quinta-feira, 3 de outubro de 2013

“Escutei todos os tiros que mataram meu filho”, diz mãe de trabalhador da Unifesp

“Escutei todos os tiros que mataram meu filho”, diz mãe de trabalhador da Unifesp

Matéria do Jornal Brasil de Fato

Evento sobre desmilitarização da polícia inicia semana que marca o aniversário de 21 anos do Massacre do Carandiru
 
03/10/2013

Jéssica Santos de Souza
de São Paulo (SP)


“Não sei mais quem eu sou, parece que estou em coma e que a qualquer momento vou acordar” desabafou emocionada a diarista Elvira Ferreira ao contar sobre o assassinato do filho Ricardo Ferreira Gama. O auxiliar de limpeza morreu no dia 2 de agosto em decorrência de oito tiros à queima-roupa na rua de sua casa, na Vila Mathias em Santos.
Elvira contou que estava deitada quando escutou os tiros e na hora pensou que fosse o escapamento de alguma moto. “Meu vizinho bateu no meu portão desesperado, eu olhei lá fora e vi meu filho ensanguentado no chão.”
Os principais suspeitos são três policiais militares que agrediram Ricardo dois dias antes do crime em uma rua próxima à Unifesp. Depois da repercussão na imprensa e nas redes sociais, eles foram afastados e acusados de lesão corporal. O Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) assumiu as investigações do assassinato.
Elvira emocionou os presentes na entrevista coletiva que discutiu a desmilitarização da polícia e marcou o início das atividades que marcam o aniversário de 21 anos do Massacre do Carandiru e aconteceu a sede do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo.
Diversas entidades de direitos humanos estavam presentes, além de vítimas e familiares de vítimas da violência do Estado, como Mães de Maio, Coletivo Desentorpecendo a Razão (DAR), Passe Livre, Periferia Ativa, Moinho Vivo, Tortura Nunca Mais, entre outros.
“Nós não somos da paz, mataram nossos filhos, nós somos do ódio” afirmou Débora Maria Silva, uma das coordenadoras do Mães de Maio. O movimento luta para que os crimes de maio de 2006 sejam federalizados e assim o Ministério Público Federal e a Polícia Federal poderão investigar os assassinatos de 493 pessoas que foram possivelmente praticados por agentes policiais.
Débora acredita que o povo deve exigir uma faxina na política, a desmilitarização da polícia e também uma reforma no judiciário. “Qual a cor dos presídios hoje? Vemos um Navio Negreiro. Temos que acabar com essa cultura de que quem tem passagem pela polícia deve morrer”, defendeu.
Para Danilo Dara, também do Mães de Maio, tem que se criar até o final de 2013 uma política tanto nos estados quanto no país de reparação para essas vítimas do Estado. “Precisamos de uma política que assegure a reparação integral dessas famílias, uma reparação moral, física, psicológica e financeira. Muitos desses jovens eram arrimos de suas famílias”, explicou.
Alessandra Moja, líder comunitária da Favela do Moinho, também se emocionou bastante ao contar que há dez anos seu irmão e cunhado foram assassinados e que suas mortes até hoje não foram apuradas pela polícia. “Temos problemas com a polícia desde o começo da ocupação no Moinho (mais ou menos em 1992) aquele terreno era um cemitério clandestino da PM. Nos incêndios (dois grandes em 2011 e 2012) morreram mais pessoas do que dizem (estatística oficial dois mortos no primeiro e um no segundo), muitas mães foram na comunidade chorar por seus filhos, muitos corpos acabaram queimados”, conta Alessandra.
A líder comunitária revela ter medo de retaliação por esses anos de enfrentamento e pelo testemunho que deu pela morte de seu irmão e cunhado. Ela conta que já perdeu pelo menos 32 pessoas, entre familiares e amigos, por causa da violência policial.

Passe Livre e manifestações de Junho
Segundo o Movimento Passe Livre mais de 300 pessoas foram presas durante a luta contra o aumento em 2013, sendo muitas detidas por portarem vinagre, tinta, cartazes e até simplesmente por terem cara de manifestante, além dos presos para averiguação.
Ainda há cerca de 25 pessoas aguardam para saber se haverá processos abertos ou se estes serão arquivados, além de uma moradora de rua que foi presa no dia 11 de junho depois de uma série de saques no centro de São Paulo e que teve seu Habeas Corpus negado pela justiça.
“Vemos ai a mesma lógica que leva a PM a prender, cotidianamente, jovens na periferia por ‘terem cara de suspeitos’. As prisões por averiguação são prática corriqueira nas periferias de São Paulo e não tem a mesma repercussão por acontecerem longe das câmeras”, afirmou Mariana Toledo do MPL.
Já o fotojornalista Sérgio Silva, que no dia 13 de junho perdeu a visão do olho esquerdo ao ser atingido por uma bala de borracha em São Paulo, questionou a falta de posicionamento da Polícia Militar em relação ao suposto inquérito sobre os excessos cometidos no dia 13 de junho. “A violência cometida pela Polícia Militar nas manifestações são apenas um reflexo do que ela comete há anos e cotidianamente nas periferias do país. Convidei o Grella (Secretário de Segurança Pública do Estado de SP – Fernando Grella) para uma audiência pública para explicar a violência naquele dia de junho, estou aguardando a resposta”, completou.

Próximo evento
No próximo sábado (5), haverá um ato “Contra o Estado Penal-militar” no Parque da Juventude, local do antigo Carandiru, para marcar 21 anos do Massacre no presídio. A proposta é debater os impactos da militarização com atividades lúdicas, uma tribuna livre de debates e um ato passando pelos presídios da região. Começando às 13h30, o ato visa repensar os efeitos do Estado penal e da polícia militar em uma sociedade dita democrática.



Foto: Divulgação/Moinho Vivo

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