domingo, 29 de setembro de 2013

“Medicina cubana ensina a atender o povo com qualidade e humanismo”

“Medicina cubana ensina a atender o povo com qualidade e humanismo”

Matéria do Jornal Brasil de Fato

Augusto César e Andreia Campigotto, ambos formados em medicina em Cuba, destacam as diferenças nos métodos de formação utilizados na área da saúde brasileira e cubana
30/07/2013
José Coutinho Junior
da Página do MST
A saúde no Brasil tem sido tema de grandes debates nas últimas semanas, provocados tanto pelas manifestações das ruas, que exigem melhoras e mais investimentos na área, quanto pelas propostas recentes do governo em trazer médicos de outros países para trabalhar em regiões mais carentes.

Essas propostas, assim como a obrigação dos estudantes de universidades públicas em cumprir dois anos no Sistema Único de Saúde (SUS), tem sido alvo de fortes críticas das associações de médicos, que afirmam que essas não seriam as soluções para os problemas.

Página do MST conversou sobre o tema com Augusto César e Andreia Campigotto, ambos militantes do movimento e formados em medicina em Cuba.
Nascido em Chapecó (SC) e com 25 anos de vida, Augusto César ainda não exerce a profissão. Está estudando para fazer a prova de revalidação do diploma cubano e, assim, poder atuar no Brasil. Quando conseguir seu registro, pretende trabalhar na área rural, atendendo os Sem Terra e os assentados da Reforma Agrária.

Andreia Campigotto tem 28 anos e nasceu em Nova Ronda Alta (RS). Trabalha em Cajazeiras, no sertão paraibano, como residente em medicina da família em uma unidade básica de saúde, que atende uma comunidade de 4 mil pessoas.

Formato


O curso de medicina cubano dura seis anos. Para estudantes de outros países, ele se inicia na Escola Latinoamericana de Medicina, localizada em Havana. Depois de um período inicial de dois anos, os estudantes são enviados para as diversas universidades do país. Augusto e Andreia foram para a universidade da província de Camaguey.

O curso de medicina cubano não se difere muito do brasileiro, do ponto de vista curricular.
“Os dois primeiros anos trabalham com as ciências médicas. Estudamos fisiologia humana, anatomia humana e desde o primeiro ano temos contato com os postos de saúde. Quando somos distribuídos para as universidades, vivenciamos o sistema público de saúde. Comparado com o Brasil, o nível teórico é igual, mas o nível de prática é maior", afirma Augusto.

“Um estudo do governo federal mostra a compatibilidade curricular dos cursos de medicina de 90% entre Brasil e Cuba. Então, não há grandes diferenças teóricas", conta Andreia.
A diferença principal entre os dois cursos está na concepção de medicina e de saúde na formação dos médicos. “O curso brasileiro é voltado para as altas especialidades. Tem essa lógica de que você faz medicina, entra numa residência e se especializa. Já em Cuba o curso se volta à atenção primária de saúde, para entendermos a lógica de prevenção das doenças e o tratamento das enfermidades que as comunidades possam vir a ter”, diz Augusto.

Em contrapartida, “saúde” e “medicina” no Brasil são sinônimos de pedidos de exames e tratamento com diversos medicamentos, calcados em sua maioria na alta tecnologia. Com isso, a medicina preventiva fica em segundo plano, alimentando uma indústria baseada na exigência destes procedimentos.
“No Brasil, temos uma limitação na formação do profissional, pois ela é voltada ao modelo hospitalacêntrico, que pensa só na doença e no tratamento. Em Cuba isso já foi superado. Lá eles formam profissionais para tratar e cuidar com qualidade, humanismo e amor cada paciente; aprendemos de verdade a lidar com a saúde do ser humano”, analisa Andreia.

Ela destaca que os médicos formados na ilha são capazes de atender a população sem utilizar somente a alta tecnologia, condição que não necessariamente limita um atendimento com qualidade à população que mais carece.

“É mais barato fazer promoção e prevenção de saúde. No entanto, isso rompe com a ditadura do dinheiro. Com isso, os médicos aguardam o paciente ficar doente para pedir um monte de exames e dar um monte de medicamentos”, afirma Augusto
De acordo com ele, essa estrutura fortalece o complexo médico-industrial, que se favorece sempre que há alguém internado ou que precise tomar algum medicamento.

“Não negamos a necessidade de medicamentos e equipamentos, porque precisamos dar atenção a esse tipo de paciente. Mas não precisamos esperar que todas as pessoas fiquem doentes para começar a trabalhar a questão da saúde”, acredita Augusto.
(Foto: Página do MST)

Programa Mais Médicos - Opinião de médicos

Programa Mais Médicos - Opinião de médicos

Matéria do Jornal Brasil de Fato

Um manifesto de apoio aos médicos que vêm colaborar para a melhoria do nosso sistema de saúde, proporcionando o atendimento a milhões de brasileiros desassistidos. É a postura de um grupo de médicos, a maioria com mais de 45 anos de profissão e com passagens em postos de gestão ao longo da carreira, e portanto sabedores das dificuldades em administrar-se uma entidade do porte do SUS
24/09/2013
Manifesto Médico de Apoio ao "Mais Médicos"
Há muitos anos existe um consenso mundial de que a ocorrência de doenças está basicamente associada aos estilos de vida. A medicina  geral, praticada com recursos adequados, leva em conta a situação sócio-ambiental, para a elaboração correta do diagnóstico clínico, etapa primordial da legítima arte médica.
Até há cerca de quarenta anos essa prática era exercida no Brasil pelos médicos imediatamente após a graduação, principalmente pelos que se instalavam nas cidades do interior de seus Estados – e geralmente de lá oriundos – ou nos bairros periféricos das capitais e grandes cidades. Apoiados por um currículo escolar de grande riqueza prática, esses médicos atendiam e resolviam com a maior qualificação a mais de 80% dos casos, incluídos aí o tratamento e controle das doenças mais freqüentes  de todas as especialidades, inúmeras cirurgias, partos, fraturas, qualquer tipo de infecções e ainda situações de urgência e emergência.  Eram chamados de médicos de família, clínicos gerais ou – simplesmente- MÉDICOS.
Além de conhecer seus pacientes pelo nome, manter com os mesmos uma relação humanizada  e morar muito próximo a eles, ainda realizavam, através de diversos meios, intensa atividade na prevenção de doenças e na promoção da saúde. Já tinham perfeita noção de que essa prática era muito menos custosa do que a assistência  médico-hospitalar, com resultados efetivos para a melhoria da qualidade de vida da população.
Esta prática foi mundialmente reconhecida em 1978 na 1ª Conferência Internacional sobre Atenção Primária à Saúde, promovida pela Organização Mundial de Saúde e pela UNICEF, do que resultou a Declaração de Alma-Ata.
Com o passar dos anos muita coisa aconteceu que ocasionou a deficiência na saúde do país. Não se levou em conta o problema da imensidão do país; a população cresceu; o ensino foi se modificando para dar ênfase nos exames complementares e o quase descaso para história clínica e o exame físico dos pacientes, além de investir muito mais tempo ao ensino teórico do que à prática; o custo aumentou em razão dos excessos na investigação, da ausência de prontuário médico, do pagamento por procedimentos e até por mau uso de recursos; o aporte financeiro não acompanhou a evolução das necessidades crescentes do setor. As causas são inúmeras e os agentes causadores também. Nós médicos temos parte da responsabilidade. O povo foi às ruas e manifestou sua indignação e provocou uma reação dos governantes de todos os partidos.
Adquiriu realce o fato de que em mais de 700 municípios não há médico, e que em mais de 1.500 municípios há deficiência de médicos no Programa de Saúde da Família.
Em resposta ao clamor o governo, por intermédio do Ministério da Saúde,  lançou o programa “Mais Médicos”, dando prioridade aos médicos brasileiros, e, numa segunda etapa, na existência de vagas,  a médicos estrangeiros, de preferência com experiência em Medicina de Família. A exigência de que os estrangeiros deveriam ser obrigados a fazer o exame de revalidação do diploma não cabe, pois os médicos ficarão provisoriamente no país, apenas nos municípios para onde foram designados, na área de Atenção Primária em Saúde. Ademais, pelo parágrafo 2º do artigo 48 da lei 9.394, de Diretrizes e Bases da Educação, são permitidas reciprocidades internacionais.
Houve evidente boicote ao programa, além de dezenas de ações na Justiça contra o mesmo, o que significaria, caso acolhidas, continuar a manter milhões de brasileiros sem qualquer assistência médica em suas comunidades, o que poderia implicar omissão de socorro.
Felizmente, os juízes têm sistematicamente negado as liminares ou ações, como no caso da sentença do Desembargador Federal Luis Alberto Aurvalle, que entendeu “ser de maior gravidade o perigo inverso, visto que mais nocivo ao interesse público vem a ser a falta total de assistência médica da população do que a assistência prestada por médicos estrangeiros”; este despacho foi em razão da tentativa de desqualificação dos médicos cubanos.
                Por isso, o grupo de médicos que assina o presente documento, afirma:
1 – a assistência médica é um direito inalienável da cidadania e um dever do Estado como consta na Carta de Direitos Humanos e na Constituição da República Federativa do Brasil;
2 – o “Programa MAIS MÉDICOS” vem, de imediato, satisfazer a necessidade de populações carentes e deprimidas socialmente, colaborando para o seu acesso a melhores condições de cidadania;
3 - o tipo de atendimento, baseado principalmente na Atenção Primária à Saúde, mas também com o incremento financeiro para a medicina secundária e terciária em centros regionais é o passo para a interiorização futura permanente;
4- estatísticas demonstram que mais de 74% da população brasileira apóia o Programa e agradece o apoio dos médicos estrangeiros aos cidadãos brasileiros desassistidos;
 5- a categoria médica é composta por várias classes e há dezenas de milhares de médicos que batalham diuturnamente em pequenos postos de saúde, em serviços de urgência/emergência, em plantões de unidades de pronto atendimento ou de tratamento intensivo, em bairros periféricos e outras atividades, cujo comportamento é o da mais plena dedicação aos necessitados e sem fazer da medicina um comércio ou uma tentativa de alcançar status social ou econômico. Mas – infelizmente – são esses que correm o risco de serem desprezados pela população que não entende porque é divulgado na imprensa que os médicos em geral não aceitam o Programa. A esses colegas, sem voz na mídia, nossa homenagem e apoio;
6- nós temos convicção de que progressivamente esse programa irá se consolidar e terá na população seu sustentáculo. A própria categoria médica, ao não se sentir prejudicada pelos colegas que ingressam no sistema, adotará uma postura mais racional e amistosa, e nossas entidades terão que realisticamente atualizar suas posições.
SIGNATÁRIOS
  • Franklin Cunha – CREMERS 3254 – Jubilado:  Ex-Diretor da AMRIGS; Ex-Conselheiro do SIMERS; Ex-Instrutor Chefe do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do HMIPV
  • Airton Fischmann – CREMERS 3519 – Jubilado: Ex-Consultor da ORGANIZAÇÃO PANAMERICANA DE SAÚDE
  • Mareu dos Santos Soares – CREMERS 3581 – Jubilado: Ex-Secretário de Serviços Previdenciários do INPS; Ex-Chefe de Gabinete do INAMPS; Ex-Diretor do Instituto Médico Legal
  • Ruy Germano Nedel – CREMERS 3546 – Jubilado: Deputado Federal Constituinte; Ex-Superintendente Regional do INAMPS; Ex-Coordenador do Conselho Nacional de Saúde; Ex-Membro Titular da Comissão Nacional de Residência Médica
  • Nelson Carvalho de Nonohay – CREMERS 3092 – Jubilado: Diretor- Secretário da Fundação Universitária de Cardiologia; Ex-Secretário Estadual de Saúde do Estado do Rio Grande do Sul
  • Júlio Hocsman – CREMERS 4410: Ex-Secretário Estadual de Saúde do Estado do Rio Grande do Sul
  • Eduardo de Azeredo Costa – CREMERJ 13993 : Ex-Secretário Estadual de Saúde do Estado do Rio de Janeiro/Gestão Leonel Brizola; Diretor da FUNDACENTRO
  • Celso Perez Melgaré – CREMERS 3501 - Jubilado: Médico Psicanalista; Membro do Corpo Clínico Do Hospital N S Conceição
  • Luiz Carlos Lantieri – CREMERS 3314 – Jubilado: Cardiologista; Ex-Coordenador do Exame AMRIGS
  • Flávio Pinto – CREMERS 3505 – Jubilado: Psiquiatra; Ex-Professor da Faculdade de Medicina da UFCSPA
  • Humberto Scorza – CREMERS 3236 – Jubilado: Pediatra; Servidor Público
  • Lúcio Barcelos – CREMERS 6520: Ex-Secretário de Saúde dos municípios de Cachoeirinha, Gravataí e Porto Alegre; Ex-Diretor do Hosp. Psiquiátrico São Pedro; Ex-Presidente do Conselho Estadual de Saúde
  • Oswaldo Petracco da Cunha – CREMERS 1146 – Jubilado: Ex-Diretor da AMRIGS; Ex-Diretor da Secretaria Estadual de Saúde do Rio grande do Sul/Gestão Alceu Collares
  • Álvaro Petracco da Cunha – CREMERS 1571 – Jubilado: Ex-Deputado Estadual; Ex-Diretor da CORAG/Gestão Alceu Collares
  • Arnaldo da Costa Filho- CREMERS 378 – Jubilado: Ex-Professor de Ensino Superior da UFRGS; Ex-Superintendente de Ed. Física da Secretaria Estadual de Saúde
  • Sergio Alexandre Goldani – CREMERS 5564 –Jubilado: Médico Psiquiatra; Ex-Professor do DMI, aposentado da Faculdade de Medicina da UFRGS
  • Luiz Octavio Vieira – CREMERS 4549 – Jubilado: Fellow em Pneumologia do Hospital Monte Sinai, de Nova Iorque; Ex-Auxiliar de Ensino em Medicina Interna na UFRJ e na Escola de Medicina e Cirurgia; Ex-Conselheiro do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Ex-Presidente da FIERGS
  • Claunara Schilling Mendonça – CREMERS 20714: Médica de Família e Comunidade; Mestre (e Doutoranda) em Epidemiologia na UFRGS; Professora de Medicina de Família do Departamento de Medicina Social da UFRGS; Gerente do Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição.
  • Heloisa Helena Rousselet de Alencar – CREMERS 10635
  • Herberto Edson Maia – CREMERS 3579 – Jubilado: Psiquiatra; Professor da Fac. de Medicina da Univ. Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre; Prof. Do Curso de Pós-Graduação em Psiquiatria José de Barros Falcão com sede na Clínica São José e Hosp. Divina Providência

Democracia brasileira é limitada e não garante a soberania popular

Democracia brasileira é limitada e não garante a soberania popular

Matéria do Jornal Brasil de Fato

O professor da UFRJ Ivo Lesbaupin  “considera que uma reforma com o alcance pretendido só poderia ser realizada através de uma assembleia constituinte exclusiva"
24/09/2013
do IHU
Não há contradição entre as duas propostas de Reforma Política, a da iniciativa popular e a do plebiscito popular, porque ambas têm como objetivo uma reforma radical do sistema político, na direção da criação de condições para uma verdadeira democracia”, avalia Ivo Lesbaupin, em entrevista concedida à IHU On-Line.
Apesar de a Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político insistir no debate acerca da reforma há mais de dez anos, foi somente a partir das manifestações de junho que “sentiu-se necessidade de organizar um consenso em torno de uma proposta comum”, contextualiza o sociólogo.
Na entrevista a seguir, Lesbaupin explica as duas propostas de Reforma Política, e enfatiza que a “iniciativa popular pretende começar a influenciar desde já o Congresso, para tentar fazer valer as mudanças já para a próxima eleição, ou, se não for votada até outubro, para servir de pressão sobre os parlamentares”.
Enquanto isso, frisa, a proposta de um plebiscito popular “considera que uma reforma com o alcance pretendido só poderia ser realizada através de uma assembleia constituinte exclusiva, não por este Congresso”.
Ivo Lesbaupin é professor na Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Graduado em Filosofia pela Faculdade Dom Bosco de Filosofia, é mestre em Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro – IUPERJ e doutor em Sociologia pela Université de Toulouse-Le-Mirail, da França. É autor e organizador de diversos livros, entre os quais Igreja: comunidade e massa (São Paulo: Paulinas, 1996); e O desmonte da nação: balanço do governo FHC (Petrópolis: Vozes, 1999).
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Nos últimos dias foi lançada em Brasília a “Campanha de Projeto de Lei de Iniciativa Popular pela Reforma Política” pela “Coalizão Democrática pela Reforma Política e Eleições Limpas”. Qual é a origem dessa iniciativa e o que propõe? Por que é preciso uma Reforma Política?
Ivo Lesbaupin - No sistema político atual, executivo e legislativo podem se entender, aprovar projetos, implementar políticas sem levar em conta o que os movimentos sociais pensam ou o que a maioria dos cidadãos reivindicam.
Há cerca de dez anos constituiu-se uma articulação de movimentos sociais e entidades da sociedade civil, que passou a se chamar “Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político”. O ponto de partida desta articulação era a constatação de que nossa democracia é seriamente limitada, porque não consegue garantir o essencial, que é a soberania popular. Em outras palavras, há elementos formais da democracia, como eleições regulares, imprensa livre, direito à liberdade de opinião, mas o poder não está nas mãos dos cidadãos e cidadãs, o poder é apropriado pelos representantes eleitos (parlamentares e governos), com muito pouca possibilidade de interferência da maioria da sociedade além do voto.
Mesmo depois da introdução dos conselhos setoriais e das conferências de políticas públicas, há muita participação, mas, sem poder de decisão, o governo faz o que bem entende com as indicações que são aprovadas nestas conferências.
A Plataforma concluiu que, para efetivar a soberania popular, seria preciso muito mais do que uma simples reforma eleitoral, seria preciso reformar o sistema político. Em cinco eixos: a democracia direta, a democracia representativa, a democracia participativa, a democratização dos meios de comunicação, a democratização do poder judiciário.
Depois de alguns anos pressionando o parlamento para realizar esta reforma, a Plataforma decidiu dar um passo além: em 2011 elaborou um projeto de lei de iniciativa popular que englobava dois daqueles temas, a democracia direta e a representativa, e passou a fazer campanha de assinaturas. Em 2013, o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral - MCCE, juntamente com a OAB, elaborou outro projeto de lei de iniciativa popular, centrado na democracia representativa.
Por outro lado, há uma iniciativa de várias organizações populares sugerindo um “Plebiscito Popular” sobre a Reforma Política. Quem está articulando, como começou, o que propõe e quais serão os próximos passos?

A partir das mobilizações de junho e das manifestações dos movimentos sociais organizados em julho e com o destaque que a reforma política assumiu, sentiu-se necessidade de organizar um consenso em torno de uma proposta comum.
A partir de sugestão da CNBB, reuniram-se várias articulações e entidades: a Plataforma, aFrente Parlamentar pela Reforma Política, o MCCE, a OAB, o MST, a CUT, a Federação Nacional dos Jornalistas - FENAJ, a UNE, a CONTAG, o Conselho Nacional de Igrejas Cristãos - CONIC, a Associação dos Magistrados do Brasil, a Cáritas e a Comissão Brasileira de Justiça e Paz - CBJP. Formou-se a “Coalizão Democrática pela Reforma Política e Eleições Limpas” e construiu-se um projeto de lei de iniciativa popular de consenso, tratando de dois eixos: a democracia direta e a democracia representativa.
Um dos itens fundamentais é o fim do financiamento empresarial privado para campanhas eleitorais e partidos. Muitos consideram este um dos principais fatores da corrupção existente no país. Bancos, empreiteiras, empresas em geral, entram com muitos recursos para financiar as campanhas dos candidatos. O resultado é que boa parte das ações dos governos e dos parlamentares é feita não para atender aos interesses de seus eleitores, mas os de seus financiadores.

Isto é muito fácil de verificar: se levantamos os principais financiadores das eleições de 2010 e examinamos certas políticas e a maioria das obras públicas desenvolvidas pelos governos, vemos que estas grandes empreiteiras e o setor do capital financeiro são os grandes beneficiários. Para dar apenas dois exemplos, a Odebrecht doou um milhão para a campanha presidencial. No decorrer de apenas um ano, recebeu 24 milhões para a realização de obras públicas; a empresa Carioca Engenharia doou 600 mil, e teve obras orçadas em 176 milhões. E os lucros dos bancos aumentam a cada ano (mesmo considerando o período em que houve ligeira queda nos juros), conforme informa regularmente a imprensa.
Propostas
O projeto propõe o financiamento público, de um lado, e a possibilidade de financiamento individual, com um teto de 700 reais por pessoa (em torno de um salário-mínimo), cercado de exigências. O financiamento por parte de pessoa jurídica (empresas) fica terminantemente proibido. Além de reduzir radicalmente o peso do poder econômico nas eleições, a proposta reduzirá também o montante atualmente gasto nas campanhas que, além de ser exorbitante, só dá chances a candidatos ricos (ou apoiados por ricos).
Outro elemento importante do projeto de lei é a regulamentação do uso de instrumentos de democracia direta. Estes instrumentos estão na Constituição de 1988, mas a possibilidade de seu uso é bastante restritiva. Agora a proposta estabelece que determinados temas tenham necessariamente de ser decididos pela população: por exemplo, a criação ou desmembramento de estados; a possibilidade de privatização de serviços públicos, de empresas estatais, ou de bens públicos; a alienação, pela União Federal, de jazidas, em lavra ou não, de minerais e dos potenciais de energia hidráulica. Isto quer dizer que, nestas matérias, nem o executivo nem o legislativo podem decidir, só o povo, diretamente (plebiscito).
A eleição de parlamentares será feita em dois turnos: os eleitores votarão primeiramente num partido e, no segundo turno, no candidato daquele partido. Em outras palavras, primeiro se escolhe o programa e, em seguida, o candidato que o eleitor considera melhor para levar à frente aquele programa.
Os movimentos sociais organizados avaliaram que o tema mais forte que saiu das mobilizações de junho e julho foi a Reforma Política. Como o Congresso não quis o plebiscito nem a assembleia constituinte exclusiva – propostas inicialmente pelo governo –, movimentos sociais e outras entidades da sociedade civil se reuniram no início de agosto e se puseram de acordo para levar para as ruas um plebiscito popular, nos moldes daqueles que já ocorreram sobre a dívida externa, sobre a ALCA, sobre a Vale. A pergunta única seria se a pessoa concorda com a convocação de uma assembleia constituinte exclusiva para fazer a reforma do sistema político. O plebiscito seria feito daqui a um ano, precedido de amplo debate nas bases sobre o que deve ser reformado, quais as mudanças mais importantes etc. São dezenas de movimentos e entidades da sociedade civil que aprovaram esta proposta: movimento negroMST, UNE, MAB, pastorais sociais da Igreja Católica, da rede evangélica Fale, ao lado de CUT, Marcha Mundial de Mulheres, Levante Popular da Juventudeentre outras organizações e movimentos.
Não há contradição entre as duas iniciativas?
Diria que não há contradição entre as duas propostas, a da iniciativa popular e a do plebiscito popular, porque ambas têm como objetivo uma reforma radical do sistema político, na direção da criação de condições para uma verdadeira democracia. A iniciativa popular pretende começar a influenciar desde já o Congresso, para tentar fazer valer as mudanças já para a próxima eleição, ou, se não for votada até outubro, para servir de pressão sobre os parlamentares. A do plebiscito popular considera que uma reforma com o alcance pretendido só poderia ser realizada através de uma assembleia constituinte exclusiva, não por este Congresso.
De qualquer modo, para realizar o plebiscito popular, será necessário realizar um processo amplo de debates nas bases dos movimentos sociais, das pastorais sociais, das entidades da sociedade civil – o que certamente será útil para todos.
Foto: Reprodução

Fim de apoio internacional a opositores é necessário para a paz, diz Assad

Fim de apoio internacional a opositores é necessário para a paz, diz Assad

Matéria do Jornal Brasil de Fato

Em entrevista à Telesur, presidente sírio se mostra cético sobre Genebra 2 e não descarta intervenção estadunidense
 
26/09/2013
 
 
O presidente da Síria, Bashar al Assad, disse na noite dessa quarta-feira (25) que uma saída para a crise de seu país passa antes pelo fim do apoio aos grupos armados opositores por outros países. O chefe de Estado também se mostrou cético sobre o resultado da reunião de cúpula internacional na Suíça, chamada de “Genebra 2”, com o objetivo de alcançar um acordo de paz para acabar com a guerra civil no país.
Em entrevista à multiestatal latino-americana Telesur, ele também não descartou a hipótese de os Estados Unidos empreenderem uma ação militar contra seu país no futuro, mesmo que por outra razão que não seja uma represália pelo ataque de armas químicas ocorrido em agosto, nos arredores de Damasco, que matou cerca de 1.400 pessoas – os EUA acusam o governo sírio, que nega a acusação e culpa a oposição. Segundo o presidente, a "história prova" que os EUA sempre "criarão um pretexto" para a guerra se esta tiver como objetivo atender os interesses estadunidenses em determinada região, citando como exemplo a América Latina durante o período da Guerra Fria.
Segundo o presidente, para que a paz seja alcançada, é “inevitável” um diálogo entre "todas as partes sírias" em conflito. "Para uma ação política é necessário primeiro o fim do terrorismo e do fluxo de terroristas dos países vizinhos, assim como o fim do apoio a esses terroristas, seja logístico ou com dinheiro e armas", disse.
Sobre a cúpula de Genebra 2, Assad a considera um “passo necessário”, mas também fez ressalvas. “A convenção de Genebra é um passo necessário e importante para a abertura de um caminho para o diálogo entre os diversos grupos sírios, mas não substitui o diálogo interno na Síria e também não substitui a opinião do povo sírio”, assinalou.
Além disso, sustentou que "não se chegará a um resultado prático se não for interrompido o apoio ao terrorismo".
O presidente voltou a negar que seu governo tenha usado armas químicas e acusou os rebeldes que querem derrubá-lo. “Todas as provas indicam que foram os terroristas que usaram as armas químicas na periferia de Damasco”, disse, após afirmar que “todos os indícios” mostram que seu governo “não as utilizou” e que aqueles que têm “interesse” em fazê-lo “são os terroristas”.
Uma missão das Nações Unidas começou na quarta-feira (25) uma nova inspeção na Síria para completar sua investigação sobre o uso de armas químicas durante o conflito no país, quase um mês depois de sua visita anterior.
Durante a visita de agosto, os inspetores encontraram "provas claras e convincentes" do uso de gás sarin no ataque do dia 21 desse mês no distrito de Guta, na periferia de Damasco.
Após o acordo em Genebra entre EUA e Rússia para destruir o arsenal químico sírio, os EUA querem agora uma resolução que invoque o Capítulo 7 da Carta da ONU, que abriria a porta para sanções e, inclusive, o uso da força, caso o regime sírio não cumpra com os termos do pacto.

Confira a transcrição da entrevista do presidente Bashar al-Assad à TeleSUR:
 
Presidente Assad: Quero dizer que o senhor e a TeleSUR são bem-vindos à Síria, e faço votos de que o senhor recupere-se rapidamente do ferimento na perna. Acredito que ser entrevistado por um jornalista que testemunhou em primeira mão a ação terrorista é útil e enriquecedor. Mais uma vez, é muito bem vindo um jornalista cujo sangue misturou-se, na Síria, ao sangue dos sírios e dos soldados do Exército Sírio Árabe.
TeleSUR: Obrigado. De fato, há mais fatos em comum entre nós, inclusive esse sangue. O senhor falou de terrorismo – ontem, um carro bomba explodiu em Damasco, matando e ferindo muitos civis. Qual é a mensagem dos terroristas, particularmente nessas circunstâncias que a Síria e o mundo enfrentam? E como o senhor vê os atuais esforços para confrontar o terrorismo na Síria?
Presidente Assad: Esses terroristas só têm uma mensagem, que é a ideologia obscura que carregam na cabeça; para eles, quem não pense como eles não merece viver. Muito frequentemente, fazem esses atos de terror ou para atrair gente para a causa deles, ou para frustrar as pessoas. Em outras palavras, querem matar qualquer esperança que ainda há – e quando não há esperança, a vida não tem sentido. Assim, de um modo ou de outro, eles se aproximam. De outra perspectiva, essas operações terroristas são financiadas, planejadas e instigadas por gente de fora da Síria cujo objetivo é lançar os sírios no completo desespero, fazendo-os crer que não haveria esperança na terra deles e que a Síria que existe há séculos já não existiria. Sem esperança, as pessoas são empurradas para a derrota, o que as levaria a desistir de defender-se. O que o senhor viu ontem foi apenas um, de centenas de atentados semelhantes; de fato, esses atentados têm efeito oposto – os sírios, hoje, estão ainda mais comprometidos que antes, decididos a defender seu país.
 
“Desde o início da crise na Síria, a política dos EUA sempre se baseou em mentiras”
TeleSUR: Senhor presidente, ouvimos ontem o discurso do presidente dos EUA Barack Obama, que refletiu o que os EUA fizeram em várias partes do mundo. E ele falou especificamente da situação na Síria; a Síria também foi questão central na ONU. O presidente Obama, concorda, pode-se dizer, com a necessidade de uma solução política na Síria. Mas conclamou a ONU ou o Conselho de Segurança a aprovarem uma resolução dura contra a Síria e contra seu governo, se o senhor não continuar a cumprir as exigências do acordo sobre armas químicas. Disse também que, no que tenha a ver com os EUA, seu governo foi responsável pelo ataque com armas químicas contra civis.
Presidente Assad: O discurso de ontem foi mais do mesmo. Cheio de frases, de invencionices e mentiras. Em geral, praticamente nenhuma das declarações feitas por funcionários do governo dos EUA, agora ou em governos anteriores, tem ou algum dia teve qualquer credibilidade. São declarações praticamente iguais umas às outras, repetitivas, a tal ponto que nós já nem consideramos necessário comentá-las.
Desde o início da crise síria, a política dos EUA, sabendo eles o que diziam, ou sem saber, sempre foi baseada em mentiras. Acho que eles sempre sabem que estão mentindo, as mentiras sempre vão aumentando de intensidade. O governo dos EUA teve papel central na fabricação dessas mentiras, depois que se levantou a questão das armas químicas dia 21 de agosto. O governo dos EUA não apresentou qualquer prova do que diz, de onde se pode concluir com segurança que eles mentem ao povo dos EUA. Desde o primeiro momento exigimos que apresentassem provas das acusações. Nunca apareceram. Quando se viu que não haviam conseguido enganar o povo norte-americano, ficaram na posição de não poderem eles mesmos se desmentir, e tiveram de se mostrar ainda mais violentos.
Sobre o que eles têm dito, sobre invocar o Cap. 7º, não nos diz repeito aos sírios. Em primeiro lugar, porque, desde a independência, é sabido que a Síria sempre cumpriu todos os acordos que algum dia assinou. Em segundo lugar, há hoje equilíbrio dentro do Conselho de Segurança, que impede que os EUA – como sempre acontecera antes, no passado – usem o Conselho de Segurança como instrumento para fazer avançar suas agendas especiais, inclusive derrubar governos e destruir estados, como se viu acontecer nos anos 1990s. Como já disse, as acusações que os EUA fazem são completa mentira, não têm sentido algum, nem têm qualquer fundamento realista ou lógico.
“As ações dos EUA – guerras e intervenções – contradizem completamente os próprios interesses deles”
 
TeleSUR: Voltando ao discurso do presidente Obama, vimos que foi fala confusa, de quem não sabia o que queria. Às vezes, fala sobre usar a força; na sequência, fala de solução política. Diz que a agressão israelense à Síria é para defender interesses dos EUA na região. Quais são os interesses dos EUA na região? O que os EUA querem obter na Síria? Considerando o que está acontecendo no Conselho de Segurança sobre a Síria, o senhor pode descartar completamente a possibilidade de um ataque dos EUA contra a Síria?
Presidente Assad: Sobre a contradição que o senhor mencionou, essa contradição é como a marca registrada de tudo o que todos os funcionários do governo dos EUA sempre dizem, seja o presidente, o secretário de Estado, qualquer funcionário do governo dos EUA. Dizem, por exemplo, que as capacidades militares da Síria não preocupam o exército dos EUA, no caso de decidirem atacar militarmente o nosso país. Mas, ao mesmo tempo, dizem que a Síria seria ameaça à segurança nacional dos EUA. É só mais um exemplo das muitas contradições, que nunca faltam no que os EUA dizem.
Quanto à possibilidade de uma agressão norte-americana, sim, existe. Se o senhor analisa as guerras que os EUA sempre fizeram e as políticas dos EUA – pelo menos desde o início dos anos 1950s, começando na guerra contra a Coreia, depois contra o Vietnã, no Líbano, Somália, Afeganistão e Iraque. Essa é a única política norte-americana. E não se pode esquecer a política dos EUA para a América do Sul, onde fomentaram vários golpes de Estado e causaram a morte de milhões; dezenas de governos foram derrubados na América Latina, por ação e como efeito da política norte-americana. Essa foi, durante décadas, a única política dos EUA, e continua a ser, ainda hoje – inalterada. E dificilmente mudará, me parece, se se considera a atual situação interna nos EUA. Assim sendo, a possibilidade de uma agressão norte-americana ao nosso país está sempre presente. Agora, o pretexto é as armas químicas. Da próxima vez, será alguma outra coisa.
O elemento mais importante disso tudo é que, por décadas, os EUA controlaram completamente o Conselho de Segurança, controlaram as interpretações da Carta da ONU, mandaram e desmandaram sobre a soberania de outros estados, e mandaram e desmandaram sobre todos os códigos humanos e morais. Por tudo isso, todos, no mundo, talvez tenhamos de nos manter sempre alertas contra a possibilidade de uma agressão norte-americana. É o que estamos fazendo hoje na Síria. Se há possibilidade de os EUA agredirem a Síria? Talvez não agora, já. Mas ninguém sabe quando poderá acontecer. É sempre uma possibilidade, que não se pode descartar completamente.
Quanto aos interesses dos EUA, entendo que, há décadas, as ações dos EUA, que atuam por guerras, golpes e intervenções, contradizem completamente os interesses dos EUA. Os EUA são uma superpotência e, como tal, têm interesses políticos, econômicos, militares e outros. Todos esses interesses podem ser bem servidos e preservados mediante respeito mútuo, boas relações internacionais, confiança, credibilidade e promoção da ciência, da educação, do conhecimento. Muito mais eficazmente que mediante o estímulo ao terrorismo e a disseminação de morte, destruição e medo. É claro que, como superpotência, os EUA têm seus interesses a defender. Todas as grandes potências têm interesses em todo o mundo, mas para defender e promover esses interesses é indispensável, antes de tudo, alcançar a estabilidade em todo o mundo. Ninguém defende ou promove os próprios interesses em região instável, tomada por guerras e terrorismo.
Assim, em resumo, sim, os EUA têm interesses. Mas tudo que os EUA fazem hoje e todas as suas políticas em todo o mundo, contradizem os próprios interesses deles, dos EUA e, também, os interesses do povo norte-americano.
“A violência destrói qualquer possibilidade de ação política”
 
TeleSUR: Como Sua Excelência disse, o discurso do presidente dos EUA repete o mesmo grau de contradições que caracteriza o império norte-americano. Ontem, ele falou de uma solução política e pacífica para a crise síria; mas deixou a porta aberta para a possibilidade de o senhor renunciar. Obama disse literalmente que é chegada a hora de Rússia e Irã saberem que a permanência do presidente Assad no poder implicaria dar mais espaço para grupos extremistas, para que ampliem suas atividades. O que o senhor pensa do que Obama disse? O senhor considera a possibilidade de renunciar?
Presidente Assad: Sobre a primeira parte de sua pergunta: aí está mais um exemplo das contradições norte-americanas; é como dizerem que buscamos guerra e paz, simultaneamente, na mesma questão; e que usamos um único mapa do caminho para resolver o problema. Essa lógica significa promover a violência no mundo e legitimar a violência como meio para alcançar alguma solução política. Não faz sentido algum. Nada há de comum entre o uso da violência e a ação política. A violência destrói qualquer possibilidade de ação política. Nós rejeitamos essa lógica, que os EUA têm tentado promover, tentando criar uma justificativa para a agressão contra a Síria.
Quanto à questão de eu renunciar, os norte-americanos – e alguns de seus aliados europeus – já falam disso há quase um ano. Nada tem a ver conosco, e por uma razão bem simples: a Síria já é país independente há gerações. Há mais de 50 anos os EUA não derrubam presidente sírio e não conseguiram impor aqui algum governo militar.
Evidentemente, os EUA não podem presumir que, agora, teriam algum direito de decidir, em nome do povo sírio, quem governa e quem renuncia. Essa questão cabe, 100%, ao povo sírio. Nem países amigos teriam voz nessa questão. Só o povo sírio se manifesta sobre isso, e nas urnas. Se o povo sírio não quiser um governante, ele não governa. Se o povo sírio quiser, ele governa. E absolutamente não importa o que os EUA digam ou façam quanto a isso. Não há papel algum, nesse processo, para os EUA. Por isso, precisamente, essas declarações não significam absolutamente nada, no que nos diga respeito.
“O mundo melhora, sem a interferência dos EUA”
 
TeleSUR: Para concluir a discussão sobre Obama. Ele disse que “o mundo é melhor, hoje, graças aos EUA”. O senhor acha que o mundo é melhor graças aos EUA?
Presidente Assad: Basta considerar os fatos. O Iraque melhorou, com a presença dos EUA? O Afeganistão é melhor hoje, do que antes? A situação na Líbia é melhor hoje, do que antes? E na Tunísia? E na Síria? Onde, em que país, a situação é hoje melhor do que antes da interferência norte-americana? O Vietnã melhorou mais e mais rapidamente quando os EUA intervieram, ou depois que saíram de lá, quando o país tornou-se independente e pôde desenvolver-se como decidiu fazê-lo? E a América do Sul: vive melhor hoje, ou quando os EUA viviam a intervir lá?
A verdade é que o mundo melhora sempre que os EUA param de intervir – não queremos que os EUA nos ajudem, ninguém quer. Ontem, ele [Obama] disse que “nós não podemos resolver os problemas de todo o mundo”. Ora! Eu digo que é melhor que os EUA nem tentem, mesmo, resolver os problemas do mundo. Em todos os pontos onde os EUA tentaram resolver algum problema local, a situação sempre andou de mal, para pior. O que desejamos dos EUA é que não interfiram nos assuntos de outros países. Se fizerem isso, então, sim, o mundo com certeza começará a melhorar.
Contudo, se o que ele quis dizer foi que a disseminação do terrorismo pelo mundo significaria ‘mundo melhor’, só confirma o que alguns norte-americanos já dizem, na imprensa dos EUA: que a política de Obama baseia-se em apoiar o extremismo e o terrorismo. Se o que ele quis dizer foi que o mundo é melhor, hoje, porque os EUA espalharam o terror e os terroristas por todo o planeta, nesse caso, sim, acertou.
“A posição iraniana em relação à crise síria é muito objetiva”
 
TeleSUR: O senhor viu alguma novidade na nova posição de Obama em relação ao presidente Rohani, quando Obama citou-o (o presidente Rohani disse que não há solução militar para a Síria e que as armas químicas foram entregues por países ocidentais aos grupos armados que lutam na Síria)? E como o senhor vê a posição do presidente Rohani, quando exige o fim do financiamento e do fornecimento de armas para a oposição síria?
 
Presidente Assad: A posição iraniana em relação à crise síria é muito objetiva, porque eles conhecem a realidade do que está acontecendo na Síria. Ao mesmo tempo, os iranianos também compreendem que aqui vivemos numa região entrelaçada e que, consequentemente, se há fogo na Síria, sem dúvida se espalhará para países vizinhos e, na sequência, também para países mais distantes, inclusive o Irã.
As políticas iranianas baseiam-se nesses fundamentos e, também, na convicção de que o povo sírio tem o direito de resolver os próprios problemas.
Quanto ao que os norte-americanos digam sobre a posição iraniana: primeiro, como já disse, independente de se as declarações dos norte-americanos sejam positivas ou negativas, digam o que disserem, se elogiam, criticam, condenam ou denunciam – absolutamente ninguém acredita no que os norte-americanos dizem. Nessa linha, os iranianos não são ingênuos e não se deixam enganar pela posição dos EUA; a experiência do Irã é semelhante à experiência da Síria, com vários sucessivos governos dos EUA, pelo menos, com certeza, desde a Revolução Islâmica no Irã. Por isso, o que nos interessa não é o que os norte-americanos digam; importante, para nós, é o cerne da política iraniana para a Síria. E reforço, mais uma vez, que no cerne, a política iraniana é objetiva e já teríamos alcançado a estabilidade de nossa região, se os diferentes partidos sírios estivessem pensando como o Irã pensa.
 
TeleSUR: Realmente, nas declarações dos iranianos na ONU havia uma proposta sobre relações Irã e EUA, de uma reunião entre o presidente do Irã e o governo dos EUA. Eles não se encontram há muito tempo. Como o senhor vê essa aproximação? Os EUA estão realmente engajando o Irã, ou é só mais uma tentativa para afastar também esses amigos da Síria? Ou será que a nova posição é outro meio para dizer que os EUA não têm escolha, se não a negociação, em vez de usar armas para proteger seus interesses?
Presidente Assad: Em primeiro lugar, infelizmente nem os mais íntimos aliados dos EUA confiam nos EUA; assim, a aproximação Irã-EUA não implica que o Irã confie nos EUA. Nossas relações com os EUA passaram por diferentes fases, de altos e baixos, mas em nenhuma dessas fases foi relação de confiança. Mas, na política, é preciso tentar todos os meios e métodos, e é preciso bater em todas as portas para reduzir as tensões no mundo. Assim, o diálogo e a comunicação são indispensáveis nas relações entre estados. Acreditamos que a aproximação entre Irã e os EUA, seja para discutir o programa nuclear iraniano ou qualquer outro tema, é positiva e benéfica para a região, se os EUA tiverem desejo real e genuíno de negociar em termos de respeito mútuo com o Irã; sem interferir em seus assuntos internos; e não para impedir o Irã de adquirir tecnologia nuclear.
Por outro lado, não consigo imaginar que os EUA tenham abandonado a ideia de recorrer à força militar. Acho que a verdade é o contrário disso: quando os EUA viram que tinham concorrentes na arena internacional – ou, digamos, parceiros, se não concorrentes, como outras grandes potências emergentes no mundo –, os EUA começaram a recorrer mais ao princípio da força, apesar de o governo que há hoje nos EUA ter sido eleito como rejeição contra a doutrina Bush do emprego de força bélica. Agora, o que se vê é um governo que retoma a mesma doutrina. Acho que os EUA estão tentando cooptar a posição iraniana, como tentaram cooptar os sírios há alguns anos. Mas os iranianos conhecem muito bem e estão muito conscientes desse jogo.
 
TeleSUR: Senhor presidente, voltando à Síria e à questão das armas químicas. Quais são as garantias reais que seu governo oferece de que a lista que o senhor entregou de seus arsenais químicos é realmente representativa das armas que o senhor possui? E que garantias o seu governo dá aos inspetores da ONU, para que possam fazer o trabalho deles, inspecionar locais e pôr as armas químicas sob controle internacional?
Presidente Assad: Nessa questão, nosso relacionamento será com a Organização para a Proibição de Armas Químicas [orig. Organisation for the Prohibition of Chemical Weapons (OPCW)]. A Síria não tem de dar garantias ao mundo ou à OPCW. Cabe-nos trabalhar conforme alguns mecanismos específicos, aceitar alguns mecanismos específicos estipulados na convenção das armas químicas. Como eu já disse, a Síria cumpre sempre todos os acordos que assina.
A Síria já enviou, recentemente, todos os dados que a OPCW requisitou. Em breve, especialistas da OPCW virão à Síria para familiarizar-se com o status dessas armas. Como governo, não vemos nenhuma dificuldade. Mas, sempre há a possibilidade de que os terroristas tentem impedir o trabalho dos inspetores, para impedi-los de alcançar os locais que lhes indicamos, ou por motivos específicos dos próprios terroristas, ou porque ele agem sob comando dos estados que os apoiam e financiam. Seja como for, trabalhamos com a hipótese de que o objetivo dos grupos terroristas sempre é culpar o governo sírio, dizer que não estaríamos cooperando com os inspetores. Mas, no que nos diga respeito, como governo, não vemos problema algum em aceitar os mecanismos previstos nos acordos de que somos signatários.
“Quem convidou os inspetores para que viessem à Síria, em março passado, foi o governo sírio”
 
TeleSUR: Os inspetores internacionais voltarão a Damasco hoje para identificar outros locais onde se alega que teriam sido usadas armas químicas, além do incidente de 21 de agosto. Que garantias o seu governo oferece de que os inspetores trabalharão livremente e com independência?
Presidente Assad: Esse grupo não veio à Síria por iniciativa da ONU ou de algum outro país. Vieram porque foram convidados por nós, pelo governo sírio, em março passado, quando os terroristas usaram gases tóxicos num subúrbio de Aleppo, ao norte. A verdade é que os EUA criaram obstáculos à vinda deles. Nós, o governo sírio, os convidamos a vir, porque tínhamos interesse em determinar a verdade sobre o uso de agentes químicos na Síria. Por que os convidaríamos, para, em seguida, criar obstáculos ao trabalho deles? Não faz sentido. Nós não fizemos isso.
De fato, quando aquela primeira missão deixou a Síria há algumas semanas, queríamos que ficassem e completassem a inspeção também na outra área onde foram usadas armas químicas. Os EUA é que insistiram em que saíssem daqui antes de completar o trabalho. Agora, estão de volta. O governo sírio apoia a missão e o trabalho dos inspetores. Como já disse, não há obstáculo algum ao trabalho dos inspetores, se não quando os terroristas impedem que a missão trabalhe, o que acontece, especialmente, em locais onde ainda há grande número de terroristas.
 
TeleSUR: Apesar de alegações de que o governo sírio teria usado armas químicas, o governo russo entregou à ONU provas de que as armas químicas foram usadas por grupos de milicianos armados. Que provas o senhor tem? E o que estão fazendo os governos russo e sírio para provar que foram as milícias, não o governo sírio, que usaram armas químicas?
Presidente Assad: É claro que temos provas e indícios. Quanto às provas, quando os terroristas usaram gases tóxicos em Khan al-Assal, recolhemos amostras de solo, de sangue das vítimas e também fragmentos dos projéteis usados para lançar o material tóxico naquela área. Mais adiante, durante operações realizadas pelo Exército Sírio, descobrimos vários arsenais secretos, onde foram localizados diferentes tipos de dispositivos carregados com agentes químicos – em alguns casos, materiais tóxicos e instrumentos necessários para produzi-los. Entregamos as provas ao governo russo, antes da chegada da missão da ONU à Síria. Temos também confissões de terroristas que trouxeram alguns agentes químicos de países vizinhos. As confissões foram divulgadas por televisão, há cerca de uma semana.
Por que o governo sírio não usou aquelas armas? Em primeiro lugar, as forças sírias estavam avançando: não usaram armas químicas há um ano, quando os terroristas estavam ainda fortes; por que as usaríamos agora? As forças sírias não usaram armas químicas em áreas remotas, onde há número muito maior de terroristas que nos subúrbios de Damasco; por que usariam aqui? Não se podem usar esses materiais em áreas residenciais, onde haveria dezenas de milhares, não centenas, ou mesmo milhares, de vítimas. Não se podem usar armas químicas, se seus próprios soldados estão em áreas próximas, porque os soldados também seriam atingidos. Por tudo isso, por critérios lógicos, práticos, militares, o exército sírio não usou nem usaria armas químicas naquelas circunstâncias.
Em todos os casos, se há crime, a primeira questão a esclarecer é quem se beneficiaria do crime. Na questão das armas químicas, é evidente que os terroristas teriam interesse naquele crime, sobretudo quando as acusações coincidem com o trabalho de uma comissão de inspetores que trabalhava na Síria. Que sentido há em supor que o governo sírio convocaria uma missão de inspetores, se tivesse usado armas químicas? Não é razoável, não faz sentido algum, não tem lógica. Todos os sinais e provas mostram que o governo sírio não usou armas químicas; e todas as provas materiais demonstram que os terroristas, sim, usaram armas químicas em área próxima de Damasco.
 
TeleSUR: Nesse contexto, qual o papel da Arábia Saudita e do Qatar, de distribuir armas químicas, dentro da Síria, a grupos armados?
Presidente Assad: É preciso deixar bem claro que nós não temos provas de que esses países tenham passado armas químicas a esses grupos. Mas é bem sabido que esses países há muito tempo apoiam os terroristas, desde o início da crise na Síria. Sabe-se também que fornecem todos os tipos de armas sofisticadas; não há dúvidas sobre isso, e isso está bem documentado. Por isso, cabe suspeitar – se esses países apoiam abertamente, publicamente, os grupos terroristas, e se lhes fornecem todos os tipos de armamento, a suspeita não é infundada – que, sim, que sejam acusados, especialmente a Arábia Saudita, de fornecer também armas químicas aos terroristas, para serem usadas contra o Exército Sírio.
Ainda mais, se se pensa que aqueles grupos terroristas, naquele momento, não estavam conseguindo exibir qualquer sucesso militar aos seus patrões fora da Síria. Claro que conseguiram promover grande destruição na Síria. Destruíram a infraestrutura, conseguiram afetar a economia síria e afetaram de modo muito negativo a vida da população civil na Síria. Ninguém duvida de que os grupos terroristas causaram sofrimento terrível. Mas me refiro aqui a sucesso militar, em campo. Nesse quesito, os terroristas fracassaram miseravelmente. Faz sentido que tenham recorrido a outro tipo de arma. Com armas químicas em maior escala, ele poderiam esperar derrotar o Exército Sírio ou fazer pressão política na direção de algum acordo que levasse à intervenção estrangeira; e os EUA e seus aliados teriam encontrado um modo para atacar militarmente a Síria, e contra o Exército Sírio. Essa via, é claro, é o cenário mais provável.
“Israel é estado agressor. Foi criado sobre o expansionismo.”
 
TeleSUR: Há um tabuleiro de xadrez por baixo da mesa. Sabe-se que há acordos feitos por baixo da mesa, que alguém move as peças, por baixo da mesa. E esse alguém é Israel. Israel tem um papel em tudo que está acontecendo na Síria. Por que tanto se fala de armas químicas na Síria e de armas nucleares no Irã, mas ninguém fala das armas nucleares israelenses?
Presidente Assad: Israel é estado agressor. Foi criado sobre o expansionismo. Ocupa terra de outros povos e mata quem vive nas terras ocupadas. Em seis décadas, Israel já matou número incalculável de palestinos. Já matou libaneses, egípcios, sírios e outros, servindo-se de operações de assassinato, bombardeios, terrorismo e outros métodos. Hoje, Israel faz o que sempre fez, está no mesmo papel, apoiando terroristas diretamente, nas áreas adjacentes do front sírio, perto do Golan ocupado. Ali Israel fornece apoio logístico, assistência médica, além de informação, armas e munições aos grupos terroristas.
 
TeleSUR: Há também notícias de que Israel tem interesses no petróleo em algumas áreas da Síria?
Presidente Assad: Há notícias. Fala-se sobretudo do petróleo da costa leste do Mediterrâneo. Mas são só análises, e não temos informação concreta sobre isso. Quanto às armas nucleares israelenses, como o senhor disse, ninguém fala delas porque Israel, o estado agressor, o estado bandido, recebe integral apoio dos EUA em todas as suas políticas. Israel tem cobertura para todos os seus crimes. Enquanto perdurar esse processo de garantir cobertura aos crimes de Israel, nos EUA, no Conselho de Segurança e na ONU, nas organizações internacionais, inclusive na Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), ninguém se surpreenda ante o fato de que se pode discutir qualquer arma, em qualquer lugar do mundo, exceto as armas de Israel. É a lógica que ainda prevalece no mundo, a lógica hegemonista, do colonialismo, a lógica da violência e da força.
“O diálogo entre os sírios acontecerá, entre todos os partidos sírios, entre todos os sírios sobre o futuro da Síria”
 
TeleSUR: Senhor presidente, enquanto eles buscam uma solução política para a Síria no plano internacional, o que o senhor está fazendo dentro da Síria, para reduzir a tensão? Há tentativas para engajar os diferentes partidos na Síria? Há esperança de uma solução interna na Síria, que leve à Conferência de Genebra?
Presidente Assad: Não importa o quanto seja intensa a ação terrorista, e por mais difícil que seja a situação, temos de insistir na ação política para resolver esse e qualquer problema. Acreditamos nisso e insistimos nisso desde o começo, apesar da recente escalada dos atos terroristas. A ação política exige, em primeiro lugar, pôr fim ao contrabando de armas para os terroristas, vindas de países vizinhos; e pôr fim ao apoio aos grupos terroristas, que ainda recebem armas, dinheiro e apoio logístico para viabilizar suas operações de terrorismo.
Ao mesmo tempo, é inevitável o diálogo entre os sírios, entre todos os partidos sírios, sobre o futuro do país. Esse diálogo deve começar por decidir que sistema político os sírios desejam ter; em seguida, consequentemente, vem a questão das leis e regulações que brotam desse sistema. Há muitos outros elementos e detalhes: quando os sírios, na mesa de negociações, chegarem a uma determinada conclusão, essa conclusão terá de ser apresentada à população, que se manifestará num referendo popular.
A conferência de Genebra é ideia importante, e nos dá uma oportunidade de diálogo entre os diferentes partidos sírios. Claro, não se considera a participação de grupos terroristas, que mataram e ainda matam. Nem aceitamos que o diálogo seja conduzido com entidades que clamaram pela intervenção externa. Por lei e considerando o sentimento popular na Síria, os que clamaram por intervenção externa são traidores e não serão aceitos por ninguém, em nenhuma negociação.
Pelo próprio princípio, a conferência de Genebra é passo importante e necessário para preparar o caminho para o diálogo entre os eleitores sírios. Mas a conferência de Genebra não pode substituir o diálogo interno sírio; nem, com certeza, substitui as eleições e o referendo. Essas são as linhas gerais do que pensamos sobre ação política para superar a crise síria. Esses elementos nada significam e não levarão a resultados reais, em campo, se não for suspenso o apoio ao terrorismo.
 
TeleSUR: O senhor tem repetido que não negociará com grupos armados e terroristas em Genebra. Quais são os partidos com os quais o senhor negociará? Como se pode alcançar esse diálogo no plano internacional, e qual o cronograma para alcançar uma solução política para a crise síria?
“Os partidos fora da Síria não falam pelo povo sírio”
Presidente Assad: Posso responder a parte da pergunta relativa aos partidos dentro da Síria, que representam o eleitorado sírio. Há diferentes tipos de partidos – partidos de oposição, de centro e partidos de apoio ao governo. Sobre os partidos fora da Síria, para saber o que pensam, seria preciso interrogar os estados que os apoiam, porque aqueles estados – EUA, França, Grã-Bretanha, Arábia Saudita, Qatar e outros – reuniram indivíduos que não representam o povo sírio. Se aqueles estados os mandarem ir a Genebra, eles vão; é gente que diz e faz o que é mandada dizer e fazer. Para saber o que esses grupos pensam ou farão, seria preciso consultar aqueles estados e perguntar se mandarão ou não os seus prepostos a Genebra. Nem o povo sírio nem o governo sírio os mandaremos fazer ou dizer coisa alguma e eles não nos representam, nem em Genebra nem em lugar algum.
Por isso eu falo em diálogo: falo de engajar os vários partidos e grupos de oposição que há na Síria, e outros movimentos e formadores de opinião ativos na Síria, que não são, todos, de oposição.
“Somos todos, a Síria e a América Latina, parte do mundo em desenvolvimento”
 
TeleSUR: Não posso encerrar essa entrevista sem falar do presidente Hugo Chávez, que visitou a Síria e foi com o senhor a Maaloula, cidade que há alguns dias foi atacada por terroristas.
Quando esteve em Maaloula, o presidente Chávez disse que “Nada de humano ou de humanitário poderá jamais ser usado para justificar um ataque ou alguma agressão contra a Síria. Como poderíamos não apoiar o governo sírio? Como poderíamos não apoiar o governo do presidente Bashar al-Assad? Como é possível que outros estados apoiem grupos armados contra a Síria?”
O senhor poderia, por favor, falar de suas lembranças daquela visita do presidente Chávez à Síria? O que pensa da posição da Venezuela e dos países da ALBA, na defesa da liberdade e na defesa da Síria e na defesa dos direitos do povo sírio?
Presidente Assad: Sempre dissemos que o mundo em desenvolvimento, do qual fazem parte os nossos dois países, avança por várias etapas na busca da independência. A primeira etapa foi a evacuação de forças estrangeiras que ocupavam nossos países, pela qual muitos países alcançaram a independência. O segundo estágio, mais importante, é a independência para tomar decisões independentes no campo político, econômico e militar – a independência para a tomada nacional de decisões, digamos assim. Foi o que a América Latina e a América Central alcançaram nas duas últimas décadas. Há dois símbolos dessa independência: o presidente Castro, há 50 anos; e o presidente Chávez. Ao recordar o presidente Chávez lembro dessa segunda etapa, porque os trabalhos que temos pela frente na nossa região, o Oriente Médio, é similar aos que vocês enfrentaram antes, na América Latina.
Depois que vocês alcançaram a independência para a tomada nacional de decisões, a situação na América do Sul e, mesmo, na América Central, melhorou muito e a estabilidade política trouxe com ela benefícios econômicos para toda a população. Quando vocês começaram o processo de desenvolvimento econômico regional, alguns países emergiram como potências industriais importantes. Pode-se dizer que esse é um dos efeitos naturais da independência. Até hoje, na região árabe, mal conseguimos uma mínima independência política para tomar decisões nacionais, e só em pequeno número de países.
O conflito com o ocidente que vivemos hoje é, em parte, relacionado, em outras palavras, a alcançar independência para a tomada nacional de decisões. Entendo que o presidente Chávez da Venezuela e, antes dele, o presidente Castro, em Cuba, são importantes modelos a serem seguidos na estrada em direção à independência e à liberdade que tanto buscam as nações que ainda lutam para livrar-se do jugo ocidental, que nos chega sob a forma de longas décadas de colonização direta e, hoje, sob a forma de colonização indireta.
Há semelhanças de temperamento, nas emoções e no afeto que liga os cidadãos na mesma nação e entre o seu país e o nosso. Nossa história também tem semelhanças. E há outros presidentes, além do presidente Castro e do presidente Chávez que seguem, hoje, a mesma linha do presidente Chávez.
Mas quero fazer também uma referência especial ao meu amigo e companheiro, o presidente Maduro, que conheci em inúmeras reuniões e conversas quando eu visitei a Venezuela e nas várias visitas que ele fez à Síria. Muito nos alegrou que o povo venezuelano tenha escolhido esse homem para representá-lo e persistir na linha assumida pelo presidente Chávez. Maduro é governante resistente, com clara compreensão sobre a nossa região; tenho certeza de que continuará a guiar a Venezuela na trilha da independência. Todos nós sabemos que os EUA e alguns de seus aliados tinham grandes esperanças de que a Venezuela voltasse ao regaço dos EUA, na ausência do presidente Chávez. Com a eleição do presidente Maduro, aqueles sonhos evaporaram. Entendo que, como estados árabes, nós devemos seguir o rumo que a América Latina escolheu, se queremos deixar nossa marca no mundo, independentes e avançados.
“A Síria está defendendo o futuro dos nossos filhos e o futuro de toda a região”
 
TeleSUR: Muito obrigado, senhor presidente, por suas palavras. E dê-nos mais uma mensagem para a América Latina: a Síria persistirá na resistência? A Síria vencerá?
Presidente Assad: Se tivéssemos outra escolha, além de resistir, eu lhe diria, mas não temos. Nossa única possibilidade é resistir, porque o futuro político dessa região é atado ao que está acontecendo na Síria. Não estamos defendendo só a Síria, nem estamos defendendo só nossos interesses e nossos princípios. Estamos defendendo o futuro de nossos filhos e o futuro de toda essa região – e essa região é o coração do mundo.
Um Oriente Médio instável compromete a estabilidade de todo o mundo, até das partes mais remotas do mundo. Já nem se pode falar em regiões ‘distantes’, como a América Latina, a América do Norte ou o leste da Ásia. O mundo hoje é uma pequena vila, e o que está acontecendo na Síria afetará toda a região e afetará também as partes mais remotas do mundo. Nem preciso dizer que desejamos que os povos da América Latina apoiem nossas causas, porque eles sempre apoiaram as causas árabes com tanto empenho, calor e objetividade quanto os povos daqui, que estão inseridos nas causas árabes. Esperamos poder aprofundar as relações entre nossos povos, para assim ampliarmos o espaço de independência e reduzirmos o espaço da colonização representado pelo ocidente e, em particular, pelos EUA.
 
TeleSUR: Muito obrigado, senhor presidente. Essa é uma entrevista especial com Sua Excelência, presidente Bashar al-Assad, em Damasco, Síria. Obrigado aos amigos da TeleSUR e na América Latina, pela audiência. O objetivo da TeleSUR é aproximar os povos.
Presidente Assad: Obrigado.

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Hannah Arendt denuncia: abdicar de pensar também é crime

Hannah Arendt denuncia: abdicar de pensar também é crime

Frei Betto - Jornal Brasil de Fato
04/09/2013
 
Em nome de interesses pessoais, muitos abdicam do pensamento crítico, engolem abusos e sorriem para quem desprezam
Está em cartaz, em alguns cinemas do Brasil, o filme “Hannah Arendt”, direção de Margarethe Von Trotta. Por ser uma obra de arte que faz pensar não atrai muitos espectadores. A maioria prefere os enlatados de entretenimento que entopem a programação televisiva.
Hannah Arendt (1906-1975) era uma filósofa alemã, judia, aluna e amante de Heidegger, um dos mais importantes filósofos do século XX, que cometeu o grave deslize de filiar-se ao Partido Nazista e aceitar que Hitler o nomeasse reitor da Universidade de Freiburg. O que não tira o valor de sua obra, que exerceu grande influência sobre Sartre. Hannah Arendt refugiou-se do nazismo nos EUA.
O filme de Von Trotta retrata a filósofa no julgamento de Adolf Eichmann, em 1961, em Jerusalém, enviada pela revista “The New Yorker”. Cenas reais do julgamento foram enxertadas no filme.
De volta a Nova York, Hannah escreveu uma série de cinco ensaios, hoje reunidos no livro “Eichmann em Jerusalém – um relato sobre a banalidade do mal” (Companhia das Letras, 1999). Sua ótica sobre o réu nazista chocou muitos leitores, em especial da comunidade judaica.
Hannah escreveu que esperava encontrar um homem monstruoso, responsável por crimes monstruosos: o embarque de vítimas do nazismo em trens rumo à morte nos campos de concentração. No entanto, ela se deparou com um ser humano medíocre, mero burocrata da máquina genocida comandada por Hitler. A grande culpa de Eichmann, segundo ela, foi demitir-se do direito de pensar.
Hannah pôs o dedo na ferida. Muitos de nós julgamos que são pessoas sem coração, frias, incapazes de um gesto de generosidade, os corruptos que embolsam recursos públicos, os carcereiros que torturam presos em delegacias e presídios, os policiais que primeiro espancam e depois perguntam, os médicos que deixam morrer um paciente sem dinheiro para custear o tratamento. É o que mostram os filmes cujos personagens são “do mal”.
Na realidade, o mal é também cometido por pessoas que não fariam feio se convidadas para jantar com a rainha Elizabeth II, como Raskólnikov, personagem de Doistoiévski em “Crime e castigo”. Gente que, no exercício de suas funções, se demite do direito de pensar, como fez Eichmann.
Elas não vestem apenas a camisa do serviço público, da empresa, da corporação (Igreja, clube, associação etc.) no qual trabalham ou frequentam. Vestem também a pele. São incapazes de juízo crítico frente a seus superiores, de discernimento nas ordens que recebem, de dizer “não” a quem estão hierarquicamente submetidas.
Lembro de “Pudim”, um dos mais notórios torturadores do DEOPS de São Paulo, vinculado ao Esquadrão da Morte chefiado pelo delegado [Sérgio Paranhos] Fleury. Ele foi incumbido de transportar o principal assessor de Dom Helder Câmara, monsenhor Marcelo Carvalheira (que mais tarde viria a ser arcebispo de João Pessoa), do cárcere de São Paulo ao DOPS de Porto Alegre, onde seria solto.
Antes de pegar a estrada, a viatura parou à porta de uma casa de classe média baixa, em um bairro da capital paulista. Marcelo temeu por sua vida, julgou funcionar ali um centro clandestino de tortura e extermínio. Surpreendeu-se ao se deparar com uma cena bizarra: a mulher e os filhos pequenos de “Pudim” em torno da mesa preparada para o lanche. O preso ficou estarrecido ao ver o torturador como afetuoso pai e esposo…
Uma das áreas em que as pessoas mais se demitem do direito de pensar é a política. Em nome da ambição de galgar os degraus do poder, de manter uma função pública, de usufruir da amizade de poderosos, muitos abdicam do pensamento crítico, engolem a seco abusos de seus superiores, fazem vista grossa à corrupção, se abrem em sorrisos para quem, no íntimo, desprezam.
Essa é a banalidade do mal. Muitas vezes ele resulta da omissão, não da transgressão. Quem cala consente. Ou do rigoroso cumprimento de ordens que, em última instância, violam a ética e os direitos humanos.
Assim, o mal viceja graças ao caráter invertebrado de subalternos que, como Eichmann, julgam que não podem ser punidos pelo genocídio de 6 milhões de pessoas, pois apenas cuidavam de embarcá-las nos trens, sem que elas tivessem noção de que seriam levadas como gado ao matadouro das câmaras de gás.
Dois exemplos da grandiosidade do bem temos, hoje, em Edward Snowden, o jovem estadunidense de 29 anos que ousou denunciar a assombrosa máquina de espionagem do governo dos EUA, capaz de violar a privacidade de qualquer usuário da internet; e no soldado Bradley Manning, de 25, que divulgou para o Wikileaks 700 mil documentos sigilosos sobre a atuação criminosa da Casa Branca nas guerras do Iraque e do Afeganistão.
Frei Betto é escritor, autor de “Calendário do Poder” (Rocco), entre outros livros. Artigo original em Brasil de Fato.

Médico que estrupou pacientes obteve do ministro do STF Gilmar Mendes habeas corpus

Correspondente do 'Estado' é presa e algemada em Yale (EUA)

Correspondente do 'Estado' é presa e algemada em Yale (EUA)


Destacada para cobrir a visita do ministro Joaquim Barbosa, que fazia uma conferência na universidade, a jornalista foi autuada por 'invasão de propriedade privada', segundo a polícia


27 de setembro de 2013 | 17h 28


 
 
O Estado de S. Paulo
A correspondente do Estado em Washington, Cláudia Trevisan, foi detida nesta quinta-feira, 26, na Universidade Yale, uma das mais respeitadas dos Estados Unidos, enquanto tentava localizar o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, que fazia uma conferência no local. A jornalista foi algemada e mantida incomunicável por quase cinco horas, inicialmente dentro de um carro policial e depois em uma cela do distrito policial de New Haven, cidade onde fica a universidade. Sua liberação ocorreu apenas depois de sua autuação por "invasão de propriedade privada".
O caso foi acompanhado pelo Itamaraty, em Brasília, e especialmente pela embaixada brasileira em Washington e pelo consulado em Hartford, Connecticut, que colocou à disposição da jornalista seu apoio jurídico. O ministro das Relações Exteriores, Luiz Alberto Figueiredo, estava em Nova York e foi informado por assessores sobre o incidente. Claudia, pouco antes de ser presa, pudera informar um diplomata da embaixada brasileira por telefone.
Claudia Trevisan é correspondente do Estado em Washington desde o final de agosto. Nos últimos cinco anos, atuara em Pequim, na China, onde foi também diretora da Associação de Correspondentes Estrangeiros. Por outros meios de comunicação brasileiros, havia trabalhado como correspondente em Buenos Aires e em Pequim.
"Eu não invadi nenhum lugar", declarou ela, ao mostrar-se indignada pela acusação policial e por sua prisão."Passei cinco anos na China, viajei pela Coreia do Norte e por Mianmar e não me aconteceu nada remotamente parecido com o que passei na Universidade de Yale", completou nesta quinta-feira, 26, ainda abalada.
A jornalista havia sido destacada para cobrir a visita do ministro Joaquim Barbosa à Universidade Yale, onde participaria do Seminário Constitucionalismo Global 2013. Ela trocara e-mails com a assessora de imprensa da Escola de Direito da universidade, Janet Conroy, que lhe informara ser o evento fechado à imprensa. Claudia aquiesceu, mas disse que, por dever de ofício, esperaria pelo ministro do lado de fora do Woolsey Hall, o auditório onde se daria o seminário.
Ela também havia conversado previamente, por telefone celular, com o próprio ministro Barbosa, a quem solicitou uma entrevista. Barbosa disse que não estava disposto a falar com a imprensa. Claudia, então, informou o presidente do STF que o aguardaria e o abordaria do lado de fora do prédio.
Portas abertas. O prédio é percorrido constantemente por estudantes e funcionários da universidade e por turistas. Suas portas estavam abertas às 14h30 de quinta-feira. Claudia ingressou e, na tentativa de confirmar se o evento se daria ali, dirigiu-se ao policial DeJesus, em guarda no primeiro andar. Ele pediu para Claudia acompanhá-lo. No piso térreo do prédio, a pedido do policial, Claudia forneceu seu endereço em Washington, telefone e passaporte. Ao alcançarem a calçada, do lado de fora do prédio, DeJesus recusou-se a devolver seu documento.
"Nós sabemos quem você é. Você é uma repórter, temos sua foto. Você foi avisada muitas vezes que não poderia vir aqui", disse o policial, segundo relato de Claudia Trevisan, para em seguida agregar que ela seria presa.
Algemas. O processo de prisão teve uma sequência não usual nos EUA. Os argumentos de Claudia não foram considerados pelo policial. Na calçada, ele a algemou com as mãos nas costas e a prendeu dentro do carro policial sem a prévia leitura dos seus direitos. Ela foi mantida ali por uma hora, até que um funcionário do gabinete do reitor da Escola de Direito o autorizou a conduzi-la à delegacia da universidade, em outro carro, apropriado para o transporte de criminosos.
Na delegacia, Claudia foi revistada e somente teve garantido seu direito a um telefonema depois de quase quatro horas de prisão, às 21h20. O chefe de polícia, Ronnell A. Higgins, registrou a acusação de "transgressão criminosa". Ela deverá se apresentar no próximo dia 4 diante de um juiz de New Haven.
O Estado manifestou hoje sua indignação à Escola de Direito da Universidade Yale pela prisão arbitrária de sua correspondente em Washington. Solicitou também respostas a cinco perguntas pontuais sobre o episódio e seu acesso às imagens de câmeras de segurança do prédio de Woolsey Hall, para comprovar o fato de Claudia ter obedecido as instruções do policial. A resposta dessa instituição está sendo aguardada.

Confira as perguntas cujas respostas são aguardadas pelo 'Estado': Em virtude dos infelizes fatos ocorridos, O Estado de S. Paulo gostaria de obter, nesta sexta-feira, de preferência, alguns esclarecimentos da Escola de Direito da Universidade Yale:
1. Quais foram - especificamente - as instruções recebidas pelo policial DeJesus antes do evento, com relação ao tratamento dado ao jornalistas?
2. Por que a jornalista Cláudia Trevisan foi presa por 'invasão de propriedade privada' se ela não estava no interior de um prédio privado naquele momento, não resistiu às instruções dadas pelo policial DeJesus e não foi agressiva?
3. Qual é o nome do oficial que deu ao policial DeJesus a permissão para conduzir a jornalista Cláudia Trevisan ao distrito policial e processá-la? Por que ele fez isso?
4. O ministro Joaquim Barbosa deu alguma instrução à faculdade de Direito ou para pessoas da organização do evento de como tratar a imprensa?
5. O mesmo procedimento foi usado antes pela Faculdade de Direito em outros episódios parecidos.

Estado gostaria de ter acesso à cópia do vídeo feito pelas câmeras de segurança, capturadas equipamentos instalados no ambiente interno e externo do prédio, com imagens dos movimentos da jornalista.

Capitalismo


Equador apresentará denúncias contra a Chevron ao Tribunal Internacional de Haia

Equador apresentará denúncias contra a Chevron ao Tribunal Internacional de Haia

Matéria do Jornal Brasil de Fato

Governo encaminhará relatórios referentes aos danos ambientais provocados pela companhia durante os 26 anos em que explorou petróleo na Amazônia equatoriana
27/09/2013

 

 
O governo do Equador anunciou uma contraofensiva contra a transnacional petroleira estadunidense Chevron durante a Assembleia Geral da ONU, em Nova Iorque (EUA). Segundo informou o chanceler equatoriano, Ricardo Patiño, até o fim deste ano, serão apresentados à Corte Penal Internacional de Haia relatórios referentes aos danos ambientais provocados pela companhia durante os 26 anos em que explorou petróleo na Amazônia equatoriana.
O anúncio foi feito apenas cinco dias depois que a própria Corte de Haia emitiu uma sentença em favor da Chevron e sua filial Texaco Petroleum Company (TexPet). Na avaliação do tribunal, a petroleira estadunidense não é responsável por nenhuma reclamação coletiva por danos ambientais, com base nos acordos de Liberação de Responsabilidades que o governo do Equador firmou com a TexPet em 1995 e 1998. Essa decisão respondeu a uma demanda da Chevron, de setembro de 2009, contra o Equador, baseada no Tratado Bilateral de Proteção de Investimentos entre EUA e Quito.
"O jogo acabou. Esse laudo ditado por um eminente tribunal internacional confirma que as reclamações fraudulentas contra a Chevron não deveriam ter sido apresentadas desde o começo. Agora, não resta dúvida de que os esforços dos advogados estadunidenses dos demandantes e do governo do Equador para executar essa sentença fraudulenta violam o direito equatoriano, estadunidense e internacional", afirmou Hewitt Pate, vice-presidente e conselheiro geral da Chevron através de um comunicado.
Nesta semana, durante a Assembleia da ONU, centenas de equatorianos residentes nos EUA foram até a sede da organização para apoiar o governo de seu país na luta contra a transnacional. Muitos sujaram as mãos de preto em referência ao presidente Rafael Correa, que, na semana passada, visitou a região contaminada pela Chevron, pegando com as mãos uma espécie de lama negra deixada pela empresa no solo da Amazônia. Os manifestantes pleitearam que em todo o mundo se deixe de consumir os produtos da petroleira, que se recusa a indenizar as pessoas afetadas.
Em 2011, a Corte Superior de Justiça de Sucumbíos, uma das províncias afetadas pela contaminação, condenou a petroleira a pagar uma multa de 19 bilhões de dólares por poluir a região da Amazônia. Patiño relatou que a atuação da Chevron deixou sequelas em cerca de 30 mil moradores da região. Em torno de 680 mil barris de óleo foram derramados nos rios, na flora e sobre a fauna das províncias de Orellana e Sucumbíos. Uma pesquisa realizada pelo governo constatou que a população dessa área tem três vezes mais câncer, e 147% mais abortos que os habitantes do restante do país. Mais de 80 mil análises comprovam a existência de produtos tóxicos no solo e na água.
Foto: Fernando Alvorado/ABr