terça-feira, 1 de abril de 2014

Ditadura civil-militar da desmemória (1964-1985)


Ditadura civil-militar da desmemória (1964-1985)

Você que inventou a tristeza

Que reinventou a pobreza

E o arrocho salarial

Que censurou os postes

Que inundou de deboches

Todas as bocas emudecidas

Pelo terror das baionetas

 

Que calou os gritos de liberdade

Numa construção disforme

Uniformizada de idiossincrasias

Que deslindou o fantasma da ignorância

Cuja petulância se exibe ainda hoje

Nas frestas de todos os contatos

De todas as relações

 

O domínio da anti-heresia

Estabelecido pela força bruta

Pelo escárnio

Desprezo da poesia

Da elegia

Da alegria

 

Você que rompeu com a beleza

Que violou a natureza

Que interrompeu produções

Que amorteceu evoluções

Que impediu pensamentos

Que desalojou a Paidéia

Herança grega

Com tantas ideias para construir uma nação

 

Você que instituiu o pecado

Que eliminou tantos recados

Que não se fez nos porões

Mas nos grandes salões

Com todas as luzes do horror

Já nascido decadente

Descendente de tantas escolas

De doutrinas de segurança nacionais, setentrionais

 

Você que manejou tanques

Cérebro limitado dos ianques

Você que comprometeu a arte

Destarte tantas obras inacabadas

Cortadas, censuradas, torturadas

Você que se manifestava em discursos pífios

Em programas de auditório insanos

Que transformaram as mentes, agora inconsequentes

 

 

Que mudou o curso da História

Que desviou minha vitória

Que desvirtuou tantas memórias

Que exacerbou

Que eliminou

Que se desgastou

Não está totalmente morta

Vive ainda em mentes cativas

Em prepotências vãs

Em desigualdades prevalecentes

Em proposições pagãs

Em câmaras de tortura de escolas privadas

E empresas neoliberais, atuais

 

Você que humilhou e ainda não foi humilhada

Você que eliminou e ainda não foi eliminada

Você que invadiu cabeças e mentes

E deixou um legado perverso, precário

Com ideias distorcidas, rotuladas

Encharcadas, imbricadas de alienações, alucinações

 

Você manietada de tantos descasos

Cega para tantas evidências

Surda para tantos sons populares

Entulhada de tantas inverdades

Nunca deixou saudades

Responsável por tantas aparências insanas

Por tantas repressões, prisões, depressões

Por tantos mártires

Heróis desconhecidos, desaparecidos

Que lhe enfrentaram e tombaram

 

Está aí para ser desmascarada

Arrebatada

Superada

Desonrada

Enterrada

Você, um episódio grotesco e violento

Que não se esvai no tempo e nem no pensamento

Algo rançoso, jocoso, entalado, entrevado,

embotado em minha memória

 

Você geradora de tantas favelas, modernas senzalas

E de tantas prisões

Versões atuais dos navios negreiros

Grandes nevoeiros sobre as cidades

Inchadas, descaracterizadas, sobressaltadas

Você

Difícil de ser relembrada

Difícil de ser explicada

Difícil de ser escondida

Difícil de ser reparada

E o povo sem saber de você

O povo não sabe a sua História

O povo não conhece a História

O povo não pode construir a História

O povo só conta a sua falta de memória

E tudo por causa de você

Educadora repressora

Filosofia da educação forjada, ultrapassada, tresloucada

Concessora por tempo indeterminado de canais de TV conservadores, vetores

Rádios de conexão nacional, irracional

Latas de filmes estadunidenses, circenses

Jornais com receitas de bolo

Livros cubistas censurados

Pelas mentes obtusas ao julgarem-nos cubanos

Era essa a mentalidade, veleidade

 

                        Márcia D´Angelo

São Paulo, 01 de abril de 2014  05:30h.  (há 50 anos do golpe civil-militar de 1964)

 

 

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