não podemos confiar totalmente nos rebeldes. Por outro lado, mesmo se o regime sírio for punido segundo o modelo operativo semelhante à Operação Kossovo, não vai funcionar na Síria”.
Entretanto, às 20h do dia 26 de agosto, o secretário do Departamento de Estado, John Kerry, convocava uma conferência de imprensa declarando sumariamente: “Não podemos esperar as decisões dos fiscais da ONU que estão em Damasco e que nada dirão, visto que os efeitos do gás nervino desaparecem após três dias. Por isso, avaliamos que as informações de nossos serviços e de outros países são suficientes para dizer que os EUA darão uma resposta exemplar ao regime de Bashar el-Assad”.
Após Charles Kupchan, outra voz “independente” a se levantar na mídia, o britânico Gwyn Winfield, notório conhecedor de armas químicas e chefe da Falcon Comunications, declarou ao jornal italiano La Repubblica: “O ataque com substâncias químicas parece um casus belli artisticamente criado para justificar uma escalada de ataques militares contra a Síria, tal como aconteceu em 1964 quando foi provocada a intervenção estadunidense no Vietnã. De fato, é muito difícil acreditar que o regime de Bashar el-Assad realize uma ofensiva com esse material ao mesmo tempo em que chegam os fiscais em Damasco para averiguar se o exército sírio estaria usando as armas químicas. Então, por que o regime deveria fazer algo que certamente o iria prejudicar?”.
As intervenções de Charles Kupchan e de Gwyn Winfield não provocaram efeitos dissuasivos nas chancelarias dos países da OTAN, que após a intervenção na TV do secretário de Estado John Kerry, memorizaram o roteiro belicista dos EUA, manifestando sua participação na nova “guerra humanitária da OTAN”.
Achille Lollo é jornalista italiano, correspondente do Brasil de Fato na Itália e editor do programa TV “Quadrante Informativo”.

Rússia, China e Irã se opõem à guerra contra a Síria

Rússia, China e Irã se opõem à guerra contra a Síria

Matéria do Jornal Brasil de Fato

Líderes alertam para “graves consequências” caso Estados Unidos e Europa ataquem a Síria sem provas de que ataque químico ocorrera a mando de Assad
 
27/08/2013
 
Achille Lollo,
de Roma (Itália)
 
A intervenção militar da OTAN contra a Síria, mesmo se limitada ao lançamento de foguetes dos navios e dos submarinos, aos bombardeios ditos “cirúrgicos” dos F-16 e aos ataques com aviões sem pilotos (os drones telecomandados), provocou uma dura reação no Kremlin por parte do presidente Vladimir Putin e do governo russo que não admitem mais outras “guerra humanitárias da OTAN” contra países aliados ou amigos da Rússia, tal como aconteceu com a Iugoslávia em 1999.
Por isso, o ministro das Relações Exteriores Sergei Lavrov, após ter conversado por telefone com o secretário de Estado dos EUA John kerry publicamente advertiu que “se a hipótese de ataque militar à Síria for efetivado haverá consequências muitos graves, uma vez que o Ocidente acusa a Síria sem ter provas deste país ter feito uso de armas químicas. Por outro lado, uma intervenção militar sem a aprovação do Conselho de Segurança das Nações Unidas seria uma grave violação do direito internacional.”
Depois, tentando esfriar a situação, Sergei Lavrov sublinhou que conversou novamente com John Kerry, o qual “prometeu fazer uma nova avaliação dos argumentos que estão empurrando os EUA para uma intervenção militar.”
Fato é que as palavras de Lavrov devem ter tocado algumas questões estratégicas importantes. Tanto que o mesmo presidente Barack Obama, no dia 26, disse que precisava de mais 48 horas para decidir se os EUA vão apoiar o projeto da Grã-Bretanha e da França, que juntos atacariam a Síria, “com uma guerra humanitária para salvar os civis, como foi feito no Kosovo”, nos próximos dez dias.
A China também, que no Conselho de Segurança, juntamente com a Rússia, havia votado o envio de uma comissão de fiscais da ONU para realizar uma profunda análise do que aconteceu em Goutha, tomou posição contrária à “guerra humanitária” da OTAN. Wang Yi, ministro das Relações Exteriores, alertou os países ocidentais pedindo “mais cautela em julgar os elementos da crise na Síria, uma vez que quando se fala de armas químicas todas as partes deveriam ser questionadas” e de que é preciso resolver a questão síria por meio de uma solução política.
A advertência do ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, se refere, antes de tudo, à Conferência que a Rússia pretende realizar com os EUA e outros países para debater uma real e possível solução política para a crise síria, visto que a guerra civil entrou no terceiro ano.
O Irã também advertiu os Estados Unidos por meio de uma intervenção na TV iraniana do comandante das Forças Armadas, Massoud Jazayery, que sem os meios termos da linguagem diplomática logo afirmou: “Os Estados Unidos conhecem as limitações da linha vermelha na frente síria. Se Washington vai violar essas limitações, então a Casa Branca vai sofrer sérias consequências por tê-lo feito.”
Advertências políticas que devem ter deixado o presidente Barack Obama ainda mais confuso porque o que agora está em jogo não é somente a queda do regime de Bashar el-Assad, mas, quem irá sucedê-lo. De fato, os grupos salafitas e jihadistas sírios – todos ligados à Al Qaeda – monopolizam a resistência armada, enquanto os homens do ESL ficaram famosos em gerenciar os campos de refugiados no exterior no lugar de combater no interior da Síria.
 
Achille Lollo é jornalista italiano, correspondente do Brasil de Fato na Itália e editor do programa TV “Quadrante Informativo”.

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Vergonha Nacional: Médicos Brasileiros vaiam médicos cubanos

Vergonha Nacional: Médicos Brasileiros vaiam médicos cubanos

Márcia D`Angelo


Agora e tão somente por esse fato específico TENHO VERGONHA de ser brasileira.OS MÉDICOS BRASILEIROS ESTÃO VAIANDO OS MÉDICOS CUBANOS QUE ESTÃO CHEGANDO AO BRASIL PARA CUIDAR DE NOSSA POPULAÇÃO. OS MÉDICOS BRASILEIROS COM ESSA ATITUDE E MENTALIDADE DEVERIAM SER PRESOS POR RACISMO, XENOFOBIA, DISCRIMINAÇÃO E FALTA DE ÉTICA. É UMA VERGONHA NACIONAL, UMA DAS MAIORES DA HISTÓRIA. PEÇO DESCULPAS AOS MÉDICOS E AO GOVERNO CUBANO E À  POPULAÇÃO CUBANA. OS MÉDICOS BRASILEIROS SÃO EMPEDERNIDOS MESMO, MAS FICA AQUI O ALERTA: NOSSA POPULAÇÃO SERÁ MUITO BEM TRATADA PELOS NOSSOS IRMÃOS CUBANOS. É ESSE O MEDO DOS DOUTORES CRMS. Os médicos brasileiros brancos bem nascidos que desprezam a população brasileira não querem a presença da medicina cubana que é reconhecida pela Organização Mundial de Saúde como a melhor e mais competente do mundo, a excelência da medicina preventiva.  Seriam muito justas e bem vindas  manifestações de rua da população brasileira apoiando o modelo cubano de medicina e ridicularizando a xenofobia, a discriminação e o racismo dos médicos brasileiros.

Os médicos brasileiros estão fazendo reserva de mercado, já que aumentando o número de profissionais da medicina o salário pode se desvalorizar, na cabeça capitalista dos doutores crms. Eles estão com medo porque a medicina preventiva é um sucesso total criado por Che Guevara para uma Cuba pós revolução quase  sem médicos. É uma revolução na medicina que conquista todos os países em que é implementada. É já uma experiência socialista vitoriosa. Esse modelo de medicina gera resistência dos médicos acostumados a fazer da medicina uma fonte de lucros  e status apenas. Cuba tem o maior número de médicos per capita do mundo e que convive com a população diariamente para cuidar das suas demandas locais.

Quem são e o que pensam os médicos cubanos

Quem são e o que pensam os médicos cubanos

Matéria do Jornal Brasil de Fato

Os primeiros profissionais a pisarem em solo brasileiro têm entre 41 e 50 anos, pós-graduação concluída e experiência em zonas de conflito ou de países com baixo IDH na América Latina, África e Ásia
27/08/2013
Luiz Carlos Pinto
da Carta Maior
Millar Castillo, Milagros Gardenas, Natasha Sanches, Wilma Salmora Louis, Rodovaldo Santos e até um Nelson Rodrigues. Os primeiros profissionais da saúde cubanos a pisar em solo brasileiro para trabalhar no programa Mais Médicos, do governo federal, possuem um perfil muito definido.
Os médicos que atenderão amplas parcelas da população pobre brasileira têm entre 41 e 50 anos, possuem filhos adultos empregados ou fazendo algum curso superior em uma das instituições de ensino cubanas, mais de 16 anos de carreira médica, mestrado ou pós-graduação concluídos – inclusive na área de administração hospitalar –, experiência em zonas de conflito ou de países com baixos índices de desenvolvimento humano (IDH) na América Latina, África e Ásia.
São características de um perfil que também contraria certa expectativa por médicos jovens, filhos ou netos de outros profissionais da saúde – uma tradição presente na cultura brasileira, por exemplo. Nenhum dos doutores com os quais Carta Maior conversou é filho ou neto de médicos.

Esse é o perfil dos médicos cubanos que atenderão à maior parte dos 701 municípios que não despertaram interesse de médicos brasileiros ou de outras nacionalidades. O que também chama a atenção é a variedade das localidades de onde os cubanos são originários – nenhum dos seis entrevistados (de um total de 96 que ficam acomodados nas próximas duas semanas em Recife) é da mesma cidade ou província. Assim, se pode intuir como a formação médica na ilha atinge de forma mais homogênea moradores do país, o que é fator de distribuição do atendimento, mesmo nas regiões distantes da capital Havana.

Um ideal que o modelo brasileiro, por circunstâncias naturais (grandes distâncias), mas principalmente por determinações históricas, ainda está longe de ser alcançado. Os locais onde atuarão os médicos de Cuba têm os piores índices de desenvolvimento humano do país – IDH muito baixo e baixo, segundo PNUD –, e 84% estão no interior do norte e nordeste, em regiões com 20% ou mais de sua população vivendo em situação de extrema pobreza.

Bandeira na mão
Durante todo o tempo em que permaneceu no aeroporto de Recife para a entrevista coletiva com a imprensa, no último sábado (23), a médica da família Milagres Cardena (24 anos de profissão) não soltou a bandeira de um metro e meio por 50 cm de seu país, que trazia estendida à frente do corpo por onde passasse.
Na mão esquerda, segurava uma bandeirola do Brasil, e tinha na ponta da língua uma afirmação que parece condensar o sentimento comum dos colegas de vôo. “Viemos para ajudar, colaborar, complementar, aprender com os médicos brasileiros no atendimento básico da população carente desse grande país”.

Quando perguntada se se sentia explorada, como sugerem setores liberais da imprensa brasileira, por não receber diretamente o salário pago pelo governo brasileiro, a resposta gentil e segura foi dada por outro colega da senhora Cardena, a seu lado. “Não estamos aqui para ganhar dinheiro. Nossa missão é humanitária, estamos aqui por solidariedade”, afirmava Nelson Rodrigues.

A colocação, endossada pelos companheiros, era reforçada pelo entendimento de que essa ação faz parte de uma relação entre nações. O nacionalismo, aliás, é um elemento presente na fala de todos os médicos entrevistados.

A afirmação deu o tom das primeiras reportagens baseadas na entrevista coletiva publicadas nos jornais do domingo (25). Mas o mesmo questionamento sobre a forma de pagamento e a possibilidade de serem explorados voltaria à pauta na entrevista, quando mais uma grupo com 66 médicos cubanos desembarcou no Recife.

A frase do médico, 45 anos, 21 anos de profissão, expressa o que parece ser um elemento comum e poderoso do perfil do profissional da saúde formado na escola cubana. “A base de nossa formação é humanista. É esse o caráter de nossa formação. A atenção ao indivíduo como forma de tratá-lo como ser humano integral é um elemento forte em qualquer processo de cura”. Tendo passado por programas semelhantes no Haiti e Venezuela, o médico reiterava a experiência de todos os médicos de Cuba que chegam ao Brasil: a atuação em países com baixos níveis de IDH e comumente em más condições de trabalho.

“Mas sabemos que o seu país é grande, com grandes recursos humanos e econômicos”, lembrava Natasha Romero Sanches, epidemiologista nascida em Pillar del Rio, a província mais a oeste de Havana. A frase solta, quase displicentemente, pareceu ter um alvo bem claro: a ideia plasmada de que as condições de trabalho dos profissionais da saúde no Brasil é ruim, natural e indefinidamente – o que acomoda as possibilidades e espaços de reivindicação por melhores condições de atendimento nas unidades de saúde.

Filha de um oficial russo e de uma cubana, Natasha, 22 anos de profissão, também segurava sua bandeirola brasileira. Usava brincos verdes compridos, que o jaleco alvíssimo evidenciava – todos os médicos cubanos, aliás, diferentemente de espanhóis, argentinos e portugueses, viajam a caráter. E a saudade de casa, como fica? “Meu filho é um adulto, está terminando o curso de medicina em Havana, onde moram meus pais – eu moro em minha província. Todos são saudáveis e estão bem, não há ruptura ou trauma no afastamento. Isso não é novo, pois todos já estivemos trabalhando em outros países”, afirmava entre um sorriso e outro.

“Meus filhos já estão todos criados, emendava Milagres Gardenas, que com experiência médica no Paquistão, Honduras e Colômbia é uma das mais experientes do primeiro grupo a chegar ao Brasil. “Essa iniciativa do governo brasileiro é muito positiva. Penso que todos vão sair ganhando. Vamos aprender com nossos colegas brasileiros. O mesmo temos feito em países com situações muito problemáticas, na Ásia e na América Latina. Penso que isso será benéfico para o povo pobre que requer atenção médica e atenção primária adequadas. Vamos trata-los e fazer todo o possível. O mesmo fizemos em outros lugares”.

Dificuldades econômicas - Quando perguntados se as dificuldades econômicas do Estado cubano prejudicam a formação dos médicos no país caribenho, a resposta – “Cuba hoje forma médicos de todo o mundo” – é acompanhada de um complemento. “Nosso país tem uma situação difícil, mas nós compartilhamos o que temos. Penso que isso, como o povo brasileiro, vai ser sumamente positivo, vitorioso”, complementava Nelson Rodrigues.

O ponto de vista foi reforçado por Wilma Salmora Louis, que no domingo explicava como via os reflexos das medidas liberalizantes que vem sendo implementadas por Raul Castro. “Não acredito que essas medidas vão intensificar a diferença social entre as classes em meu país. São medidas muito aguardadas no mundo todo, e que precisam ser tomadas para mudar o que está mal em Cuba”, disse.
“São medidas para melhorar os indicadores da população cubana”, complementou. Com mestrado em gestão hospitalar – 20% dos médicos cubanos do Programa Mais Médicos têm algum tipo de pós-graduação), Wilma Salmora já é uma conhecida do Brasil. Esteve trabalhando no Estado do Tocantins entre 2001 e 2002. Com 45 anos, 23 deles dedicados à medicina, tem dois filhos. “Um deles é professor e vai começar a ensinar no próximo mês; o outro é técnico em computação”, afirma.

Um outro ponto em comum de todos os médicos entrevistados é a admiração ao povo brasileiro e a expectativa em serem bem tratados. “Falem para o povo brasileiro que nós viemos ajudar. E que confiem nos médicos cubanos”, dizia Wilma Salmora. “As críticas que as entidades médicas locais têm feito não nos preocupam. Acho que teremos uma relação positiva com o Brasil e continuaremos a ter, pois viemos para trabalhar juntos”, disse.
Foto: Talles Reis

Agenda apresenta lutas e revoluções populares na América Latina

Agenda apresenta lutas e revoluções populares na América Latina

Matéria do Jornal Brasil de Fato

Produzida pelo NPC, publicação resgata as dores e alegrias do povo que constrói a história da nação latino-americana
 
30/08/2013

 

da Redação
 
O Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC) lançará, neste domingo (1º), a Agenda NPC 2014, que trará, em suas páginas, o relato das lutas dos povos da Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Cuba, Equador, El Salvador, Guatemala, Haiti, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Porto Rico, República Dominicana, Uruguai e outros. O lançamento será às 9 horas no Cinema Odeon BR, na Cinelândia, Rio de Janeiro.
Fruto de uma intensa pesquisa feita a muitas mãos e coordenada pelo NPC, a publicação mostra para o leitor o quanto o povo da América Latina foi expropriado, mas também como mulheres e homens da imensa nação latino-americana reagiram. Como afirma a coordenadora do NPC, Claudia Santiago, “estas lutas estão expressas em levantes populares, greves, rebeliões, e também através da literatura, da música e da pintura”.
“Essa história é feita de muitas guerras e massacres, mas também é uma verdadeira aula de resistência e de organização”, aponta o coordenador do Núcleo e da Agenda NPC 2014, Vito Giannotti. “Decidimos reunir e publicar parte desta história para contribuir com o conhecimento sobre o que aconteceu nos últimos séculos e fortalecer o sentimento de integração latino-americana”, explica.
Além das notícias diárias, na abertura de cada mês a Agenda NPC 2014 apresenta textos sobre acontecimentos que marcaram a nosso continente, como a Revolução Cubana, a Insurreição do Haiti, e sobre os Zapatistas, as Mães da Praça de Maio, os Tupamaros e a resistência à ditadura uruguaia, as Jornadas de Junho do Brasil e outros movimentos. A publicação traz ainda personagens que se dedicaram à valorização das tradições e à denúncia das enormes injustiças sociais, como Frida Kahlo, Violeta Parra, Victor Jara, Mercedes Sosa e Gabriel García Márquez.
A agenda será disponibilizada para venda a partir da segunda-feira (2) na Livraria Antonio Gramsci, no centro do Rio de Janeiro, e também pela internet (www.livrariagramsci.com.br). (com informações do NPC)
 
<Serviço>
Núcleo Piratininga de Comunicação | Livraria Antonio Gramsci
Agenda 2014 – Lutas e revoluções populares na América Latina nos séculos XIX, XX e XXI
Preço: R$ 25 (unidade)
Contatos: (21) 22205618 | 22204895
npiratininga@piratininga.org.br
www.piratininga.org.br
www.livrariagramsci.com.br

Globo censura repórter que elogia medicina de Cuba

http://www.conversaafiada.com.br/pig/2013/08/29/globo-censura-reporter-que-elogia-medicina-de-cuba/

GLOBO CENSURA REPÓRTER QUE ELOGIA MEDICINA DE CUBA

Publicado em 29/08/2013
http://www.conversaafiada.com.br/pig/2013/08/29/globo-censura-reporter-que-elogia-medicina-de-cuba/
Matéria do Conversa Afiada

GLOBO CENSURA REPÓRTER
QUE ELOGIA MEDICINA DE CUBA

Site da GloboNews prefere a Tacanhêde… Qual a novidade ?

Pontual: problema do Dr CRM é com o Che Guevara ...

Navegante do Tijolaço recupera destemida intervenção de Jorge Pontual, da Globo Overseas, em Nova York.

Não vai durar muito lá …

Quem manda dizer que a medicina em Cuba, comunitária, preventiva, resulta em  índices melhores que os americanos …

O Gilberto Freire com “i” (*) jamais o perdoará !

Quem vai longe na Globo Overseas é a Tancanhêde.

Já, já assume o “Entre Caspas”.

GLOBONEWS “APAGA” PONTUAL E DEIXA SÓ CANTANHÊDE FALAR DE CUBA


O internauta que visitar a página do programa Em Pauta, da Globonews, só vai ouvir falando sobre a questão dos médicos de Cuba a comentarista Eliane Cantanhêde que, claro, desce a lenha no governo cubano, que vai se loucupletar co o trabalho daqueles pobres escravos.

Claro, a colunista da massa cheirosa, não podendo fazer outra coisa, entra na linha dos “pobres cubanos”, caçados a laço para estudar medicina e mandados sob chIcote, em aviões negreiros, para trabalhos forçados no Brasil.

Não puseram um segundinho do jornalista Jorge Pontual que, em lugar de ficar de chororô, prefere falar de como renasceu e com que características se desenvolveu a liderança de Cuba em atenção médica, que faz com que uma pequena ilha possa estar mandando médicos para um país enorme como o Brasil.

Pontual não vai ao ar na página da GloboNews, mas vai aqui, porque o internauta Felix Rigoli gravou e colocou no YouTube, de onde fomos pegar para colocar no Tijolaço. Vale a pena porque são três minutos de boa informação, com dados e explicações sobre o tema, em lugar de politicagem hipócrita sobre os médicos.

A gente posta aí embaixo o que a GloboNews sonegou na internet.
Diante da repercussão negativa, o canal da GloboNews, publicou no inicio da noite o vídeo do jornalista Jorge Pontual. Menos mal, que continue assim.


(*) Ali Kamel, o mais poderoso diretor de jornalismo da história da Globo (o ansioso blogueiro trabalhou com os outros três), deu-se de antropólogo e sociólogo com o livro “Não somos racistas”, onde propõe que o Brasil não tem maioria negra. Por isso, aqui, é conhecido como o Gilberto Freire com “ï”. Conta-se que, um dia, D. Madalena, em Apipucos, admoestou o Mestre: Gilberto, essa carta está há muito tempo em cima da tua mesa e você não abre. Não é para mim, Madalena, respondeu o Mestre, carinhosamente. É para um Gilberto Freire com “i”.

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A importância da imaginação pós-capitalista.

NOTÍCIAS » Notícias
Quarta, 28 de agosto de 2013

A importância da imaginação pós-capitalista. 

Entrevista com DAVID HARVEY
Da habitação aos salários, David Harvey diz que examinar as contradições do capitalismo pode apontar o caminho para 
um mundo alternativo.
A reportagem é de Ronan Burtenshaw e Aubrey Robinson, publicada no sítio Red
Pepper, 22-08-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Há cinco anos no próximo mês, a Lehman Brothers pediu a maior falência da história
dos Estados Unidos. O seu colapso apontou para o início da Grande Recessão –
a mais substancial crise histórica mundial do capitalismo desde a Segunda Guerra
Mundial. Como devemos entender os fundamentos desse sistema agora em crise?
E, à medida que ele trava guerra contra as pessoas que trabalham sob o pretexto da
austeridade, como podemos imaginar um mundo para além dele?
Poucos foram tão influentes em responder a essas perguntas quanto o geógrafo marxista
David Harvey.
Eis a entrevista.
Você está trabalhando em um novo livro neste momento, The Seventeen
Contradictions of Capitalism [As 17 contradições do capitalismo]. Por que o foco
nas suas contradições?
A análise do capitalismo sugere que há contradições significativas e fundamentais.
Periodicamente, essas contradições saem do controle e geram uma crise. Nós
acabamos de passar por uma crise, e eu acho que é importante perguntar quais foram
as contradições que nos levaram a isso. Como podemos analisar a crise em termos de
contradições? Um dos grandes ditados de Marx era que a crise é sempre o resultado das
contradições subjacentes. Portanto, temos que lidar com elas em si mesmas, ao invés de lidar com os seus resultados.
Uma das contradições em que você se foca é entre o uso e o valor de troca de uma
mercadoria. Por que essa contradição é tão fundamental para o capitalismo, e por
que você usa a habitação para ilustrá-la?
Todas as mercadorias devem ser entendidas como tendo um valor de uso e um valor de
troca. Se eu tenho um bife, o valor de uso é que eu posso comê-lo, e o valor de troca é
o quanto eu tive que pagar por ele. Mas a habitação é muito interessante, nesse sentido,
porque, como um valor de uso, você pode entendê-la como abrigo, privacidade, um
mundo de relações afetivas com as pessoas, uma grande lista de coisas para as quais
você usa uma casa.
Mas depois há a questão de como você consegue essa casa. Antigamente, as casas
eram construídas pelas próprias pessoas, e não havia absolutamente nenhum valor de
troca. Depois, a partir do século XVIII, você tem a construção de casas especulativa – os
terraços georgianos que eram construídos e vendidos posteriormente. Assim, as casas se
tornaram valores de troca para os consumidores na forma de poupança. Se eu comprar
uma casa e pagar a hipoteca sobre ela, eu posso acabar como proprietário da casa.
Então, eu tenho um bem. Por isso, eu passo a ficar muito preocupado com a natureza do
bem. Isso gera políticas interessantes – "não no meu quintal", "eu não quero que pessoas
que não se parecem comigo se mudem para o meu lado". Então, você começa a ter a
segregação nos mercados da habitação, porque as pessoas querem proteger o valor das
suas poupanças.
Assim, cerca de 30 anos atrás, as pessoas começaram a usar a habitação como uma
forma de ganho especulativo. Você podia comprar uma casa e 'virá-la' – você compra
uma casa por 200 mil livras e depois de um ano você recebe 250 mil libras por ela. Você
ganhou 50 mil libras. Então, porque não fazê-lo? O valor de troca assume o comando. E
assim você tem esse boom especulativo. No ano 2000, depois do colapso dos mercados
acionários globais, o capital excedente começou a fluir para a habitação. É um tipo
interessante de mercado. Se eu comprar uma casa, então os preços da habitação sobem,
e você diz: "Os preços da habitação estão subindo, eu deveria comprar uma casa".
E, então, aparecem outras pessoas. Você tem uma bolha imobiliária. As pessoas são
atraídas, e ela explode. Então, de repente, muitas pessoas descobrem que não podem
mais ter o valor de uso do imóvel, porque o sistema de valor de troca o destruiu.
Isso levanta a questão: é uma boa ideia permitir que o valor de uso na habitação, que é
crucial para as pessoas, seja definido por um sistema de valor de troca louco? Esse não
é apenas um problema com a habitação, mas também com coisas como a educação e
a saúde. Em muitos deles, nós ativamos a dinâmica do valor de troca na teoria de que ele vai fornecer o valor de uso, mas, frequentemente, o que ele faz é estragar os valores
de uso, e as pessoas acabam não recebendo bons cuidados de saúde, educação ou
habitação. É por isso que eu acho muito importante olhar para a distinção entre o valor de
uso e o valor de troca.
Outra contradição que você descreve envolve um processo de mudança ao longo
do tempo entre as ênfases do lado da oferta sobre a produção e as ênfases do lado
da demanda sobre o consumo no capitalismo. Você pode falar sobre como isso se
manifestou no século XX e por que isso é tão importante?
Uma das grandes questões é manter uma demanda de mercado adequada para que você
possa absorver o que quer que o capital esteja produzindo. A outra é criar as condições
sob as quais o capital pode produzir de forma lucrativa. Essas condições de produção
rentável geralmente significam suprimir trabalho. Na medida em que você se envolve na
repressão salarial – pagando salários cada vez mais baixos –, a taxa de lucro sobe.
Assim, do lado da produção, você quer esmagar o trabalho o máximo que você puder.
Isso lhe dá lucros elevados. Mas então surge a pergunta: quem vai comprar o produto?
Se o trabalho for espremido, onde fica o seu mercado? Se você esmaga o trabalho
demais, você acaba em uma crise, porque não há demanda suficiente no mercado para
absorver o produto.
Foi interpretado amplamente depois de um tempo que o problema da crise da década de
1930 foi a falta de demanda. Houve, portanto, uma mudança para investimentos liderados
pelo Estado na construção de novas estradas, o WPA [a agência Works Progress
Administration de obras públicas sob o New Deal] e tudo isso. Eles disseram: "Vamos
revitalizar a economia pela demanda financiada pela dívida" e, ao fazer isso, voltaram-se
para a teoria keynesiana.
Então, você sai dos anos 1930 com uma capacidade muito forte para gerir a demanda
com muito envolvimento do Estado na economia. Como resultado disso, você tem taxas
de crescimento muito elevadas, mas as altas taxas de crescimento são acompanhadas
por um empoderamento da classe trabalhadora com salários em ascensão e sindicatos
mais fortes. Sindicatos fortes e altos salários significam que a taxa de lucro começa a cair.
O capital está em crise porque não está reprimindo o trabalho o suficiente, e por isso que
tem a virada.
Nos anos 1970, eles se voltaram para Milton Friedman e para a Escola de Chicago,
que se tornou dominante na teoria econômica, e as pessoas começaram a prestar
atenção no lado da oferta – particularmente os salários. Você tem a repressão dos
salários, que começa nos anos 1970. Ronald Reagan ataca os controladores do tráfego aéreo, Margaret Thatcher vai atrás dos mineiros, Pinochet mata as pessoas de
esquerda. Você tem um ataque contra o trabalho – o que aumenta a taxa de lucro.
Quando você chega aos anos 1980, a taxa de lucro tem um salto, porque os salários
estão sendo reprimidos, e o capital está indo bem. Mas aí vem o problema de onde você
vai vender as coisas. Nos anos 1990, isso realmente coberto pela economia da dívida.
Você começa a incentivar as pessoas a pedir muitos empréstimos – você começa a criar
uma economia do cartão de crédito e uma economia financiada em altas hipotecas na
habitação. Isso cobria o fato de que não havia demanda real lá fora.
Mas, no fim, isso explode em 2007-2008. O capital tem esta pergunta: "Você trabalha do
lado da oferta ou do lado da demanda?". A minha visão de um mundo anticapitalista é que
você deve unificar isso. Devemos voltar ao valor de uso. Que valores de uso as pessoas
precisam e como podemos organizar a produção de forma a que ela corresponda a eles?
Parece que estamos em uma crise do lado da oferta, e mesmo assim a austeridade
é uma tentativa de encontrar uma solução do lado da oferta. Como podemos
conciliar isso?
Você tem que diferenciar entre os interesses do capitalismo como um todo e o que é
especificamente de interesse da classe capitalista, ou de uma parte dela. Durante essa
crise, grosso modo, a classe capitalista se saiu muito bem. Alguns deles se queimaram,
mas, na maior parte, eles se saíram extremamente bem. De acordo com estudos recentes
de países da OCDE, a desigualdade social aumentou muito significativamente desde o
início da crise, o que significa que os benefícios da crise foram fluindo para as classes
mais altas.
Em outras palavras, eles não querem sair da crise porque estão se saindo muito bem com
isso. A população como um todo está sofrendo, o capitalismo como um todo não está
saudável, mas a classe capitalista – particularmente uma oligarquia dentro dela – tem
se saído extremamente bem. Há muitas situações em que os capitalistas individuais que
operam em seus próprios interesses de classe realmente podem fazer coisas que são
muito prejudiciais para o sistema capitalista como um todo. Eu acho que estamos nesse
tipo de situação agora.
Você já disse muitas vezes recentemente que uma das coisas que deveríamos
fazer na esquerda é envolver a nossa imaginação pós-capitalista, começando por
fazer a pergunta sobre como seria um mundo pós-capitalista. Por que isso é tão
importante? E, na sua opinião, como seria um mundo pós-capitalista?
Isso é importante porque tem sido martelado nas nossas cabeças por um considerável
período de tempo que não há alternativa. Uma das primeiras coisas que temos que fazer é pensar na alternativa a fim de avançar rumo à sua criação. A esquerda se tornou tão
cúmplice com o neoliberalismo que você realmente não pode distinguir os seus partidos
políticos dos da direita, exceto em questões nacionais ou sociais. Na economia política,
não há muita diferença.
Temos que encontrar uma economia política alternativa para a forma como o capitalismo
funciona, e existem alguns princípios. É por isso que as contradições são interessantes.
Você olha para cada um delas, como, por exemplo, a contradição entre o valor de uso
e de troca, e diz: "O mundo alternativo seria aquele em que nós definimos os valores de
uso". Então, nós nos concentramos nesses valores de uso e tentamos diminuir o papel
dos valores de troca. Ou na questão monetária – precisamos de dinheiro para circular
mercadorias, não há dúvida sobre isso. Mas o problema com o dinheiro é que ele pode
ser apropriado por pessoas privadas. Ele se torna uma forma de poder pessoal e, depois,
um desejo fetichista. As pessoas mobilizam as suas vidas ao redor da busca desse
dinheiro, mesmo quando ninguém sabe que ele existe.
Então, nós temos que mudar o sistema monetário – seja cobrando imposto de quaisquer
excedentes que as pessoas estejam começando a obter, seja chegando a um sistema
monetário que se dissolva e não possa ser armazenado, como as milhas aéreas. Mas, a
fim de fazer isso, você também tem que superar a dicotomia entre propriedade privada e
Estado e chegar a um regime de propriedade comum. E, em um certo ponto, você precisa
gerar uma renda básica para as pessoas, porque, se você tem uma forma de dinheiro
que seja antipoupança, então você precisa dar garantias às pessoas.
Você precisa dizer: "Você não precisa economizar para um dia ruim, porque você sempre
vai receber essa renda básica, não importa o quê". Você tem que dar às pessoas essa
segurança, em vez das economias privadas e pessoais. Alterando cada uma dessas
coisas contraditórias, você chega a um tipo diferente de sociedade, que é muito mais
racional do que a que temos. O que está acontecendo exatamente agora é que nós
produzimos coisas e depois tentamos persuadir os consumidores a consumir tudo o que
produzimos, independentemente se eles realmente querem ou precisam disso. Enquanto
que deveríamos descobrir quais são as vontades e os desejos básicos das pessoas e,
então, mobilizar o sistema de produção para produzir isso.
Ao eliminar a dinâmica do valor de troca, você pode reorganizar o sistema inteiro em
um caminho diferente. Podemos imaginar em que direção se moveria uma alternativa
socialista, enquanto ela irrompe a partir dessa forma dominante de acumulação de capital
que gere tudo hoje.
PARA LER MAIS:30/07/2013 - “A cidade é o lugar da luta anticapitalista” entrevista com David
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