quinta-feira, 31 de outubro de 2013

BLACK BLOCS, o assassinato do menino Douglas e o inferno anunciado…


Quarta, 30 de outubro de 2013

BLACK BLOCS, o assassinato do menino Douglas e o inferno anunciado…

"Os jovens de periferia não querem mais ver irmãos, parentes, amigos, colegas ou apenas


conhecidos, serem enterrados porque cometeram o crime de terem nascido, em geral

negros, e viverem nas periferias. Eles estão dizendo chega. E a nossa democracia, sim,

democracia, não tem dado conta de resolver esse problema". O comentário é de Renato

Rovai em artigo publicado pelo sítio Rede Brasil Atual - RBA, 29-10-2013.





Eis o artigo.

No dia 3 janeiro à noite, bem antes das Jornadas de Junho, uma chacina chocou São

Paulo. Laércio de Souza Grimas, o DJ Lah, de 33 anos, do grupo Conexão do Morro, foi




assassinado com outras seis pessoas num bar do Campo Limpo, zona Sul de São Paulo.

Bar que ficava em frente ao local onde tinha sido assassinado o pedreiro Paulo Batista do

Nascimento, numa execução que, filmada, acabou no Fantástico da Rede Globo.




No dia 7 de janeiro, ainda em férias, escrevi um post sobre o assunto. Um dos trechos:

“Segue um relato-reportagem, a meu pedido, feito pelo repórter Igor Carvalho sobre o caso

do massacre de Campo Limpo e seu contexto. Igor esteve ontem no local da chacina e




conversou com uma série de pessoas que pediram anonimato. O clima em Campo Limpo


e em outros bairros da periferia é terrível. Misto de revolta e medo. Perfeito para produzir


reações extremadas. Quem acha que a situação atual é ruim, vai ter saudades do hoje. São

Paulo pode virar um inferno. Eu, acima assinante, responsabilizo Alckmin por isso. Foi ele




quem disse que quem não reagiu está vivo. E que de certa forma autorizou a barbárie.”


Este texto não foi premonitório. Era simples análise jornalística com base em informações

apuradas pelo repórter Igor Carvalho e por mim. Uns sessenta dias após escrevê-lo,




encontrei-me com um personagem importante no contexto da periferia paulistana. No meio


da conversa-entrevista ele me pediu para desligar o gravador e disse algo mais ou menos


assim: “O povo vai reagir, a molecada tá se mexendo e vai para cima… A coisa vai ficar


feia”.

Lembrei disso no dia 6 de junho, quando por acaso me encontrei no meio da conflito do

primeiro ato do Movimento Passe Livre no centro de São Paulo. Fiquei impressionado com

o olhar de raiva daqueles garotos e garotas que escondiam seus rostos sob camisetas e

pedaços de pano. E registrei aqui no blogue um post do qual extraio o trecho abaixo:




“Eram garotos pobres, com muita raiva. Garotos e garotas indignados e revoltados. E que


pareciam não estar ali só por conta do aumento da passagem, mas porque precisam gritar


que existem (…) A periferia brasileira está em movimento e em disputa. E se a cidade não


passar a ser pensada para esses milhões de jovens, em breve algo muito maior do que

aconteceu na quinta vai estourar.”

No domingo, Douglas Rodrigues, de 17 anos, foi baleado de forma covarde por um Policial




Militar. E antes de morrer, segundo seu irmão de 12 anos, perguntou: “Senhor, por que o


senhor atirou em mim?”


Ainda no domingo, as ruas da Vila Medeiros foram tomadas por pessoas revoltadas com


este fato. Ontem à noite, foi a rodovia Fernão Dias que literalmente pegou fogo. Atacaram

carros, caminhões, imóveis… Uma revolta generalizada escrita em sangue pelas últimas

palavras de um garoto de 17 anos: “Senhor, por que o senhor atirou em mim?”

É a partir de histórias como essa que as cenas de agressão ao coronel Reynaldo Rossi,




que geraram comoção midiática, precisam ser entendidas. Vejam bem, não estou dizendo


que precisam ser justificadas.

É a partir de histórias como a do assassinato de Douglas que muitas ações dos blacks blocs




nas ruas do Rio de Janeiro e de São Paulo devem ser entendidas. Vejam bem, não estou


dizendo que devem ser justificadas.


Os jovens de periferia não querem mais ver irmãos, parentes, amigos, colegas ou apenas


conhecidos, serem enterrados porque cometeram o crime de terem nascido, em geral

negros, e viverem nas periferias. Eles estão dizendo chega. E a nossa democracia, sim,

democracia, não tem dado conta de resolver esse problema. E eles perderam o medo de

perder a vida se necessário for para mostrar que não irão bovinamente para covas rasas de

cemitérios. Assassinados por polícias que deveriam preservar suas vidas. E vitimados por

um Estado que não lhes garante futuro e nem paz.

A ação black block no Brasil (e ela é diferente de outros países), se alguém ainda tinha

dúvida, é fruto, sim, também disso. E principalmente disso. Da violência policial. Os black

blocs nunca lutaram por vinte centavos, por transporte melhor ou por melhores salários dos




professores. Esses meninos têm ódio da polícia. Eles pulam de ódio da polícia. Eles querem


derrotar a polícia. Não são só garotos e garotas de periferia. Mas os que não são também


não aceitam como legítima a ação das forças policiais. E querem derrotar a polícia.


Se acho isso bom? Se acho isso ruim? Não acho nada. Quero que a democracia que

construímos seja capaz de se relacionar com essa questão sem tentar eliminar fisicamente

esses meninos e meninas. E sem criminalizar suas ações e reações.

E que a nossa inteligência seja capaz de ir além de simplismos como a de chamá-los de

vândalos e fascistas.

Até porque a preguiça intelectual também é uma forma de violência dos que têm o poder de

pautar o debate na sociedade. Os black blocs não precisam da minha defesa. Até porque




não me associo às suas práticas. Mas entendo perfeitamente os garotos e garotas que

têm ódio da polícia. Se Douglas, fosse seu filho, irmão, primo, amigo, será que você não




entenderia?

– Senhor, por que o senhor atirou em mim?

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