1A. CONFERENCIA SOBRE ESTUDOS ESTRATÉGICOS - UNASUL
22.10.2013
[ América Latina e Caribe ]
América Latina: temas urgentes da conjuntura geopolítica
Atilio Borón
Adital
Na sexta-feira passada, foram concluídas em Havana as deliberações da
Primeira Conferência sobre Estudos Estratégicos, organizada pelo Centro de
Investigaciones de Política Internacional, dependente do Instituto Superior de
Relaciones Internacionales (ISRI), do Ministerio de Relaciones Exteriores de
Cuba. Foram três dias de produtivas discussões nos quais se revisou distintos
aspectos da conjuntura geopolítica internacional e o papel que na mesma jogam
os países da América Latina e Caribe.
Tradução: ADITAL
Algumas reflexões preliminares haviam sido expostas em uma postagem anterior.
A seguir, são expostas algumas das conclusões mais relevantes da conferência:
a) Necessidade de uma resposta muito mais cortante de nossos países em relação à
agressão informática, à espionagem e aos ciberataques lançados por diversas agências
de inteligência dos Estados Unidos. De fato, quando o Google, o Skype, o Facebook
e outras grandes companhias do mundo da Internet reconheceram publicamente
que transferiam seus arquivos aos organismos de espionagem e segurança dos
Estados Unidos, todos esses programas deveriam ter sido eliminados
imediatamente dos organismos governamentais da região e, na medida do
possível, substituídos por similares do software livre. Paralelamente, deveriam ter
sido lançada uma grande campanha para desalentar seu emprego nas
organizações não-governamentais e pelo público em geral, coisa que está sendo
feita apenas no Brasil, vítima preferencial desses ataques juntamente com a
Alemanha e a França, segundo revelações recentes. Vários especialistas
coincidiram em assinalar que os programas convencionais de antivírus revisam e
limpam todos os arquivos de computadores localizadas tanto no Cairo quanto em
Buenos Aires ou Bangalore; porém, que o trabalho é feito nos EUA e que,
simultaneamente, à remoção ou não dos vírus, esses arquivos são copiados e
mantidos em gigantescos servidores controlados pelo governo dos EUA, onde são
armazenados e revisados primeiramente por robôs informáticos e, quando
aparecem conteúdos, emissores ou destinatários suspeitos, por humanos.
Conclusão: impõe-se acelerar o trânsito para o software livre e, além disso,
descartar todos os computadores feitos nos EUA ou por firmas norte-americanas
radicadas em terceiros países, de onde se desprende a importância de
desenvolver uma indústria latino-americana de produção de hardwares de
diversos tipos (computadores de mesa, laptops, tablets etc.).
b) Outra das conclusões foi sobre A silenciosa e permanente agressão militar do
imperialismo e o papel da Unasul. Um dos graves problemas que a região enfrenta
é que, a pesar de estar cercados por 76 bases militares estadunidenses, até
agora, os governos da Unasul não foram capazes de chegar a um consenso
sobre uma hipótese de conflito realista para a região. Hipótese que deve
responder a uma pergunta bem simples: quem é o nosso mais provável agressor
ou quem já está nos ameaçando? Apesar da avassaladora presença de tantas
instalações militares estadunidenses disseminadas ao longo de toda a América do
Sul, essa resposta ainda não foi sequer esboçada e continua sendo um tema
tabu no interior da Unasul. Obviamente, que a heterogeneidade do mapa
sociopolítico sul-americano conspira contra tal iniciativa. Há governos que
assumiram como sua missão converter-se nos "Cavalos de troia” do império e
obedecer incondicionalmente as diretivas emanadas de Washington: na América
do Sul, essa é a situação da Colômbia, do Peru e do Chile, com a provável adição
a essa lista do governo do Paraguai. Há outros que pugnam por assegurar sua
autodeterminação e resistir aos desígnios e pressões do imperialismo: caso da
Bolívia, do Equador e da Venezuela. E outros, como a Argentina, o Brasil e o
Uruguai, que navegam em meia água: apoiam debilmente aos segundos em seus
projetos continentais; porém, partilham com os primeiros sua vocação de
instaurar em seus países um "capitalismo sério”, enganoso ‘silêncio trovejante’
que enturva por igual a consciência de governantes e governados. O resultado é
a enorme dificuldade de chegar a um acordo para, por exemplo, exigir algo tão
fundamental como a retirada das bases militares estrangeiras da América do Sul;
ou para manter essa parte do continente como uma zona livre de armas
nucleares, coisa que até agora é impossível de certificar. Como saber quais são
as armas que o Pentágono instala em suas bases? Há suspeitas muito fundadas
de que em algumas que possui na Colômbia, como Palanquero, ou na da Otan,
nas Malvinas (base que conta com o apoio logístico e a presença militar
estadunidense) pode haver armas de destruição massiva. Porém, a verificação in
situ provou se, pelo menos até agora, impossível. A silenciosa, porém muito
efetiva ingerência de Washington sobre as forças armadas latino-americanas
traduz-se também na insólita continuidade dos programas de "formação e
adestramento” de militares e –cuidado com isso!- de forças policiais na região.
Inclusive, em governos claramente enfrentados com o imperialismo norteamericano,
a inércia de tantas décadas de formação na Escola das Américas e
em outras do mesmo tipo torna difícil substrair-se à pressão militar para
continuar com esses programas. Porém, quando o costume e os incentivos
crematísticos não são suficientes, a Casa Branca apela para a extorsão. Se um
país decide não enviar seus oficiais para os cursos de formação nos EUA, em
represália, Washington pode interromper o subministro de equipamento militar
aos países da área, seja sob forma de doações ou vendas subsidiadas. Desse
modo, o governo desobediente poderia depois ser acusado de "não colaboração”
na guerra contra o narcotráfico ou contra o terrorismo, entre outras coisas por
não contar com as equipes e armamentos adequados para a tarefa. E é lógico
pensar que quem se adestra nos EUA é treinado para combater a quem esse país
considere como seus inimigos. E já sabemos quem são esses para o império:
precisamente os governos e as forças anti-imperialistas da região.
Em suma: os cursos, as armas e as doutrinas militares conformam uma trindade
inseparável. Os países que enviam seus oficiais para ser treinados nos EUA estão
também deixando nas mãos desse país decidir quem são os inimigos a combater
e como fazê-lo.
Na mesma linha, deve-se ressaltar a absurda sobrevivência do TIAR, Tratado
Interamericano de Assistência Recíproca desenganado nos fatos pela
colaboração oferecida por Washington a Grã Bretanha na Guerra das Malvinas;
ou a continuidade das reuniões periódicas dos Comandantes ou da Junta
Interamericana de Defesa; ou a realização de operações conjuntas com forças
dos Estados Unidos, sendo que este é o único inimigo regional à vista. O anterior
se complementa, no plano jurídico, com a aprovação em quase todos nossos
países por uma legislação antiterrorista inspirada somente na necessidade
de proteger a sigilosa ocupação dos EUA do território latino-americano e de
criminalizar as forças políticas e movimentos sociais eu se opõem aos avanços do
imperialismo.
c) Também surgiu da conferência a necessidade de estudar sistematicamente o
imperialismo norte-americano. É preciso reverter uma perigosa tendência muito
presente nas forças políticas e nos movimentos anti-imperialistas da região e
que se sintetiza em uma consigna limítrofe ao suicídio: "não se estuda o inimigo;
combate-se”. Exalta-se o fervor militante, o que está bem, porém, se subestima
a necessidade de conhecer cientificamente, minuciosamente, ao imperialismo,
o que está mal. Sem estudar a fundo os EUA como centro nervoso do sistema
imperialista; sem conhecer como funciona; sem saber quais são os dispositivos
mediante os quais estabelece seu predomínio em escala mundial e quem são
seus agentes operacionais nos planos da economia, da política e da cultura;
desconhecendo quais são suas estratégias e táticas de luta, seus artifícios
propagandísticos e suas concepções ideológicas, e quem seus peões locais se
torna quase impossível travar uma batalha com êxito contra sua dominação. Por
isso, José Martí, um dos grandes heróis de nossas lutas anti-imperialistas, tinha
razão quando, para fundamentar seu diagnóstico sobre os ominosos desígnios
dos EUA, disse ao seu amigo Manuel Mercado que "vivi no monstro e conheço
suas entranhas”.
Porém, o desconhecimento do império não é atributo exclusivo da militância antiimperialista.
Infelizmente, na academia de nossos países o estudo dos EUA é
uma matéria que brilha por sua ausência. Contam-se nos dedos os centros de
investigação que se dedicam a estudar nossos opressores, enquanto que nos
EUA são ao redor de 300 os centros e/ou programas de ensino e investigação
que têm por objeto investigar nossas sociedades. Essas preocupantes realidades
deveriam suscitar uma rápida reação das forças anti-imperialistas da região,
recordando o que com tanta razão observara Lenin, ao dizer que "não há nada
mais prático do que uma boa teoria”. Uma boa teoria sobre o imperialismo
contemporâneo que deve articular a tradição clássica, sobretudo a teoria
leninista do imperialismo, com as novidades que o fenômeno assume um século
depois que o revolucionário russo escrevera seu livro sobre o tema. Novidades
entre as quais o deslocamento do centro do sistema imperialista de potências
coloniais europeias para os EUA não é precisamente a menor; novidades,
convém ressaltar, que, longe de refutar as previsões e as análises de Lenin,
as ratificaram, porém sob novas formas que não podem ser ignoradas; mas,
pretende-se travar um eficaz combate contra tão perverso sistema(1).
Necessidade, portanto, de estudar seriamente o funcionamento do "complexo
militar e industrial” norte-americano e sua insaciável voracidade. Nessa trama
de gigantescos oligopólios o que constitui o coração da classe dominante norteamericana
e, por extensão, da burguesia imperial. Para o "complexo militar
e industrial”, a paz equivale à bancarrota: sem guerras não há lucros e sem
lucros não se pode financiar a classe política dos EUA. Perversa articulação
entre a rentabilidade da indústria armamentista –uma indústria que só provoca
destruição e morte- e as necessidades dos políticos norte-americanos de custear
suas carreiras políticas que, inevitavelmente, acabam colocando aos vencedores a
serviço de seus financiadores. Portanto, não surpreende constatar que as vendas
das indústrias do "complexo militar-industrial”, tenham aumentado em 60% entre
2002 e 2012, desde o início da grande contraofensiva militar depois do 11-S até
nossos dias.
Dado adicional: lembram que há uns seis meses parecera que o mundo
enfrentava um iminente ataque atômico lançado pela Coreia do Norte? O que
aconteceu com isso? Agora, os norte-coreanos já não põem o planeta em
cheque? Depois, se disse que parecia que a obstinação do Irã de continuar com
seu programa nuclear punha em perigo a paz mundial e mais tarde o problema
das "armas químicas” da Síria parecia colocar-nos, outra vez, ao borde de
uma III Guerra Mundial. Conclusão: para a rentabilidade de seus negócios, o
‘complexo militar-industrial” necessita garantir que sempre haja crise, e se não
existirem, as inventam; e se não as inventam, as constroem midiaticamente. Para
isso está a imprensa hegemônica que, igual à puta Babilônia, presta-se solícita a
difundir essas patranhas que amedrontam à população ao passo que estimulam a
produção de novos e cada vez mais letais armamentos.
d) Diversas apresentações da conferência ressaltaram a continuidade da política da
Casa Branca rumo a América Latina e o Caribe. Nesse sentido, houve um consenso
praticamente unânime em ressaltar a identidade existente entre as políticas
latino-americanas das administrações de George W. Bush e Barack Obama,
razão pela qual convém deixar de utilizar esse nome –"administração” e falar
do "regime de Washington”, para, desse modo, assinalar a sistemática violação
da legalidade internacional e dos direitos humanos praticada pelo governo norteamericano,
de qualquer signo(2). No que se refere a Cuba, se algo fez o "regime”
norte-americano, foi intensificar o bloqueio financeiro, comercial e econômico
contra a ilha, ajustando ainda mais os controles estabelecidos pela legislação
estadunidense. Não deixa de ser surpreendente que não tenha surgido ainda
uma queixa universal contra a ilegal e imoral extraterritorialidade estabelecida
pela Emenda Torricelli à Lei Helms-Burton. Segundo essa monstruosidade jurídica
–projetada exclusivamente para prejudicar a um só país no mundo: Cuba- o
governo dos EUA está autorizado para aplicar sanções a qualquer empresa
nacional ou de um terceiro país (por exemplo, uma britânica, japonesa ou sueca)
apenas pelo fato de comercializar com Cuba ou por iniciar empreendimentos
econômicos com a Ilha. Por exemplo, na exportação do petróleo. Em outras
palavras, os EUA "legalizam” ao imperialismo mediante a despótica imposição
da lei estadunidense acima da de todos os países do globo. Imaginemos o
que aconteceria se um país qualquer pretendesse fazer algo parecido, por
exemplo, universalizar sua legislação proibitiva da pena de morte e sancionasse
àquele que, como os EUA, ainda a aplicasse! Para os que ainda duvidam de eu
vivemos sob um sistema imperial, os exemplos anteriores bastam e sobram para
convencê-los do contrário.
Outro traço que demonstra a enfermiça persistência da agressão contra Cuba
está dado pelo fato de que Washington continua utilizando transmissões ilegais
de rádio e de TV, convocando ao povo da Ilha a subverter a ordem constitucional
vigente e a rebelar-se contra seu governo, com o objetivo de alcançar a
longamente acariciada "mudança de regime”. Ditas transmissões não só divulgam
propaganda sediciosa, como também interferem no normal funcionamento das
emissoras de rádio e TV cubanas. Estima-se que o custo dessas atividades ilegais
patrocinadas por Washington eleva-se a uns 30 milhões de dólares anuais. Um
recente relatório da Auditoria do Governo estadunidense referido exclusivamente
às atividades da Usaid e do Departamento de Estado revelou também que entre
1996 e 2011 essas agências destinaram 205 milhões de dólares para promover
o derrocamento do governo cubano. Certamente, muitos milhões mais foram
apropriados pela CIA, pela Usaid, pelo Fundo Nacional para a Democracia e
por outras instituições afins para promover tão sinistros objetivos. Pelo visto,
Noam Chomsky tinha razão quando interrogado no final de 2008 sobre seu
prognóstico acerca da iminente inauguração do "regime de Obama” respondeu
sarcasticamente que este seria apenas o terceiro turno da Administração Bush.
Tinha razão, como a história tem demonstrado, apesar de que ficou limitado caso
se compute o número de mortes civis ocasionadas pelos aviões norte-americanos
não tripulados, os "drones”, o inverossímil Prêmio Nobel da Paz superou com
acréscimos o saldo lutuoso de seu predecessor. A seis meses das eleições
presidenciais venezuelanas, o muito distraído Obama ainda parece não ter
tomado ciência que o triunfador dessa contenda foi o candidato chavista Nicolás
Maduro e continua sem reconhecer oficialmente sua vitória e alentando os planos
desestabilizadores da oposição fascista na República Bolivariana da Venezuela. E
os quatro lutadores antiterroristas cubanos que purgam nas prisões do império
sua ousadia de pretender desmontar a máquina terrorista instalada em Miami –
e protegida pelo "regime de Washington”- poderiam ser postos imediatamente
em liberdade se Obama exercesse as atribuições do perdão presidencial que a
Constituição lhe confere. Porém, não o faz. Em troca, continua apadrinhando
terroristas como Luis Posada Carriles ou o ex-presidente boliviano Gonzalo
Sánchez de Lozada, cuja extradição é solicitada pela justiça da Bolívia por sua
responsabilidade no massacre de 67 pessoas durante as jornadas de protesto
popular que provocaram a sua queda.
Notas:
[1] Sobre o tema, consultar duas obras de nossa autoria, de descarga gratuita
na web: Imperio & Imperialismo. Una lectura crítica de Michael Hardt y Antonio
Negri (Buenos Aires: CLACSO, 5º edición, 2004, "Premio Extraordinario de
Ensayo de "Casa de las Américas”), especialmente o capítulo 8 e a compilação
que foi feita sob o título de Nueva Hegemonía Mundial. Alternativas de cambio y
movimientos sociales (Buenos Aires: CLACSO, 2004), p. 133-154. O primeiro pode
ser encontrado em:https://docs.google.com/file/d/0Bx2YC3gJbq2TMjExMTU0MGUtMjY2ZC00ZDg0LTljOWUtODIyMDZkNzM4YTRh/edit?
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E o segundo encontra-se em: http://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/se/20120507124307/nuevah.pdf
[2]Ver a nota em nosso blog: www.atilioboron.com.arou também emhttp://www.cubadebate.cu/opinion/2013/09/19/the-obama-regime/
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