A lei de Anistia de 1979 e o embargo
do processo democrático brasileiro através da pressão do Supremo Tribunal
Federal (STF), da Grande Mídia, do empresariado (FIESP e Banco Itaú) e das
Forças Armadas
Márcia
D`Angelo 09/04/2014
Alguém já argumentou sobre a resistência e participação da
juventude brasileira nas décadas de 1960 e 1970 em movimentos armados
(guerrilha rural ou urbana) enaltecendo essa participação, nos seguintes
termos: “ ainda bem que houve resistência e guerrilha contra a ditadura civil-militar
de 1964-1985, caso contrário a tese do brasileiro pacato, cordial ou
despolitizado teria se fortalecido”.
A reação a esse Estado de exceção que se instalou com o golpe
civil-militar de 1964 que derrubou o governo democrático de João Goulart, gerou
centenas de mártires que ousaram desafiar esse Sistema de exceção, esse Estado
de Segurança Nacional com órgãos de repressão disseminados na Marinha
(CENIMAR), no Exército e na Aeronáutica, sendo que o Exército se notabilizava
pelos IPMS (inquéritos policiais militares) acompanhados de tortura nas
dependências dos DOI CODI, DOPS e Operação Bandeirante (pelo menos em São
Paulo) se desdobrando também pelas prisões que abrigavam prisioneiros políticos
Brasil afora. Os inquéritos acompanhados de torturas acabavam em mortes e
desaparecimentos dos que militavam contra a ditadura.
São vários os depoimentos que acusam o Estado de Segurança
Nacional estabelecido entre 1964 e 1985 como protagonista de crimes de lesa
humanidade, portanto imprescritíveis. Hoje com as Comissões da Verdade em nível
federal, estadual e municipal e os depoimentos de sobreviventes ou familiares
de mortos e desaparecidos políticos desse período pode-se perceber o clima de
terror a que era submetida a população brasileira que não aceitava o domínio do
grande capital nacional e internacional aliado às Forças Armadas de forma
autoritária, declarando vaga a Presidência da República com o presidente João
Goulart em território nacional, fechando o Congresso, proibindo eleições,
reprimindo as manifestações políticas, sociais, estudantis, operárias,
camponesas e culturais. Deve-se frisar que o fechamento total se deu com o Ato
Institucional número 5 (13 de dezembro de 1968).
Ocorre que os assassinatos, sequestros, sevícias, delitos,
tortura as mais cruéis praticados por esse Estado de exceção com respaldo dos
EUA foram praticamente perdoados pela Lei de Anistia de 1979 (Lei 6.683 de 28
de agosto de 1979). Ou seja, os torturadores foram anistiados enquanto os
presos políticos (a maioria) por estarem envolvidos em situações consideradas
criminosas porque eram considerados “subversivos” e serem acusados por “crimes
de sangue” e ataques ao patrimônio público ou privado, ou qualquer atividade
que denotasse resistência ao Estado de Segurança Nacional imposto não foram
anistiados. Na década de 1980 a “abertura lenta gradual e segura” aliada à
crise econômica e política do sistema de exceção brasileiro acaba por
viabilizar a diminuição dos presos políticos no país e/ou a sua saída das
prisões.
De qualquer forma os torturadores foram anistiados, com seus
cargos na Polícia Civil, Militar, Marinha e Aeronáutica e a Doutrina de
Segurança Nacional ainda é referência nas escolas militares nas quais o MEC não
tem ingerência. Assim sendo, toda a violência ocorrida nos órgãos de repressão,
com a sistemática utilização de tortura e seus instrumentos (pau-de-arara,
cadeira do dragão, afogamentos, etc.) ainda fazem parte do cotidiano da
população carcerária. Os militares das Forças Armadas e a Polícia Civil foram anistiados
dos crimes da ditadura e ainda fazem escola, razão pela qual a violência
campeia no país e Amarildos são desaparecidos, mulheres são alvo de balas
perdidas e arrastadas pelas viaturas policiais, assim como cotidianos massacres
em favelas ou periferias das grandes
cidades do país vitimam jovens sistematicamente. O grande legado da ditadura
civil militar é esse: criminosos facínoras soltos, que torturaram, mataram
sequestraram, seviciaram continuaram na carreira militar e formaram gerações de
torturadores em plena gestão.
Enquanto isso, os presos políticos que sobreviveram às mais
sórdidas e sádicas torturas e que foram soltos com o declínio da ditadura estão
aí como documentos vivos, maculados, marcados, estigmatizados para sempre com os
sinais físicos e psicológicos dessas atitudes dos psicopatas de plantão que reprimiram
violentamente a população brasileira que ousava reagir a uma ditadura
civil-militar que proibia qualquer participação popular assim com a perspectiva
de um desenvolvimento econômico com inclusão social e formação de um mercado
interno e popular, uma educação de qualidade, uma cultura livre e criativa, e a
possibilidade da autonomia de sindicatos e organizações estudantis, operárias e
camponesas.
As Reformas de Base propostas pelo governo João Goulart que
não tinham nada de socialista, mas de uma construção de um país livre e
soberano efetivada por todos os países capitalistas centrais sob a bandeira de
revoluções burguesas foram abandonadas e destruídas pelos civis e militares que
tomaram o poder em 1964 gerando um retrocesso enorme ao país. As reformas
estruturais do governo democrático de Jango como a Reforma Agrária (para evitar
êxodo rural e inchamento das cidades), Reforma Urbana, Reforma Educacional e
Universitária, Reforma Tributária (imposto progressivo),etc. estão ainda por
serem viabilizadas porque sem elas é impossível o país se desenvolver.
Interessante refletir a visão que o STF tem da Lei da Anistia de 1979. A Lei 6.683 de 28 de agosto de 1979, conhecida como a Lei da Anistia tão contestada
atualmente, cuja modificação ou anulação é embargada pelo Supremo Tribunal Federal
(STF) porque a reconhece como constitucional (não sofreu sanções na Constituição de
1988) mesmo considerando que a as Convenções Internacionais (Genebra, Haia e a
Anistia Internacional) caracterizem os crimes de tortura, morte,
desaparecimento, sequestro, ocultação de cadáveres como imprescritíveis, haja
vista que são crimes de lesa humanidade. Pode-se perceber a tendência política
do STF cujos juízes não são escolhidos pelo povo, não têm interesse em praticar
a justiça ou a democracia, uma vez que o próprio Judiciário deveria sofrer uma
reforma democrática porque governa o país sem se submeter a uma eleição
popular.
A mesma tendência é da grande mídia, representante do grande
capital nacional e transnacional das grandes corporações, uma vez que foi
articuladora do golpe de 1964, oferecendo apoio logístico e veiculação
ideológica ao sistema de exceção implantado. Para tanto foi agraciada com
concessões de TV, rádios, jornais, revistas
por tempo indeterminado. Também governa o país sem ser eleita pelo povo,
uma vez que o educa cotidianamente através de sua péssima programação ou
imprensa tendenciosa com viés conservador, reacionário, antipopular e
articulado aos interesses do grande capital produtivo e principalmente
financeiro. Não há nenhuma matéria séria na Rede Globo, por exemplo, sobre os
Anos de Chumbo e nem sequer uma minissérie sobre o governo João Goulart. Claro,
ela foi articuladora e beneficiária do golpe civil-militar que proporcionou 21
anos de ditadura ao Brasil e continua governando com a mesma ideologia o país
(novelas despolitizantes/alienantes, os famigerados programas de auditório, os
BBBs e Jornais que desinformam)
Sobre o papel do empresariado (FIESP e bancos como o Itaú)
existem documentos que provam a presença constante de membros da FIESP e de
banqueiros ou seus gestores em dependências do DOPS ou DOI CODI ou mesmo
presenciando sessões de tortura. Combatiam o mau combate respaldando a morte
sob tortura de brasileiros que reagiam ao clima de terror instalado no país. O
faziam para obter vantagens financeiras em seus negócios escusos e corruptos.
Notícias recentes publicaram que o Senado aprovou a revisão
da Lei da Anistia, cujo parecer deve ser submetido à Câmara dos Deputados e
talvez outras instâncias. De qualquer forma deve ficar claro e ser difundido
incansavelmente que a ditadura civil militar implantada no Brasil pelo golpe de
01 de abril de 1964 e que vigorou 21 anos (1964-1985) não deixou nenhum legado
positivo e representou o império da ignorância, do retrocesso, do autoritarismo
e do terror. Se o governo João Goulart reservava 11,4% para a Educação os
governos militares gastavam apenas 4,4%. A educação sucumbiu e junto com ela o
presente e o futuro do país com reflexos atuais. Perdemos o carro da História
nesse quesito. Foram gerações e gerações que sofreram a decadência e o
descalabro do processo educacional. A economia conseguiu crescer e não se
desenvolver no chamado “milagre brasileiro” a partir do profundo arrocho
salarial imposto aos trabalhadores acompanhado de uma enorme repressão aos sindicatos,
estudantes, organizações culturais, CPC, UNE, Teatro de Arena, cinema nacional
e filmes estrangeiros considerados inadequados para uma população que teria que
introjetar a ideologia estadunidense e um retrocesso total em seus valores
culturais.
Todos os meios de comunicações foram censurados simplesmente
porque são veículos que se encarregam da educação do povo brasileiro e agora a
aquarela era outra. Filmes, jornais, programas de TV, músicas teriam que se
adequar a tempos novos de extrema alienação, silêncio, ignorância política,
social, aceitando a proibição de qualquer manifestação ou liberdade de
expressão. É o pensamento das elites elevado à mais elevada potência para
educar a população e mantê-la alijada das decisões que lhe dizem respeito.
O crescimento da economia (milagre econômico brasileiro de
1968 até 1973) foi possível a partir de baixíssimos salários aos trabalhadores
do campo e das cidades e calando suas vozes com repressão, tortura, morte e
desaparecimentos. Os empréstimos empurrados pelos petrodólares com juros baixos
que se transformaram em 20% foram aplicados em obras sem valor econômico como a
Rodovia Transamazônica, a ferrovia do aço e a continuidade da implantação da
ideologia do automóvel e do petróleo substituindo nossas ferrovias e hidrovias
por rodovias que cortavam o país e nos deixavam totalmente dependentes do
automóvel até no transporte público. A falta de reforma agrária e a violenta
desapropriação de terras em benefício do latifúndio (reforma agrária ao
contrário, pois tomava as terras dos camponeses de todo o país) provocaram o
êxodo rural e o inchamento das cidades degradando a qualidade de vida e gerando
uma violência cada vez maior, reprimida pelos esquadrões da morte que se
notabilizavam e se notabilizam por eliminar os jovens das periferias das
cidades.
A total decadência do ensino público impondo o ensino técnico
em todas as escolas e doando cargos de decisão ou gestão no MEC a donos de
empresas privadas de ensino, aliado ao total descaso com os educadores que
tiveram seus salários rebaixados totalmente mudaram as perspectivas do país,
transformando-o em formadores de consumidores de baixíssima renda e jamais em
cidadãos que construiriam um país democrático até porque a democracia esteve
enterrada por uma noite que durou 21 anos.
A enorme indigência da saúde pública com parcos investimentos
em políticas públicas do setor e arrocho salarial para os trabalhadores e
baixíssima verba para a saúde pública, saneamento básico e campanhas educativas
do setor, tiveram como resultado uma enorme crise de meningite em 1975 que
vitimou muitas crianças, mas que a imprensa ficou proibida de divulgar.
Na economia a produção de bens duráveis (eletrodomésticos e
automóveis) denotava nossa dependência à produção e tecnologia internacionais
através das multinacionais às quais servíamos enquanto produtores de autopeças,
papel secundário que a burguesia se propôs ao invés de apoiar a autonomia do
país através das Reformas de Base do governo João Goulart deposto exatamente
porque ousava transformar o país e habilitá-lo através da formação de um
mercado interno no sentido de acabar com nossa dependência externa e formarmos
uma nação soberana e livre. O país que no final do governo Getúlio Vargas já
produzia bens semiduráveis (alimentos, bebidas, sapatos, bebidas, bens intermediários
de produção (aço, alumínio, siderúrgicas), bens de capital (máquinas), na
década de 1960 poderia completar seu sistema industrial (produzindo bens
duráveis) se fizesse as reformas necessárias para elevar os salários e criar um
mercado interno, o que foi interceptado pelo golpe civil-militar de 1964 que se
estendeu até 1985.
O golpe de 01 de abril foi exatamente para interceptar essa
transição para um país autônomo livre da ingerência estadunidense. Os bens
duráveis vão ser produzidos sim, mas através das multinacionais que cada vez
mais se instalam aqui e seus produtos vão ser consumidos por um mercado interno
especialmente formado para acolher a oferta desses produtos, os próprios
tecnoburocratas que trabalhavam nessas transnacionais.
Dessa forma se redesenha o Brasil, agora um aliado
estadunidense na Guerra Fria que cumprirá o seu papel de total subserviência
até no acolhimento dos empréstimos externos que logo terão suas taxas de juro
elevadas e provocarão uma dívida externa de 100 bilhões de dólares no governo
do general Figueiredo (era de 2 bilhões de dólares no governo de Jango).
O resultado dessa enorme guinada à direita e do descalabro
foi um enorme retrocesso em todos os sentidos, uma completa alienação e
despolitização do povo brasileiro que só deveria trabalhar e jamais opinar ou
reivindicar, pois seria punido com repressão, tortura, morte e desaparecimento.
Houve uma desarticulação e destruição de todos os movimentos sociais e
eliminação de todas as lideranças sociais, políticas, sindicais, estudantis,
culturais, intelectuais de esquerda. As políticas públicas foram abandonadas e
o povo ficou à deriva, empobrecido e desarticulado.
A única forma de reação frente ao total fechamento político
provocado pelo Ato Institucional n. 5 de 13/12/1968 foi para muitos a luta
armada, até para soltar os presos políticos que estavam sendo eliminados pelas
torturas sistemáticas nas dependências
do DOI CODI, DOPS e OPERAÇÃO BANDEIRANTE e nas prisões em todo o país. Além disso,
era preciso acabar com um sistema de exceção que proibia e submetia a população
a uma extrema brutalidade e retrocesso político, social, econômico, cultural,
educacional, sindical. Além da população urbana e camponesa também foi
reprimida, torturada e morta a população indígena.
Houve a total subserviência e colaboração da Grande Mídia a
esse Estado de Segurança Nacional, notabilizando-se a Rede Globo, SBT e outras
redes televisivas que obtiveram desse Estado uma permanece concessão pública
para divulgar a ideologia do regime de exceção. Além da TV, rádios, jornais,
revistas também sofriam censura prévia sendo que os jornais Folha de S. Paulo e
o Estado de São Paulo foram colaboradores fiéis do sistema disponibilizando até
veículos para as prisões dos chamados “subversivos”, caracterizados como opositores
ao regime.
O importante é destacar que a democracia caminha a passos lentos
hoje, devido principalmente à falta de memória desse período, haja vista que
não pode ser efetivamente julgado pela pressão e objeção das Forças Armadas e
da tendência de desinformar da Grande Mídia comprometida com os interesses
econômicos do grande capital principalmente financeiro. Sobre o grande capital,
um destaque para as atividades da FIESP e do Banco Itaú, colaboradores do regime
que além de financiarem os aparelhos de repressão ainda frequentaram as sessões
de tortura no DOPS como foi o caso do empresário Geraldo Resende Matos. Os empresários
colaboravam com o terror do Estado para obter vantagens econômicas.
A revisão ou anulação da Lei da Anistia de agosto de 1979 é
imprescindível para recuperar a memória desse período para que a população tome
contato, conhecimento e consciência de que é necessário o conhecimento do
passado para passarmos o Brasil a limpo e democratizarmos o nosso país que na
prática é governado por instituições que não são eleitas pelo povo para obterem
essa atribuição como é o caso dos juízes do Supremo Tribunal Federal (STF),
pela Grande Mídia tendenciosa e aliada do grande capital, e das Forças Armadas
formadas ainda com a ideologia da segurança nacional e ainda lideradas por
torturadores e seus discípulos, apesar de muitos militares terem sido
aposentados e presos na época da ditadura civil-militar, terem outra ideologia e
discordarem do golpe sobre o governo João Goulart e o regime de exceção que se
instalou.
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