Ditadura civil-militar da desmemória
(1964-1985)
Você que
inventou a tristeza
Que
reinventou a pobreza
E o arrocho
salarial
Que censurou
os postes
Que inundou
de deboches
Todas as
bocas emudecidas
Pelo terror
das baionetas
Que calou os
gritos de liberdade
Numa
construção disforme
Uniformizada
de idiossincrasias
Que
deslindou o fantasma da ignorância
Cuja
petulância se exibe ainda hoje
Nas frestas
de todos os contatos
De todas as
relações
O domínio da
anti-heresia
Estabelecido
pela força bruta
Pelo
escárnio
Desprezo da
poesia
Da elegia
Da alegria
Você que
rompeu com a beleza
Que violou a
natureza
Que
interrompeu produções
Que
amorteceu evoluções
Que impediu
pensamentos
Que
desalojou a Paidéia
Herança
grega
Com tantas
ideias para construir uma nação
Você que
instituiu o pecado
Que eliminou
tantos recados
Que não se
fez nos porões
Mas nos
grandes salões
Com todas as
luzes do horror
Já nascido
decadente
Descendente
de tantas escolas
De doutrinas
de segurança nacionais, setentrionais
Você que manejou
tanques
Cérebro
limitado dos ianques
Você que
comprometeu a arte
Destarte
tantas obras inacabadas
Cortadas,
censuradas, torturadas
Você que se
manifestava em discursos pífios
Em programas
de auditório insanos
Que
transformaram as mentes, agora inconsequentes
Que mudou o
curso da História
Que desviou
minha vitória
Que
desvirtuou tantas memórias
Que
exacerbou
Que eliminou
Que se
desgastou
Não está
totalmente morta
Vive ainda
em mentes cativas
Em
prepotências vãs
Em
desigualdades prevalecentes
Em proposições
pagãs
Em câmaras
de tortura de escolas privadas
E empresas
neoliberais, atuais
Você que
humilhou e ainda não foi humilhada
Você que
eliminou e ainda não foi eliminada
Você que
invadiu cabeças e mentes
E deixou um
legado perverso, precário
Com ideias
distorcidas, rotuladas
Encharcadas,
imbricadas de alienações, alucinações
Você
manietada de tantos descasos
Cega para
tantas evidências
Surda para
tantos sons populares
Entulhada de
tantas inverdades
Nunca deixou
saudades
Responsável
por tantas aparências insanas
Por tantas
repressões, prisões, depressões
Por tantos
mártires
Heróis
desconhecidos, desaparecidos
Que lhe
enfrentaram e tombaram
Está aí para
ser desmascarada
Arrebatada
Superada
Desonrada
Enterrada
Você, um
episódio grotesco e violento
Que não se
esvai no tempo e nem no pensamento
Algo
rançoso, jocoso, entalado, entrevado,
embotado em
minha memória
Você
geradora de tantas favelas, modernas senzalas
E de tantas
prisões
Versões
atuais dos navios negreiros
Grandes
nevoeiros sobre as cidades
Inchadas,
descaracterizadas, sobressaltadas
Você
Difícil de
ser relembrada
Difícil de
ser explicada
Difícil de
ser escondida
Difícil de
ser reparada
E o povo sem
saber de você
O povo não
sabe a sua História
O povo não
conhece a História
O povo não
pode construir a História
O povo só
conta a sua falta de memória
E tudo por
causa de você
Educadora
repressora
Filosofia da
educação forjada, ultrapassada, tresloucada
Concessora por
tempo indeterminado de canais de TV conservadores, vetores
Rádios de
conexão nacional, irracional
Latas de
filmes estadunidenses, circenses
Jornais com
receitas de bolo
Livros
cubistas censurados
Pelas mentes
obtusas ao julgarem-nos cubanos
Era essa a
mentalidade, veleidade
Márcia D´Angelo
São Paulo,
01 de abril de 2014 05:30h. (há 50 anos do golpe civil-militar de 1964)
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