segunda-feira, 21 de abril de 2014

A geoestratégia dos EUA empurra a Ucrânia na direção de uma guerra civil

A geoestratégia dos EUA empurra a Ucrânia na direção de uma guerra civil

Jornal Brasil de Fato

Reprodução
Os planos que a CIA desenhou, ainda em 2013, para amarrar a Ucrânia à União Europeia falharam. Agora, os EUA querem usar as forças armadas dos países membros da Otan para cercar a Rússia, como nos tempos da Guerra Fria
18/04/2014
Achille Lollo
de Roma (Itália)
Na manhã do dia 14 de abril, expirou o ultimato dado pelo presidente interino da Ucrânia, Alexander Turchinov, que anistiaria os manifestantes federalistas do Departamento Regional de Donetsk caso eles, além de entregarem suas armas, deixassem todos os prédios públicos que haviam ocupado, nomeadamente: prefeituras, casernas da polícia, escritórios do governo, representações do Ministério do Interior e dos serviços secretos.
A resposta, um uníssono “não”, foi proferido com força sobretudo em Slavyansk, que se mantém firme ao lado do comitê de luta de Carcóvia e Donetsk, os primeiros a levantar a bandeira da “República Popular”.
No dia anterior, a decisão já havia recebido o apoio das cidades de Lugansk e de Zhdanovka, onde todos os dirigentes e funcionários da prefeitura, juntamente ao pessoal dos órgãos públicos disseram que aqueles municípios integravam a “República de Donetsk”.
Assim, todos os prédios públicos ocupados passaram a ser vigiados por manifestantes armados de AK-47, que exibem em seus braços a fita laranja-negra da Ordem de São Jorge, o símbolo da vitória do exército soviético sobre os nazistas alemães e seus aliados ucranianos, mais conhecidos como os “Kapo” da Organização dos Nacionalistas Ucranianos (OUN--UPA), de Stefan Bandera.
Foi nesse clima, em que principal reivindicação é transformar o Estado centralizado em uma república federal, que, em Lugansk, os manifestantes que ocuparam o prédio das Forças de Segurança, divulgaram um manifesto político dizendo que haviam ocupado o município e os outros prédios públicos porque não aceitavam o golpe militar de Kiev. Por isso, todas suas ações são motivadas para resistir à junta de Kiev, que, entre outras coisas, entregou a segurança da Ucrânia aos herdeiros do nazismo.
De fato, a nomeação de Andrii Paroubliy (fundador do partido neonazista Svoboda) na qualidade de diretor do Conselho de Segurança Ucraniano e a entrega de inúmeros cargos de confiança nos serviços secretos aos membros do outro partido direitista (Setor de Direita), acirrou ainda mais os ânimos na Ucrânia do Leste.
É necessário lembrar que, além de ter uma forte ligação étnica e política com a Rússia e ser o coração industrial do país, nos departamentos da Ucrânia do Leste há uma massificada cultura histórica, profundamente adversa ao nazismo, já que naquelas regiões os nazistas e os colaboracionistas realizaram terríveis assassinatos em massas contra as populações de religião judaica e, sobretudo, contra os camponeses que apoiavam o exército soviético.
A principal desconfiança das populações que se levantaram no Leste do país contra o autonomeado governo interino de Kiev tem muito a ver com a desigual distribuição dos poucos recursos do Estado, a concentração dos poderes nas mãos dos homens da direita e a marginalização das cidades do Leste que não apoiaram a revolta pró-europeia da Praça Maidan.
Um sentimento que está mobilizando as populações do Leste da Ucrânia, sobretudo, após o assassinato de três manifestantes em Carcóvia, mortos a tiro pelas unidades do Exército no âmbito da “repressão aos terroristas”.
Querem sangue nas ruas
Em Kiev, há muitos integrantes do governo interino – entre eles, o ministro do Interior, Arsen Avakovviata, e o governador de Donetsk, Serghiei Taruta – que querem silenciar as manifestações nas regiões do Leste com uma violenta repressão que, em termos políticos tornaria impossível a realização da campanha eleitoral para a eleição do novo presidente em 25 de maio.
Porém, a ordem de reprimir duramente “os terroristas pró-russos”, que Avakovviata emanou em todo o país na manhã do dia 12 de abril, fez aumentar as defecções, sobretudo na polícia, tanto que o batalhão das Forças Especiais da Polícia aquartelado em Donetsk se recusou em atacar os manifestantes em Slavyansk, declarando aos jornalistas: “Nós não vamos dispersar os civis atacando-os com violência e por isso nós deixamos de obedecer a Kiev, porque não percebemos mais quem é legítimo”.
Agora, é necessário dizer que a decisão do ministro do Interior não foi extemporânea. Na prática, foi o resultado da reunião que o diretor da CIA, John Brennan realizou em Kiev no dia 12 com os responsáveis da segurança, isto é, os diretores dos serviços secretos (SBU), os comandantes da polícia e das forças especiais e, logicamente o ministro do Interior. Foi após essa reunião que o ministério anunciou a “Operação antiterrorismo em toda a Ucrânia Oriental”.
Tal medida surpreendeu o próprio presidente interino que, diante do consenso popular que os manifestantes receberam após ter ocupado a prefeitura de Donetsk e terem proclamado a República Popular, admitiu a realização de referendos locais, exigindo que os mesmos fossem realizados no mesmo dia em que os ucranianos irão às urnas para votar no seu novo presidente.
Tal posição evidencia as divisões no seio do autoproclamado governo interino e a provável ruptura de Turchinov com a candidata Yulia Tymoshenko, que nas últimas pesquisas obteve apenas 10% das intenções de voto – enquanto o megaempresário Piotr Poroshenko, já aparece com 32%, tendo recebido o apoio de Vitali Klitschko, ex-campeão dos pesos pesados de boxe e líder do partido UDAR.
Além disso, a eleição de Poroshenko oferece mais garantias às populações da Ucrânia do Leste, que em massa deverá votar em Mikhail Dobkin, ex-governador da região de Kharkiv. Portanto, se o novo presidente for Poroshenko e se ele for apresentar a reforma constitucional para transformar a Ucrânia em um estado federal é necessário que, desde já, haja um acordo prévio com o representante eleito pelas populações do Leste, Mikhail Dobkin, para evitar outra cisão territorial e assim fechar os contenciosos político e financeiro com a Rússia.
A Casa Branca não aceita tal argumento, já que a crise ucraniana é o instrumento que permite Obama tentar quebrar as relações políticas e econômicas que existem entre a maioria dos países membros da União Europeia e a Rússia.
Em segundo lugar, o recrudescimento da repressão no Leste da Ucrânia e uma eventual resposta da Rússia vai, certamente, promover o rearmamento dos países europeus membros da OTAN com meios bélicos produzidos nos EUA. Além disso, a Casa Branca quer impor seu diktat imperial contra a Rússia, porque desta forma vai poder impor condições sine qua non nas futuras negociações sobre a Síria (Genebra-3), no tratado sobre as centrais nucleares do Irã e sobre o futuro da Venezuela.
De fato, a repentina missão do diretor da CIA, John Brennan, em Kiev não tem outra explicação a não ser a criação de um cenário político complexo, cujos atos de violências podem desestimular a realização das eleições no próximo dia 25 de maio, permitindo assim a Yulia Tymoshenko reconstruir sua imagem política e recuperar os eleitores de Piotr Poroshenko.
Crise financeira
O golpe pró-europeu etiquetado “Euromaidan”, não acelerou a adesão da Ucrânia à União Europeia e tampouco encorajou os banqueiros europeus a investir naquele país. De fato, se o golpe contra o presidente eleito, Viktor Yanukóvich, abriu as portas da Ucrânia à Otan, tornando-se um importante peão da geoestratégia dos Estados Unidos, do ponto de vista econômico e financeiro, a situação piorou bastante, já que o presidente da Rússia, Vladimir Putin, ameaçou cortar o fornecimento de gás se a Ucrânia não normalizar, em breve, os pagamentos de sua dívida (16 bilhões de dólares).
Por outro lado, a diretora-geral do Fundo Monetário Internacional, Christine Lagarde, revelou que o programa de ajuda financeira para a Ucrânia será implementado somente após a homologação do Conselho Diretor do FMI. Isto é, no fim d e maio, após as eleições presidenciais.
Um programa de ajuda financeira que para o povo ucraniano tem um alto custo, visto que a diretora geral do FMI se aproveitou da situação lastimável da Ucrânia para obter do presidente interino a certeza sobre a futura implementação das reformas (melhor seria dizer privatizações), que os técnicos do FMI indicarão ao novo presidente da Ucrânia. Reformas/privatizações que devem transformar a economia ucraniana em um acessório da economia de mercado europeia para logicamente ter condições de pagar cabalmente os empréstimos que serão concedidos.
Foi nesse âmbito e para evitar a bancarrota que o Comissário Europeu para o Alargamento e a Política de Vizinhança, Stefan Fule, informou que o Conselho Europeu das Relações Exteriores aprovou em regime de emergência um pacote de assistência financeira à Ucrânia no valor de 1 bilhão de euros para um empréstimo de médio prazo para cobrir as necessidades urgentes da balança de pagamento e um cash de 610 milhões de euros para pagar os empenhos caducados mais flagrantes.
Mesmo assim a situação política e econômica ucraniana mantém-se muito incerta, visto que a Casa Branca e o comando geral da Otan apostam no enfrentamento duro com a Rússia, decretando sansões econômicas contra as empresas estatais, ou com participação estatal, que vendem seus produtos nos países da União Europeia. Além de terem a pretensão de isolar a Rússia, excluindo suas delegações dos principais fóruns internacionais.
Por último, há ainda o fato de Anders Fogh Rasmussen, antes de entregar a pasta de Secretário Geral da OTAN ao norueguês Jens Stoltenberg, ter anunciado que os países membros da Aliança Atlântica deverão providenciar “um sólido rearmamento da Otan, visto que durante os últimos dez anos, no lugar de armar o bloco, na realidade, o mesmo foi desarmado”, já que a nova tarefa estratégica da Otan é “o deslocamento de fortes unidades na Polônia, na Estônia, na Letônia e na Ucrânia para evitar novas surpresas por parte da Rússia”. Ou seja, na prática, isso significa que os EUA querem usar as forças armadas dos países membros da Otan para cercar a Rússia, como nos tempos da Guerra Fria.
Nesse contexto, se as manifestações por uma nova Constituição Federal no Leste da Ucrânia forem reprimidas com violência, certamente, naquelas regiões vai prevalecer o sentimento separatista, que à diferença da Crimeia pode degenerar em uma guerra civil, onde a Rússia corre o risco de ficar amarrada. Por isso, no dia 14, o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Serghey Lavrov, lançou um importante sinal de alerta, ao dizer “Se houver violência por parte do exército ucraniano contra as populações da Ucrânia do Leste, o governo russo não vai mais participar em Genebra, no dia 17, da reunião ministerial, fixada para encontrar uma solução definitiva à crise ucraniana”. Uma reunião que, em teoria, deveria reunir na mesma mesa de negociações a Rússia, os Estados Unidos e a União Europeia.
Achille Lollo é jornalista italiano, correspondente do Brasil de Fato na Itália, editor do programa TV “Quadrante Informativo”.

Um comentário:

  1. A rússia e china que vivem tentando influenciar da maneira mais egoísta possível na política dos outros países, também vivem pagando militantes na internet para influenciar, a Rússia principalmente, tem equipes para isso, é fato que a China é agressiva em alto mar, todos seus barcos de pesca são agressivos e partem pra cima dos outros em águas internacionais simplesmente por nada, já aconteceu na nossa costa, na costa Argentina também, as mas os americanos que são os vilões, o engraçado é que gente que pensa como tu não quer ir pra Rússia, querem ir pros EUA , porque será ?

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