sábado, 26 de outubro de 2013

1A. CONFERENCIA SOBRE ESTUDOS ESTRATÉGICOS - UNASUL


1A. CONFERENCIA SOBRE ESTUDOS ESTRATÉGICOS - UNASUL
22.10.2013

[ América Latina e Caribe ]
América Latina: temas urgentes da conjuntura geopolítica
Atilio Borón
Adital
Na sexta-feira passada, foram concluídas em Havana as deliberações da

Primeira Conferência sobre Estudos Estratégicos, organizada pelo Centro de

Investigaciones de Política Internacional, dependente do Instituto Superior de

Relaciones Internacionales (ISRI), do Ministerio de Relaciones Exteriores de

Cuba. Foram três dias de produtivas discussões nos quais se revisou distintos

aspectos da conjuntura geopolítica internacional e o papel que na mesma jogam

os países da América Latina e Caribe.

Tradução: ADITAL




Algumas reflexões preliminares haviam sido expostas em uma postagem anterior.

A seguir, são expostas algumas das conclusões mais relevantes da conferência:
a) Necessidade de uma resposta muito mais cortante de nossos países em relação à

agressão informática, à espionagem e aos ciberataques lançados por diversas agências

de inteligência dos Estados Unidos. De fato, quando o Google, o Skype, o Facebook




e outras grandes companhias do mundo da Internet reconheceram publicamente

que transferiam seus arquivos aos organismos de espionagem e segurança dos

Estados Unidos, todos esses programas deveriam ter sido eliminados

imediatamente dos organismos governamentais da região e, na medida do

possível, substituídos por similares do software livre. Paralelamente, deveriam ter

sido lançada uma grande campanha para desalentar seu emprego nas

organizações não-governamentais e pelo público em geral, coisa que está sendo

feita apenas no Brasil, vítima preferencial desses ataques juntamente com a

Alemanha e a França, segundo revelações recentes. Vários especialistas

coincidiram em assinalar que os programas convencionais de antivírus revisam e

limpam todos os arquivos de computadores localizadas tanto no Cairo quanto em

Buenos Aires ou Bangalore; porém, que o trabalho é feito nos EUA e que,

simultaneamente, à remoção ou não dos vírus, esses arquivos são copiados e

mantidos em gigantescos servidores controlados pelo governo dos EUA, onde são

armazenados e revisados primeiramente por robôs informáticos e, quando

aparecem conteúdos, emissores ou destinatários suspeitos, por humanos.

Conclusão: impõe-se acelerar o trânsito para o software livre e, além disso,

descartar todos os computadores feitos nos EUA ou por firmas norte-americanas

radicadas em terceiros países, de onde se desprende a importância de

desenvolver uma indústria latino-americana de produção de hardwares de

diversos tipos (computadores de mesa, laptops, tablets etc.).

b) Outra das conclusões foi sobre A silenciosa e permanente agressão militar do

imperialismo e o papel da Unasul. Um dos graves problemas que a região enfrenta




é que, a pesar de estar cercados por 76 bases militares estadunidenses, até

agora, os governos da Unasul não foram capazes de chegar a um consenso

sobre uma hipótese de conflito realista para a região. Hipótese que deve

responder a uma pergunta bem simples: quem é o nosso mais provável agressor

ou quem já está nos ameaçando? Apesar da avassaladora presença de tantas

instalações militares estadunidenses disseminadas ao longo de toda a América do

Sul, essa resposta ainda não foi sequer esboçada e continua sendo um tema

tabu no interior da Unasul. Obviamente, que a heterogeneidade do mapa

sociopolítico sul-americano conspira contra tal iniciativa. Há governos que

assumiram como sua missão converter-se nos "Cavalos de troia” do império e

obedecer incondicionalmente as diretivas emanadas de Washington: na América

do Sul, essa é a situação da Colômbia, do Peru e do Chile, com a provável adição

a essa lista do governo do Paraguai. Há outros que pugnam por assegurar sua

autodeterminação e resistir aos desígnios e pressões do imperialismo: caso da

Bolívia, do Equador e da Venezuela. E outros, como a Argentina, o Brasil e o

Uruguai, que navegam em meia água: apoiam debilmente aos segundos em seus

projetos continentais; porém, partilham com os primeiros sua vocação de

instaurar em seus países um "capitalismo sério”, enganoso ‘silêncio trovejante’

que enturva por igual a consciência de governantes e governados. O resultado é

a enorme dificuldade de chegar a um acordo para, por exemplo, exigir algo tão

fundamental como a retirada das bases militares estrangeiras da América do Sul;

ou para manter essa parte do continente como uma zona livre de armas

nucleares, coisa que até agora é impossível de certificar. Como saber quais são

as armas que o Pentágono instala em suas bases? Há suspeitas muito fundadas

de que em algumas que possui na Colômbia, como Palanquero, ou na da Otan,

nas Malvinas (base que conta com o apoio logístico e a presença militar

estadunidense) pode haver armas de destruição massiva. Porém, a verificação in

situ provou se, pelo menos até agora, impossível. A silenciosa, porém muito

efetiva ingerência de Washington sobre as forças armadas latino-americanas

traduz-se também na insólita continuidade dos programas de "formação e

adestramento” de militares e –cuidado com isso!- de forças policiais na região.

Inclusive, em governos claramente enfrentados com o imperialismo norteamericano,

a inércia de tantas décadas de formação na Escola das Américas e

em outras do mesmo tipo torna difícil substrair-se à pressão militar para

continuar com esses programas. Porém, quando o costume e os incentivos

crematísticos não são suficientes, a Casa Branca apela para a extorsão. Se um

país decide não enviar seus oficiais para os cursos de formação nos EUA, em

represália, Washington pode interromper o subministro de equipamento militar

aos países da área, seja sob forma de doações ou vendas subsidiadas. Desse

modo, o governo desobediente poderia depois ser acusado de "não colaboração”

na guerra contra o narcotráfico ou contra o terrorismo, entre outras coisas por

não contar com as equipes e armamentos adequados para a tarefa. E é lógico

pensar que quem se adestra nos EUA é treinado para combater a quem esse país

considere como seus inimigos. E já sabemos quem são esses para o império:

precisamente os governos e as forças anti-imperialistas da região.

Em suma: os cursos, as armas e as doutrinas militares conformam uma trindade

inseparável. Os países que enviam seus oficiais para ser treinados nos EUA estão

também deixando nas mãos desse país decidir quem são os inimigos a combater

e como fazê-lo.

Na mesma linha, deve-se ressaltar a absurda sobrevivência do TIAR, Tratado

Interamericano de Assistência Recíproca desenganado nos fatos pela

colaboração oferecida por Washington a Grã Bretanha na Guerra das Malvinas;

ou a continuidade das reuniões periódicas dos Comandantes ou da Junta

Interamericana de Defesa; ou a realização de operações conjuntas com forças

dos Estados Unidos, sendo que este é o único inimigo regional à vista. O anterior

se complementa, no plano jurídico, com a aprovação em quase todos nossos

países por uma legislação antiterrorista inspirada somente na necessidade

de proteger a sigilosa ocupação dos EUA do território latino-americano e de

criminalizar as forças políticas e movimentos sociais eu se opõem aos avanços do

imperialismo.

c) Também surgiu da conferência a necessidade de estudar sistematicamente o

imperialismo norte-americano. É preciso reverter uma perigosa tendência muito




presente nas forças políticas e nos movimentos anti-imperialistas da região e

que se sintetiza em uma consigna limítrofe ao suicídio: "não se estuda o inimigo;

combate-se”. Exalta-se o fervor militante, o que está bem, porém, se subestima

a necessidade de conhecer cientificamente, minuciosamente, ao imperialismo,

o que está mal. Sem estudar a fundo os EUA como centro nervoso do sistema

imperialista; sem conhecer como funciona; sem saber quais são os dispositivos

mediante os quais estabelece seu predomínio em escala mundial e quem são

seus agentes operacionais nos planos da economia, da política e da cultura;

desconhecendo quais são suas estratégias e táticas de luta, seus artifícios

propagandísticos e suas concepções ideológicas, e quem seus peões locais se

torna quase impossível travar uma batalha com êxito contra sua dominação. Por

isso, José Martí, um dos grandes heróis de nossas lutas anti-imperialistas, tinha

razão quando, para fundamentar seu diagnóstico sobre os ominosos desígnios

dos EUA, disse ao seu amigo Manuel Mercado que "vivi no monstro e conheço

suas entranhas”.

Porém, o desconhecimento do império não é atributo exclusivo da militância antiimperialista.

Infelizmente, na academia de nossos países o estudo dos EUA é

uma matéria que brilha por sua ausência. Contam-se nos dedos os centros de

investigação que se dedicam a estudar nossos opressores, enquanto que nos

EUA são ao redor de 300 os centros e/ou programas de ensino e investigação

que têm por objeto investigar nossas sociedades. Essas preocupantes realidades

deveriam suscitar uma rápida reação das forças anti-imperialistas da região,

recordando o que com tanta razão observara Lenin, ao dizer que "não há nada

mais prático do que uma boa teoria”. Uma boa teoria sobre o imperialismo

contemporâneo que deve articular a tradição clássica, sobretudo a teoria

leninista do imperialismo, com as novidades que o fenômeno assume um século

depois que o revolucionário russo escrevera seu livro sobre o tema. Novidades

entre as quais o deslocamento do centro do sistema imperialista de potências

coloniais europeias para os EUA não é precisamente a menor; novidades,

convém ressaltar, que, longe de refutar as previsões e as análises de Lenin,

as ratificaram, porém sob novas formas que não podem ser ignoradas; mas,

pretende-se travar um eficaz combate contra tão perverso sistema(1).

Necessidade, portanto, de estudar seriamente o funcionamento do "complexo

militar e industrial” norte-americano e sua insaciável voracidade. Nessa trama

de gigantescos oligopólios o que constitui o coração da classe dominante norteamericana

e, por extensão, da burguesia imperial. Para o "complexo militar

e industrial”, a paz equivale à bancarrota: sem guerras não há lucros e sem

lucros não se pode financiar a classe política dos EUA. Perversa articulação

entre a rentabilidade da indústria armamentista –uma indústria que só provoca

destruição e morte- e as necessidades dos políticos norte-americanos de custear

suas carreiras políticas que, inevitavelmente, acabam colocando aos vencedores a

serviço de seus financiadores. Portanto, não surpreende constatar que as vendas

das indústrias do "complexo militar-industrial”, tenham aumentado em 60% entre

2002 e 2012, desde o início da grande contraofensiva militar depois do 11-S até

nossos dias.

Dado adicional: lembram que há uns seis meses parecera que o mundo

enfrentava um iminente ataque atômico lançado pela Coreia do Norte? O que

aconteceu com isso? Agora, os norte-coreanos já não põem o planeta em

cheque? Depois, se disse que parecia que a obstinação do Irã de continuar com

seu programa nuclear punha em perigo a paz mundial e mais tarde o problema

das "armas químicas” da Síria parecia colocar-nos, outra vez, ao borde de

uma III Guerra Mundial. Conclusão: para a rentabilidade de seus negócios, o

‘complexo militar-industrial” necessita garantir que sempre haja crise, e se não

existirem, as inventam; e se não as inventam, as constroem midiaticamente. Para

isso está a imprensa hegemônica que, igual à puta Babilônia, presta-se solícita a

difundir essas patranhas que amedrontam à população ao passo que estimulam a

produção de novos e cada vez mais letais armamentos.

d) Diversas apresentações da conferência ressaltaram a continuidade da política da

Casa Branca rumo a América Latina e o Caribe. Nesse sentido, houve um consenso




praticamente unânime em ressaltar a identidade existente entre as políticas

latino-americanas das administrações de George W. Bush e Barack Obama,

razão pela qual convém deixar de utilizar esse nome –"administração” e falar

do "regime de Washington”, para, desse modo, assinalar a sistemática violação

da legalidade internacional e dos direitos humanos praticada pelo governo norteamericano,

de qualquer signo(2). No que se refere a Cuba, se algo fez o "regime”

norte-americano, foi intensificar o bloqueio financeiro, comercial e econômico

contra a ilha, ajustando ainda mais os controles estabelecidos pela legislação

estadunidense. Não deixa de ser surpreendente que não tenha surgido ainda

uma queixa universal contra a ilegal e imoral extraterritorialidade estabelecida

pela Emenda Torricelli à Lei Helms-Burton. Segundo essa monstruosidade jurídica

–projetada exclusivamente para prejudicar a um só país no mundo: Cuba- o

governo dos EUA está autorizado para aplicar sanções a qualquer empresa

nacional ou de um terceiro país (por exemplo, uma britânica, japonesa ou sueca)

apenas pelo fato de comercializar com Cuba ou por iniciar empreendimentos

econômicos com a Ilha. Por exemplo, na exportação do petróleo. Em outras

palavras, os EUA "legalizam” ao imperialismo mediante a despótica imposição

da lei estadunidense acima da de todos os países do globo. Imaginemos o

que aconteceria se um país qualquer pretendesse fazer algo parecido, por

exemplo, universalizar sua legislação proibitiva da pena de morte e sancionasse

àquele que, como os EUA, ainda a aplicasse! Para os que ainda duvidam de eu

vivemos sob um sistema imperial, os exemplos anteriores bastam e sobram para

convencê-los do contrário.

Outro traço que demonstra a enfermiça persistência da agressão contra Cuba

está dado pelo fato de que Washington continua utilizando transmissões ilegais

de rádio e de TV, convocando ao povo da Ilha a subverter a ordem constitucional

vigente e a rebelar-se contra seu governo, com o objetivo de alcançar a

longamente acariciada "mudança de regime”. Ditas transmissões não só divulgam

propaganda sediciosa, como também interferem no normal funcionamento das

emissoras de rádio e TV cubanas. Estima-se que o custo dessas atividades ilegais

patrocinadas por Washington eleva-se a uns 30 milhões de dólares anuais. Um

recente relatório da Auditoria do Governo estadunidense referido exclusivamente

às atividades da Usaid e do Departamento de Estado revelou também que entre

1996 e 2011 essas agências destinaram 205 milhões de dólares para promover

o derrocamento do governo cubano. Certamente, muitos milhões mais foram

apropriados pela CIA, pela Usaid, pelo Fundo Nacional para a Democracia e

por outras instituições afins para promover tão sinistros objetivos. Pelo visto,

Noam Chomsky tinha razão quando interrogado no final de 2008 sobre seu

prognóstico acerca da iminente inauguração do "regime de Obama” respondeu

sarcasticamente que este seria apenas o terceiro turno da Administração Bush.

Tinha razão, como a história tem demonstrado, apesar de que ficou limitado caso

se compute o número de mortes civis ocasionadas pelos aviões norte-americanos

não tripulados, os "drones”, o inverossímil Prêmio Nobel da Paz superou com

acréscimos o saldo lutuoso de seu predecessor. A seis meses das eleições

presidenciais venezuelanas, o muito distraído Obama ainda parece não ter

tomado ciência que o triunfador dessa contenda foi o candidato chavista Nicolás

Maduro e continua sem reconhecer oficialmente sua vitória e alentando os planos

desestabilizadores da oposição fascista na República Bolivariana da Venezuela. E

os quatro lutadores antiterroristas cubanos que purgam nas prisões do império

sua ousadia de pretender desmontar a máquina terrorista instalada em Miami –

e protegida pelo "regime de Washington”- poderiam ser postos imediatamente

em liberdade se Obama exercesse as atribuições do perdão presidencial que a

Constituição lhe confere. Porém, não o faz. Em troca, continua apadrinhando

terroristas como Luis Posada Carriles ou o ex-presidente boliviano Gonzalo

Sánchez de Lozada, cuja extradição é solicitada pela justiça da Bolívia por sua

responsabilidade no massacre de 67 pessoas durante as jornadas de protesto

popular que provocaram a sua queda.
Notas:
[1] Sobre o tema, consultar duas obras de nossa autoria, de descarga gratuita

na web: Imperio & Imperialismo. Una lectura crítica de Michael Hardt y Antonio

Negri (Buenos Aires: CLACSO, 5º edición, 2004, "Premio Extraordinario de




Ensayo de "Casa de las Américas”), especialmente o capítulo 8 e a compilação

que foi feita sob o título de Nueva Hegemonía Mundial. Alternativas de cambio y

movimientos sociales (Buenos Aires: CLACSO, 2004), p. 133-154. O primeiro pode

ser encontrado em:https://docs.google.com/file/d/0Bx2YC3gJbq2TMjExMTU0MGUtMjY2ZC00ZDg0LTljOWUtODIyMDZkNzM4YTRh/edit?





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E o segundo encontra-se em: http://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/se/20120507124307/nuevah.pdf

[2]Ver a nota em nosso blog: www.atilioboron.com.arou também emhttp://www.cubadebate.cu/opinion/2013/09/19/the-obama-regime/

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