quinta-feira, 31 de outubro de 2013

BLACK BLOCS, o assassinato do menino Douglas e o inferno anunciado…


Quarta, 30 de outubro de 2013

BLACK BLOCS, o assassinato do menino Douglas e o inferno anunciado…

"Os jovens de periferia não querem mais ver irmãos, parentes, amigos, colegas ou apenas


conhecidos, serem enterrados porque cometeram o crime de terem nascido, em geral

negros, e viverem nas periferias. Eles estão dizendo chega. E a nossa democracia, sim,

democracia, não tem dado conta de resolver esse problema". O comentário é de Renato

Rovai em artigo publicado pelo sítio Rede Brasil Atual - RBA, 29-10-2013.





Eis o artigo.

No dia 3 janeiro à noite, bem antes das Jornadas de Junho, uma chacina chocou São

Paulo. Laércio de Souza Grimas, o DJ Lah, de 33 anos, do grupo Conexão do Morro, foi




assassinado com outras seis pessoas num bar do Campo Limpo, zona Sul de São Paulo.

Bar que ficava em frente ao local onde tinha sido assassinado o pedreiro Paulo Batista do

Nascimento, numa execução que, filmada, acabou no Fantástico da Rede Globo.




No dia 7 de janeiro, ainda em férias, escrevi um post sobre o assunto. Um dos trechos:

“Segue um relato-reportagem, a meu pedido, feito pelo repórter Igor Carvalho sobre o caso

do massacre de Campo Limpo e seu contexto. Igor esteve ontem no local da chacina e




conversou com uma série de pessoas que pediram anonimato. O clima em Campo Limpo


e em outros bairros da periferia é terrível. Misto de revolta e medo. Perfeito para produzir


reações extremadas. Quem acha que a situação atual é ruim, vai ter saudades do hoje. São

Paulo pode virar um inferno. Eu, acima assinante, responsabilizo Alckmin por isso. Foi ele




quem disse que quem não reagiu está vivo. E que de certa forma autorizou a barbárie.”


Este texto não foi premonitório. Era simples análise jornalística com base em informações

apuradas pelo repórter Igor Carvalho e por mim. Uns sessenta dias após escrevê-lo,




encontrei-me com um personagem importante no contexto da periferia paulistana. No meio


da conversa-entrevista ele me pediu para desligar o gravador e disse algo mais ou menos


assim: “O povo vai reagir, a molecada tá se mexendo e vai para cima… A coisa vai ficar


feia”.

Lembrei disso no dia 6 de junho, quando por acaso me encontrei no meio da conflito do

primeiro ato do Movimento Passe Livre no centro de São Paulo. Fiquei impressionado com

o olhar de raiva daqueles garotos e garotas que escondiam seus rostos sob camisetas e

pedaços de pano. E registrei aqui no blogue um post do qual extraio o trecho abaixo:




“Eram garotos pobres, com muita raiva. Garotos e garotas indignados e revoltados. E que


pareciam não estar ali só por conta do aumento da passagem, mas porque precisam gritar


que existem (…) A periferia brasileira está em movimento e em disputa. E se a cidade não


passar a ser pensada para esses milhões de jovens, em breve algo muito maior do que

aconteceu na quinta vai estourar.”

No domingo, Douglas Rodrigues, de 17 anos, foi baleado de forma covarde por um Policial




Militar. E antes de morrer, segundo seu irmão de 12 anos, perguntou: “Senhor, por que o


senhor atirou em mim?”


Ainda no domingo, as ruas da Vila Medeiros foram tomadas por pessoas revoltadas com


este fato. Ontem à noite, foi a rodovia Fernão Dias que literalmente pegou fogo. Atacaram

carros, caminhões, imóveis… Uma revolta generalizada escrita em sangue pelas últimas

palavras de um garoto de 17 anos: “Senhor, por que o senhor atirou em mim?”

É a partir de histórias como essa que as cenas de agressão ao coronel Reynaldo Rossi,




que geraram comoção midiática, precisam ser entendidas. Vejam bem, não estou dizendo


que precisam ser justificadas.

É a partir de histórias como a do assassinato de Douglas que muitas ações dos blacks blocs




nas ruas do Rio de Janeiro e de São Paulo devem ser entendidas. Vejam bem, não estou


dizendo que devem ser justificadas.


Os jovens de periferia não querem mais ver irmãos, parentes, amigos, colegas ou apenas


conhecidos, serem enterrados porque cometeram o crime de terem nascido, em geral

negros, e viverem nas periferias. Eles estão dizendo chega. E a nossa democracia, sim,

democracia, não tem dado conta de resolver esse problema. E eles perderam o medo de

perder a vida se necessário for para mostrar que não irão bovinamente para covas rasas de

cemitérios. Assassinados por polícias que deveriam preservar suas vidas. E vitimados por

um Estado que não lhes garante futuro e nem paz.

A ação black block no Brasil (e ela é diferente de outros países), se alguém ainda tinha

dúvida, é fruto, sim, também disso. E principalmente disso. Da violência policial. Os black

blocs nunca lutaram por vinte centavos, por transporte melhor ou por melhores salários dos




professores. Esses meninos têm ódio da polícia. Eles pulam de ódio da polícia. Eles querem


derrotar a polícia. Não são só garotos e garotas de periferia. Mas os que não são também


não aceitam como legítima a ação das forças policiais. E querem derrotar a polícia.


Se acho isso bom? Se acho isso ruim? Não acho nada. Quero que a democracia que

construímos seja capaz de se relacionar com essa questão sem tentar eliminar fisicamente

esses meninos e meninas. E sem criminalizar suas ações e reações.

E que a nossa inteligência seja capaz de ir além de simplismos como a de chamá-los de

vândalos e fascistas.

Até porque a preguiça intelectual também é uma forma de violência dos que têm o poder de

pautar o debate na sociedade. Os black blocs não precisam da minha defesa. Até porque




não me associo às suas práticas. Mas entendo perfeitamente os garotos e garotas que

têm ódio da polícia. Se Douglas, fosse seu filho, irmão, primo, amigo, será que você não




entenderia?

– Senhor, por que o senhor atirou em mim?

domingo, 27 de outubro de 2013

O PCC, a Al-Qaeda e o uso político

O PCC, a Al-Qaeda e o uso político

Jornal Brasil de Fato

O que causa maior suspeita é o evidente uso político das informações apuradas pela polícia no combate ao crime organizado
16/10/2013
Editorial da edição 555 do Brasil de Fato 
Um movimento ganha força e argumento nos Estados Unidos. Trata-se do “Intelectuais sobre a Verdade do 11 de setembro de 2001”. Apoiados em laudos científicos de importantes laboratórios e peritos da engenharia, exigem a reabertura das investigações sobre os culpados do atentado do World Trade Center na cidade de Nova Iorque. São graves as contradições que apontam.
A investigação oficial responsabilizou uma suposta organização mundial chamada Al-Qaeda. Seria uma organização secreta, fundamentalista islâmica, constituída por células independentes com capacidade de operar em várias partes do mundo. Apesar dos inesgotáveis recursos financeiros e tecnológicos utilizados pela CIA (a inteligência dos Estados Unidos), pouco se sabe desta misteriosa organização.
Independente de apurar a verdade sobre quem praticou os atentados de 11 de setembro de 2001, uma coisa é certa, o favorecido político foi o então presidente George W. Bush Junior e os grupos econômicos que o sustentavam. A coincidência foi espantosa e possibilitou Bush enfrentar seu pior momento. Recordemos os fatos.
Bush havia ganhado as eleições com grandes suspeitas de fraude no estado da Flórida onde seu irmão era governador. Em sua posse em 20 de janeiro, Washington foi tomada por policiais contra as manifestações populares, um fato inédito na história estadunidense. Seu governo iniciou em condições de imensa dificuldade e isolamento.
Porém, graças aos atentados de 11 de setembro, tudo se reverteu. Conseguiu aprovar uma legislação que lhe dava poderes ilimitados, convocou uma “verdadeira unidade nacional” contra o terrorismo. Acabou inclusive se reelegendo. E, da noite para o dia, surgiu o nome da “poderosa Al-Qaeda”, presente em cada recanto do mundo, dotada de um imenso aparato de inteligência e recursos.
Uma organização que é sempre evocada quando invadiram o Afeganistão, o Iraque, na intervenção da Líbia, nas atuais ofensivas contra a Síria e o Irã.
A reiterada coincidência que causa a suspeita em respeitáveis analistas políticos é a estranha conjugação da revelação das investigações contra a Al-Qaeda e os interesses estratégicos militares estadunidenses.
Atualmente, emerge um gigantesco escândalo envolvendo as principais lideranças do PSDB e o próprio governador Alckmin. Investigações reveladas pela revista IstoÉ, mostram como operadores franceses ajudaram a montar o chamado “Propinoduto dos Tucanos”, que começou na área de energia, foi replicado no transporte público e desviou R$ 425 milhões em recursos públicos. Exatamente no transporte público, que esteve no centro das imensas mobilizações populares de junho.
Curiosamente, no momento em que se encontra acuado, enfrentando crescentes manifestações de rua, os setores de inteligência da polícia paulista trazem a público reveladoras informações sobre o crime organizado, que já devem estar acumulando há vários meses.
Um nome volta a ocupar o centro da mídia. O perigoso PCC. Revelam a descoberta de um plano secreto para matar o governador Alckmin. Divulgam um “diálogo” entre supostos líderes da quadrilha criminosa, gravado secretamente, em que os bandidos comentam o cerco que estão enfrentando na gestão do governador.
Agora, setores de inteligência da polícia afirmam possuir provas, que não podem ser reveladas, de que o perigoso PCC pretende infiltrar seus bandidos nas manifestações populares aproveitando-se de enfrentamentos dos adeptos da tática Black Bloc.
Nada poderia ser mais conveniente ao governo Alckmin, num momento em que crescem as mobilizações de rua contra o seu governo. A grande mídia, que já vinha valorizando a violência de algumas dezenas isoladas, para ocultar a manifestação de milhares, ganha um “prato cheio”.
As cenas de violência que já estavam sendo usadas para legitimar o retorno das “balas de borracha” ganham o inusitado reforço da descoberta de que o “PCC vai se infiltrar nos mascarados nos próximos atos”, que aliás, são atos contra o governador Alckmin, o mesmo que se encontra acuado com as piores e mais graves denúncias de sua história política.
No mínimo, devemos nos perguntar: por que um paciente trabalho de inteligência efetuado pela polícia paulista sobre a quadrilha do PCC resolve divulgar suas informações neste momento? Por que resolvem bem agora transferir os 35 chefes do PCC para a Penitenciária de Presidente Bernardes, onde os detentos ficam em regime fechado? Exatamente os que estavam supostamente sendo “monitorados”. Será que o proveitoso trabalho de infiltração e escuta telefônica praticado pela inteligência policial já esgotou suas possibilidades?
Por ora, o que causa maior suspeita é o evidente uso político das informações apuradas pela polícia no combate ao crime organizado. Afinal, coincidências existem, mas farsas históricas também. Algumas demoram muito para ser reveladas.






Produto da Monsanto é suspeito de aumentar casos de câncer na Argentina

Produto da Monsanto é suspeito de aumentar casos de câncer na Argentina

Jornal Brasil de Fato

Empresa diz que “não tolera o uso indevido" de agrotóxicos "ou a violação de qualquer lei, regulamento ou decisão judicial”
22/10/2013
Do Opera Mundi
Pesticidas fabricados pela Monsanto, indústria de agricultura norte-americana, são suspeitos de serem os responsáveis por problemas de saúde que vão desde defeitos congênitos a câncer na Argentina, segundo uma reportagem da AP (Associated Press) divulgada nesta segunda-feira (21/10). De acordo com a agência, a ausência de leis que regulem agrotóxicos levou ao uso incorreto deles no país, levando determinados estados a terem taxas maiores de câncer, por exemplo, que outros.
A reportagem aponta que, na província de Santa Fe, o centro da indústria argentina de soja, as taxas de câncer são de duas a quatro vezes mais altas que a média nacional. Apesar da proibição pela província do uso de pesticidas a menos de 500 metros das áreas povoadas, a AP descobriu evidências de que químicos tóxicos são usados a apenas 30 metros das residências.
Em Chaco, a região mais pobre, a probabilidade de crianças nascerem com defeitos congênitos são quatro vezes maiores desde que a biotecnologia expandiu a agricultura.
“A mudança no modo como a agricultura é produzida trouxe, francamente, uma mudança no perfil das doenças”, afirmou à AP o pediatra Medardo Avila Vazquez. “Nós passamos de uma nação bastante saudável a uma com taxas altas de câncer, defeitos congênitos e doenças raramente vistas antes”.
Em resposta às reclamações, a presidente Cristina Kirchner criou em 2009 uma comissão para estudar o impacto de agrotóxicos na saúde humana. O relatório oficial pediu por “controles sistemáticos de herbicidas e seus componentes (…) Assim como exaustivos estudos em laboratório e em campo envolvendo formulações contendo uma substância química chamada glifosato, considerada quase inofensiva a seres humanos, e suas interações com outros químicos que são usados em nosso país”. Entretanto, a última reunião do comitê foi em 2010.
O secretário de Agricultura, Lorenzo Basso, afirmou que as pessoas estão desinformadas na Argentina. “Eu vi inúmeros documentos, pesquisas, vídeos, artigos nas notícias e nas universidades e, realmente, nossos cidadãos que leem isso ficam confusos e tontos”, disse. “Nosso modelo, como uma nação de exportação, tem sido questionado. Precisamos defender nosso modelo”.
AP entrevistou o camponês Fabian Tomasi, que trabalhou bombeando pesticidas sobre plantações e, agora, sofre de problemas neurológicos. “Eu preparei milhões de litros de veneno sem nenhum tipo de proteção, sem luvas, máscaras ou roupas especiais”, afirmou. “Eu não sabia de nada. Só fiquei sabendo depois o que isso fez comigo, depois que contatei cientistas”.
O pesticida químico da Monsanto, Roundup, contém glifosato. A AP descobriu que esse composto está sendo usado na Argentina em uma série de maneiras que são “inesperadas pela ciência reguladora ou especificamente proibidas pela legislação vigente”.
Em resposta à pesquisa da agência, a Monsanto divulgou um comunicado dizendo que “não tolera o uso indevido de pesticidas ou a violação de qualquer lei de pesticidas, regulamento ou decisão judicial”. “A Monsanto leva a administração de produtos a sério e nós nos comunicamos regularmente com nossos clientes sobre uso adequado dos nossos produtos”, afirmou o porta-voz Thomas Helscher, em nota.
Na reportagem, a AP afirma que pode ser impossível provar que um composto químico específico causou a doença de um indivíduo. Mas, médicos consultados têm cada vez mais pedido por pesquisas mais amplas, a longo prazo e independentes, dizendo que os governos deveriam fazer a indústria provar que agrotóxicos acumulados não estão deixando as pessoas doentes.
A Argentina foi um dos primeiros países a adotar a biotecnologia da Monsanto para aumentar sua produção agrícola. Com esses produtos, o país se tornou o terceiro maior produtor de soja no mundo. Atualmente, as plantações de soja são inteiramente modificadas pelos produtos químicos, assim como a maior parte das de milho e algodão.
Foto: Wikicommons

Abrir-se para a onda

Jornal Brasil de Fato

Para o cientista político e professor Giuseppe Mario Cocco, protestos de professores no Rio de Janeiro mostram a força das mobilizações de junho
22/10/2013 
Patrícia Benvenuti
da Redação 
Cenário de algumas das mobilizações mais intensas ocorridas em junho, o Rio de Janeiro voltou a registrar, em outubro, protestos de grande proporção. Se naquele momento a redução das tarifas era a motivação principal, dessa vez o mote é o apoio aos professores da rede municipal de ensino, em greve desde 8 de agosto.
A mobilização mais intensa, até o momento, ocorreu em 7 de outubro – dias depois de os docentes serem duramente reprimidos pela Polícia Militar.
Convocado pelas redes sociais – característica comum dos eventos de rua deste ano – o ato reuniu milhares de pessoas que, além de cobrar melhorias na educação, protestavam contra a violência das polícias.
A solidariedade aos professores cariocas se estendeu para São Paulo, onde estudantes organizaram uma manifestação pelo centro da capital paulista.
Em ambas as cidades, os protestos terminaram com repressão, prisões e criminalização dos manifestantes.
Para o cientista político e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Giuseppe Mario Cocco, a magnitude do ato em apoio aos professores no Rio de Janeiro é reflexo da força das mobilizações que eclodiram em todo o país na metade do ano. “É uma movimentação de categoria, mas que se faz na brecha aberta pelo movimento de junho”, afirma.
Em entrevista ao Brasil de Fato, ele fala sobre o poder da internet na conjuntura atual e a necessidade de abertura nos movimentos organizados e critica a atuação do governo federal.
“Em vez de se aproveitar esse momento como uma brecha para a radicalização democrática está se aproveitando para ir em direção a um Estado de exceção”, diz. 
Brasil de Fato – Depois da mobilizações massivas em junho, o Rio de Janeiro voltou a registrar, nas últimas semanas, mobilizações que reuniram milhares de pessoas, desta vez em apoio aos professores da rede municipal. Esses novos protestos, na sua opinião, são uma continuidade do movimento iniciado em junho ou fazem parte de um novo contexto? 
Giuseppe Mario Cocco – O movimento dos professores se constitui em uma continuidade dos movimentos de junho, veio naquela onda e tem todas as características, como a massificação. Quando os professores se mobilizaram o fizeram de uma maneira tradicional, com passeatas, organizados a partir do carro de som do sindicato, com uma dinâmica que não era aquela do movimento de junho. Mas de repente a mobilização não encontrou nenhum espaço de negociação junto aos poderes públicos, nenhuma mediação por parte da Prefeitura e foi se radicalizando. A partir da ocupação da Câmara Municipal passou a ser algo diferente, dialogando diretamente com o levante da multidão. É uma luta da categoria que acabou sendo uma luta da cidade. É uma movimentação de categoria, mas que se faz na brecha aberta pelo movimento de junho que, em particular no Rio de Janeiro, teve uma continuidade praticamente diária.
O cientista político e professor da UFRJ Giuseppe Cocco. Foto: Gabinete Digital/Governo do Rio Grande do Sul
Qual a influência da internet e, principalmente, das redes sociais nesse processo de mobilizações? 
O papel da internet é fundamental. No caso dos professores, por exemplo: eles ocuparam a Câmara, foram despejados de maneira violenta, e isso foi transmitido por um sem número de pessoas [na internet]. A decisão da mídia de apresentar apenas o que ela quer, de evitar a notícia, não funciona mais.
Temos a possibilidade de ver ao vivo, ou logo depois, reproduções de imagens, fotos, vídeos, depoimentos, que permitem uma verdadeira democratização do evento.
Além disso, hoje uma organização não tem mais que fazer uma plenária, compor com outras, chamar para uma manifestação. Um evento pode se produzir e reproduzir sem passar por nenhuma mediação, é uma coisa que acontece de maneira horizontal e virtual. A internet e as redes, de forma geral, não são uma opção: são a nossa condição de vida e de trabalho. Nós trabalhamos entre as redes e as ruas, e os movimentos também se organizam e se articulam entre as redes e as ruas. Há uma articulação entre a comunicação que acontece pela internet e a mobilidade dentro da metrópole, não é por acaso que o movimento começou dentro da metrópole, em função do transporte. 
Que lições os movimentos organizados de esquerda podem tirar desses protestos?
A primeira [lição] é que nenhuma das formas tradicionais de organização, sejam elas partidárias, sindicais ou de movimentos organizados, sabe lidar com essa nova dinâmica. O movimento de junho é uma bifurcação, já estava presente de maneira muito menor nas margens, mas a partir de junho virou um movimento capaz de uma ação potente. Se dizia também que era um movimento que não tinha liderança, organicidade, objetivos. Isso é errado: na realidade o que nós assistimos é que é um movimento capaz de ter lideranças, organicidade e objetivos, só que eles são internos à sua própria dinâmica, sem separação entre o processo e o resultado. A partir dessas considerações é que tem que se escutar, estudar, se abrir a essa dinâmica.
A segunda lição, portanto, é entender antes de fazer críticas ou constatações de desqualificação, de apologia, até criminalizadoras às vezes. A terceira lição é que as formas representativas, sobretudo os partidos, quando participam de algum momento da dinâmica de governo, ou se abrem para a onda entrar ou vão ser deslegitimados.
Parece-me que o partido do governo, o PT, não entendeu nada. Está optando pela repressão e só, com alguns exercícios retóricos, e eu acho que isso vai criando um problema para 2014. Não estou dizendo que isso necessariamente vai se transformar em uma derrota eleitoral da eventual candidata do PT para as eleições presidenciais, mas acho que está mudando a significação do pleito.
A postura deveria ser de se abrir, de negociar, sobretudo de se distanciar dessa relação pragmática com a direita no Rio de Janeiro. Todos os movimentos organizados, inclusive os partidos que têm um mínimo de sensibilidade com relação à democracia, deveriam usar a potência do movimento para abrir momentos assembleares, chamar todo mundo para discutir e, se estão no governo, abrir espaços para a participação real. Mas usar as redes para novas formas de participação e não para fazer consultas eletrônicas como o Gabinete Digital do Rio Grande do Sul, do governo Tarso [Genro]. É uma proposta de experimentar formas de democracia em rede que se reduz fundamentalmente a uma consulta em torno de temas fechados.
Democracia em rede não é isso, é uma participação em rede é capaz de determinar, mudar e produzir as pautas. Implica em uma abertura muito mais radical. Mas fazer isso significa abrir mão de querer dirigir, de mandar, precisa se abrir para dinâmicas que sejam de baixo para cima.
A partir de junho não adianta dizer que a sociedade não está mobilzada, que todas as mediações e limitações dos governos e as coalizões das quais participa – estou falando das forças de esquerda – não podem ir além de certo limite porque a sociedade é despolitizada. Agora é porque o pessoal não quer.
Algumas das mobilizações mais massivas têm ocorrido depois de episódios de repressão violenta das polícias. Você acredita que a repressão policial tem sido um “estopim” nesses casos?
A repressão da polícia tem dimensões diferentes. A brutalidade da polícia nas manifestações não só em São Paulo e no Rio, mas em todo o Brasil, só foi massificando a participação nas manifestações seguintes. E isso se renovou no Rio, com a manifestação dos professores e a truculência do governo do Rio, que tem sinal verde do governo federal. Mas tem outro tipo de repressão que usa o Estado e as leis de exceção. As prisões de dois jovens em São Paulo [enquadrados na Lei nº 7.170, conhecida como Lei de Segurança Nacional], as operações que a Polícia Federal está realizando no Rio de Janeiro com prisões de anarquistas, esse é outro tipo de repressão que passa pela criminalização.
Não é mais a truculência generalizada da tropa de choque, é a criminalização com a participação eventual de setores da magistratura e que usa a lei a partir das determinações do Executivo.
Aí começa uma situação na qual o nível de radicalidade vai crescendo, não tem negociação, tem massificação, aí vem a mídia, aliada do governo... O governo federal usa o apoio que a mídia conservadora dá para fazer essas operações que tentam enquadrar esses garotos [Black Blocs] como se fossem crime organizado. É um arbítrio geral, ainda mais no Brasil onde a gente sabe que crime organizado é outra coisa.
A gente lê nas páginas dos jornais as relações espúrias entre os poderes constituídos e as milícias, isso para falar do Rio de Janeiro. Nunca vi usar a lei de Força de Segurança Nacional para reprimir a polícia que mata e que tortura. Aparentemente, torturar o Amarildo não é um atentado contra o Estado, quebrar um caixa eletrônico sim.
Quais as perspectivas para as grandes mobilizações no Brasil, na sua avaliação?
Acho que ninguém sabe, nem aqueles que estão mais envolvidos com a própria dinâmica do movimento. Por enquanto a coisa está acontecendo no Rio de Janeiro, o episódio dos professores mostra que o movimento está lá, que uma greve de categoria acabou se transformando em mais um episódio de movimento de multidão. Então todo novo conflito que ocorrer no Rio de Janeiro tem a tendência de se integrar nessa dinâmica de uma nova versão entre as redes e as ruas, mas ninguém sabe como isso pode acontecer.
Antes a gente tinha uma agenda positiva, a dos megaeventos, e que agora está funcionando no sentido oposto, portanto o horizonte é que o carnaval e a Copa do Mundo se tornem momentos de mobilização. Aliás, esse sinal verde do governo federal para os governos autoritários do Rio de Janeiro e essa determinação de reprimir e de fazer o conflito agora é porque eles querem pacificar a Copa do Mundo. Não sei se a repressão vai ser eficaz ou não, o que sei é que para a democracia não é nada positivo.
Em vez de se aproveitar esse momento como uma brecha para a radicalização democrática está se aproveitando para ir em direção a um Estado de exceção, e isso para a Fifa organizar os jogos e a Ambev vender cerveja. Eu estou preocupado e todos os movimentos progressistas deveriam estar. O PT está perdendo definitivamente a sua alma. Falo do PT não como partido, mas como partido de governo. As mediações que ele fez ao longo desses anos, os desvios e os pragmatismos, não são nada em comparação ao que está optando em fazer agora.
Foto: Pablo Vergara       
 
 
 

sábado, 26 de outubro de 2013

1A. CONFERENCIA SOBRE ESTUDOS ESTRATÉGICOS - UNASUL


1A. CONFERENCIA SOBRE ESTUDOS ESTRATÉGICOS - UNASUL
22.10.2013

[ América Latina e Caribe ]
América Latina: temas urgentes da conjuntura geopolítica
Atilio Borón
Adital
Na sexta-feira passada, foram concluídas em Havana as deliberações da

Primeira Conferência sobre Estudos Estratégicos, organizada pelo Centro de

Investigaciones de Política Internacional, dependente do Instituto Superior de

Relaciones Internacionales (ISRI), do Ministerio de Relaciones Exteriores de

Cuba. Foram três dias de produtivas discussões nos quais se revisou distintos

aspectos da conjuntura geopolítica internacional e o papel que na mesma jogam

os países da América Latina e Caribe.

Tradução: ADITAL




Algumas reflexões preliminares haviam sido expostas em uma postagem anterior.

A seguir, são expostas algumas das conclusões mais relevantes da conferência:
a) Necessidade de uma resposta muito mais cortante de nossos países em relação à

agressão informática, à espionagem e aos ciberataques lançados por diversas agências

de inteligência dos Estados Unidos. De fato, quando o Google, o Skype, o Facebook




e outras grandes companhias do mundo da Internet reconheceram publicamente

que transferiam seus arquivos aos organismos de espionagem e segurança dos

Estados Unidos, todos esses programas deveriam ter sido eliminados

imediatamente dos organismos governamentais da região e, na medida do

possível, substituídos por similares do software livre. Paralelamente, deveriam ter

sido lançada uma grande campanha para desalentar seu emprego nas

organizações não-governamentais e pelo público em geral, coisa que está sendo

feita apenas no Brasil, vítima preferencial desses ataques juntamente com a

Alemanha e a França, segundo revelações recentes. Vários especialistas

coincidiram em assinalar que os programas convencionais de antivírus revisam e

limpam todos os arquivos de computadores localizadas tanto no Cairo quanto em

Buenos Aires ou Bangalore; porém, que o trabalho é feito nos EUA e que,

simultaneamente, à remoção ou não dos vírus, esses arquivos são copiados e

mantidos em gigantescos servidores controlados pelo governo dos EUA, onde são

armazenados e revisados primeiramente por robôs informáticos e, quando

aparecem conteúdos, emissores ou destinatários suspeitos, por humanos.

Conclusão: impõe-se acelerar o trânsito para o software livre e, além disso,

descartar todos os computadores feitos nos EUA ou por firmas norte-americanas

radicadas em terceiros países, de onde se desprende a importância de

desenvolver uma indústria latino-americana de produção de hardwares de

diversos tipos (computadores de mesa, laptops, tablets etc.).

b) Outra das conclusões foi sobre A silenciosa e permanente agressão militar do

imperialismo e o papel da Unasul. Um dos graves problemas que a região enfrenta




é que, a pesar de estar cercados por 76 bases militares estadunidenses, até

agora, os governos da Unasul não foram capazes de chegar a um consenso

sobre uma hipótese de conflito realista para a região. Hipótese que deve

responder a uma pergunta bem simples: quem é o nosso mais provável agressor

ou quem já está nos ameaçando? Apesar da avassaladora presença de tantas

instalações militares estadunidenses disseminadas ao longo de toda a América do

Sul, essa resposta ainda não foi sequer esboçada e continua sendo um tema

tabu no interior da Unasul. Obviamente, que a heterogeneidade do mapa

sociopolítico sul-americano conspira contra tal iniciativa. Há governos que

assumiram como sua missão converter-se nos "Cavalos de troia” do império e

obedecer incondicionalmente as diretivas emanadas de Washington: na América

do Sul, essa é a situação da Colômbia, do Peru e do Chile, com a provável adição

a essa lista do governo do Paraguai. Há outros que pugnam por assegurar sua

autodeterminação e resistir aos desígnios e pressões do imperialismo: caso da

Bolívia, do Equador e da Venezuela. E outros, como a Argentina, o Brasil e o

Uruguai, que navegam em meia água: apoiam debilmente aos segundos em seus

projetos continentais; porém, partilham com os primeiros sua vocação de

instaurar em seus países um "capitalismo sério”, enganoso ‘silêncio trovejante’

que enturva por igual a consciência de governantes e governados. O resultado é

a enorme dificuldade de chegar a um acordo para, por exemplo, exigir algo tão

fundamental como a retirada das bases militares estrangeiras da América do Sul;

ou para manter essa parte do continente como uma zona livre de armas

nucleares, coisa que até agora é impossível de certificar. Como saber quais são

as armas que o Pentágono instala em suas bases? Há suspeitas muito fundadas

de que em algumas que possui na Colômbia, como Palanquero, ou na da Otan,

nas Malvinas (base que conta com o apoio logístico e a presença militar

estadunidense) pode haver armas de destruição massiva. Porém, a verificação in

situ provou se, pelo menos até agora, impossível. A silenciosa, porém muito

efetiva ingerência de Washington sobre as forças armadas latino-americanas

traduz-se também na insólita continuidade dos programas de "formação e

adestramento” de militares e –cuidado com isso!- de forças policiais na região.

Inclusive, em governos claramente enfrentados com o imperialismo norteamericano,

a inércia de tantas décadas de formação na Escola das Américas e

em outras do mesmo tipo torna difícil substrair-se à pressão militar para

continuar com esses programas. Porém, quando o costume e os incentivos

crematísticos não são suficientes, a Casa Branca apela para a extorsão. Se um

país decide não enviar seus oficiais para os cursos de formação nos EUA, em

represália, Washington pode interromper o subministro de equipamento militar

aos países da área, seja sob forma de doações ou vendas subsidiadas. Desse

modo, o governo desobediente poderia depois ser acusado de "não colaboração”

na guerra contra o narcotráfico ou contra o terrorismo, entre outras coisas por

não contar com as equipes e armamentos adequados para a tarefa. E é lógico

pensar que quem se adestra nos EUA é treinado para combater a quem esse país

considere como seus inimigos. E já sabemos quem são esses para o império:

precisamente os governos e as forças anti-imperialistas da região.

Em suma: os cursos, as armas e as doutrinas militares conformam uma trindade

inseparável. Os países que enviam seus oficiais para ser treinados nos EUA estão

também deixando nas mãos desse país decidir quem são os inimigos a combater

e como fazê-lo.

Na mesma linha, deve-se ressaltar a absurda sobrevivência do TIAR, Tratado

Interamericano de Assistência Recíproca desenganado nos fatos pela

colaboração oferecida por Washington a Grã Bretanha na Guerra das Malvinas;

ou a continuidade das reuniões periódicas dos Comandantes ou da Junta

Interamericana de Defesa; ou a realização de operações conjuntas com forças

dos Estados Unidos, sendo que este é o único inimigo regional à vista. O anterior

se complementa, no plano jurídico, com a aprovação em quase todos nossos

países por uma legislação antiterrorista inspirada somente na necessidade

de proteger a sigilosa ocupação dos EUA do território latino-americano e de

criminalizar as forças políticas e movimentos sociais eu se opõem aos avanços do

imperialismo.

c) Também surgiu da conferência a necessidade de estudar sistematicamente o

imperialismo norte-americano. É preciso reverter uma perigosa tendência muito




presente nas forças políticas e nos movimentos anti-imperialistas da região e

que se sintetiza em uma consigna limítrofe ao suicídio: "não se estuda o inimigo;

combate-se”. Exalta-se o fervor militante, o que está bem, porém, se subestima

a necessidade de conhecer cientificamente, minuciosamente, ao imperialismo,

o que está mal. Sem estudar a fundo os EUA como centro nervoso do sistema

imperialista; sem conhecer como funciona; sem saber quais são os dispositivos

mediante os quais estabelece seu predomínio em escala mundial e quem são

seus agentes operacionais nos planos da economia, da política e da cultura;

desconhecendo quais são suas estratégias e táticas de luta, seus artifícios

propagandísticos e suas concepções ideológicas, e quem seus peões locais se

torna quase impossível travar uma batalha com êxito contra sua dominação. Por

isso, José Martí, um dos grandes heróis de nossas lutas anti-imperialistas, tinha

razão quando, para fundamentar seu diagnóstico sobre os ominosos desígnios

dos EUA, disse ao seu amigo Manuel Mercado que "vivi no monstro e conheço

suas entranhas”.

Porém, o desconhecimento do império não é atributo exclusivo da militância antiimperialista.

Infelizmente, na academia de nossos países o estudo dos EUA é

uma matéria que brilha por sua ausência. Contam-se nos dedos os centros de

investigação que se dedicam a estudar nossos opressores, enquanto que nos

EUA são ao redor de 300 os centros e/ou programas de ensino e investigação

que têm por objeto investigar nossas sociedades. Essas preocupantes realidades

deveriam suscitar uma rápida reação das forças anti-imperialistas da região,

recordando o que com tanta razão observara Lenin, ao dizer que "não há nada

mais prático do que uma boa teoria”. Uma boa teoria sobre o imperialismo

contemporâneo que deve articular a tradição clássica, sobretudo a teoria

leninista do imperialismo, com as novidades que o fenômeno assume um século

depois que o revolucionário russo escrevera seu livro sobre o tema. Novidades

entre as quais o deslocamento do centro do sistema imperialista de potências

coloniais europeias para os EUA não é precisamente a menor; novidades,

convém ressaltar, que, longe de refutar as previsões e as análises de Lenin,

as ratificaram, porém sob novas formas que não podem ser ignoradas; mas,

pretende-se travar um eficaz combate contra tão perverso sistema(1).

Necessidade, portanto, de estudar seriamente o funcionamento do "complexo

militar e industrial” norte-americano e sua insaciável voracidade. Nessa trama

de gigantescos oligopólios o que constitui o coração da classe dominante norteamericana

e, por extensão, da burguesia imperial. Para o "complexo militar

e industrial”, a paz equivale à bancarrota: sem guerras não há lucros e sem

lucros não se pode financiar a classe política dos EUA. Perversa articulação

entre a rentabilidade da indústria armamentista –uma indústria que só provoca

destruição e morte- e as necessidades dos políticos norte-americanos de custear

suas carreiras políticas que, inevitavelmente, acabam colocando aos vencedores a

serviço de seus financiadores. Portanto, não surpreende constatar que as vendas

das indústrias do "complexo militar-industrial”, tenham aumentado em 60% entre

2002 e 2012, desde o início da grande contraofensiva militar depois do 11-S até

nossos dias.

Dado adicional: lembram que há uns seis meses parecera que o mundo

enfrentava um iminente ataque atômico lançado pela Coreia do Norte? O que

aconteceu com isso? Agora, os norte-coreanos já não põem o planeta em

cheque? Depois, se disse que parecia que a obstinação do Irã de continuar com

seu programa nuclear punha em perigo a paz mundial e mais tarde o problema

das "armas químicas” da Síria parecia colocar-nos, outra vez, ao borde de

uma III Guerra Mundial. Conclusão: para a rentabilidade de seus negócios, o

‘complexo militar-industrial” necessita garantir que sempre haja crise, e se não

existirem, as inventam; e se não as inventam, as constroem midiaticamente. Para

isso está a imprensa hegemônica que, igual à puta Babilônia, presta-se solícita a

difundir essas patranhas que amedrontam à população ao passo que estimulam a

produção de novos e cada vez mais letais armamentos.

d) Diversas apresentações da conferência ressaltaram a continuidade da política da

Casa Branca rumo a América Latina e o Caribe. Nesse sentido, houve um consenso




praticamente unânime em ressaltar a identidade existente entre as políticas

latino-americanas das administrações de George W. Bush e Barack Obama,

razão pela qual convém deixar de utilizar esse nome –"administração” e falar

do "regime de Washington”, para, desse modo, assinalar a sistemática violação

da legalidade internacional e dos direitos humanos praticada pelo governo norteamericano,

de qualquer signo(2). No que se refere a Cuba, se algo fez o "regime”

norte-americano, foi intensificar o bloqueio financeiro, comercial e econômico

contra a ilha, ajustando ainda mais os controles estabelecidos pela legislação

estadunidense. Não deixa de ser surpreendente que não tenha surgido ainda

uma queixa universal contra a ilegal e imoral extraterritorialidade estabelecida

pela Emenda Torricelli à Lei Helms-Burton. Segundo essa monstruosidade jurídica

–projetada exclusivamente para prejudicar a um só país no mundo: Cuba- o

governo dos EUA está autorizado para aplicar sanções a qualquer empresa

nacional ou de um terceiro país (por exemplo, uma britânica, japonesa ou sueca)

apenas pelo fato de comercializar com Cuba ou por iniciar empreendimentos

econômicos com a Ilha. Por exemplo, na exportação do petróleo. Em outras

palavras, os EUA "legalizam” ao imperialismo mediante a despótica imposição

da lei estadunidense acima da de todos os países do globo. Imaginemos o

que aconteceria se um país qualquer pretendesse fazer algo parecido, por

exemplo, universalizar sua legislação proibitiva da pena de morte e sancionasse

àquele que, como os EUA, ainda a aplicasse! Para os que ainda duvidam de eu

vivemos sob um sistema imperial, os exemplos anteriores bastam e sobram para

convencê-los do contrário.

Outro traço que demonstra a enfermiça persistência da agressão contra Cuba

está dado pelo fato de que Washington continua utilizando transmissões ilegais

de rádio e de TV, convocando ao povo da Ilha a subverter a ordem constitucional

vigente e a rebelar-se contra seu governo, com o objetivo de alcançar a

longamente acariciada "mudança de regime”. Ditas transmissões não só divulgam

propaganda sediciosa, como também interferem no normal funcionamento das

emissoras de rádio e TV cubanas. Estima-se que o custo dessas atividades ilegais

patrocinadas por Washington eleva-se a uns 30 milhões de dólares anuais. Um

recente relatório da Auditoria do Governo estadunidense referido exclusivamente

às atividades da Usaid e do Departamento de Estado revelou também que entre

1996 e 2011 essas agências destinaram 205 milhões de dólares para promover

o derrocamento do governo cubano. Certamente, muitos milhões mais foram

apropriados pela CIA, pela Usaid, pelo Fundo Nacional para a Democracia e

por outras instituições afins para promover tão sinistros objetivos. Pelo visto,

Noam Chomsky tinha razão quando interrogado no final de 2008 sobre seu

prognóstico acerca da iminente inauguração do "regime de Obama” respondeu

sarcasticamente que este seria apenas o terceiro turno da Administração Bush.

Tinha razão, como a história tem demonstrado, apesar de que ficou limitado caso

se compute o número de mortes civis ocasionadas pelos aviões norte-americanos

não tripulados, os "drones”, o inverossímil Prêmio Nobel da Paz superou com

acréscimos o saldo lutuoso de seu predecessor. A seis meses das eleições

presidenciais venezuelanas, o muito distraído Obama ainda parece não ter

tomado ciência que o triunfador dessa contenda foi o candidato chavista Nicolás

Maduro e continua sem reconhecer oficialmente sua vitória e alentando os planos

desestabilizadores da oposição fascista na República Bolivariana da Venezuela. E

os quatro lutadores antiterroristas cubanos que purgam nas prisões do império

sua ousadia de pretender desmontar a máquina terrorista instalada em Miami –

e protegida pelo "regime de Washington”- poderiam ser postos imediatamente

em liberdade se Obama exercesse as atribuições do perdão presidencial que a

Constituição lhe confere. Porém, não o faz. Em troca, continua apadrinhando

terroristas como Luis Posada Carriles ou o ex-presidente boliviano Gonzalo

Sánchez de Lozada, cuja extradição é solicitada pela justiça da Bolívia por sua

responsabilidade no massacre de 67 pessoas durante as jornadas de protesto

popular que provocaram a sua queda.
Notas:
[1] Sobre o tema, consultar duas obras de nossa autoria, de descarga gratuita

na web: Imperio & Imperialismo. Una lectura crítica de Michael Hardt y Antonio

Negri (Buenos Aires: CLACSO, 5º edición, 2004, "Premio Extraordinario de




Ensayo de "Casa de las Américas”), especialmente o capítulo 8 e a compilação

que foi feita sob o título de Nueva Hegemonía Mundial. Alternativas de cambio y

movimientos sociales (Buenos Aires: CLACSO, 2004), p. 133-154. O primeiro pode

ser encontrado em:https://docs.google.com/file/d/0Bx2YC3gJbq2TMjExMTU0MGUtMjY2ZC00ZDg0LTljOWUtODIyMDZkNzM4YTRh/edit?





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E o segundo encontra-se em: http://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/se/20120507124307/nuevah.pdf

[2]Ver a nota em nosso blog: www.atilioboron.com.arou também emhttp://www.cubadebate.cu/opinion/2013/09/19/the-obama-regime/

País ficou 60% mais pobre, afirmam críticos do leilão do campo de Libra

País ficou 60% mais pobre, afirmam críticos do leilão do campo de Libra

Jornal Brasil de Fato

Licitação do maior campo petrolífero do pré-sal é duramente criticada por trabalhadores e especialistas, que questionam cálculos da ANP sobre lucro do Estado
 
22/10/2013
 
Cida de Oliveira,
 
O leilão do campo de Libra, realizado na tarde dessa segunda-feira (21) no Rio de Janeiro, foi comemorado pelo governo. A participação da Petrobras, de 40% sobre o petróleo explorado, e os cálculos da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) de que o Estado ficará com 73% dos lucros do bloco do pré-sal é vista como um resultado positivo pela administração Dilma Rousseff.
No entanto, a realização do leilão e o seu resultado foram alvos de críticas de trabalhadores e especialistas. Para o coordenador-geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP), João Antônio de Moraes, o país ficou 60% mais pobre. "Até o leilão, o Brasil tinha 100% do maior campo do pré-sal. A partir de então, tem no máximo 40%", disse.
"A entrega de 60% de Libra para as empresas estrangeiras é um dos maiores crimes de lesa-pátria que já tivemos no país. Um dia triste para o povo brasileiro", lamentou. "O leilão foi um fiasco e o governo ainda comemorou".
Além dos 40% da Petrobras, o petróleo será divido entre a francesa Total (20%), a anglo-holandesa Shell (20%) e as chinesas CNPC e CNOOC (10% cada). O consórcio pagará 41,65% do excedente de óleo bruto ao Estado brasileiro. Além disso, as empresas tiveram de depositar R$ 15 bilhões para poder participar do leilão.
Para Moraes, o fato de a Petrobras ficar com 40% do campo – 30% assegurados pelas regras do edital mais os 10% de participação no consórcio vencedor – não chega a acalmar os ânimos daqueles que defendiam a exploração exclusiva pela Petrobras como prestadora de serviço.
De acordo com ele, a FUP se debruçará detalhadamente sobre o edital e contratos em busca de alternativas jurídicas ainda cabíveis para anular a licitação. Outra ação será a de promover campanhas educativas para a população. "O brasileiro tem de passar a entender de petróleo e gás para não vir a ser lesado como foi hoje", disse.
 
Menos para a educação
O consultor da Câmara dos Deputados para Assuntos de Petróleo e Gás, Paulo César Ribeiro Lima, questionou os cálculos da ANP. De acordo com ele, com base no edital do leilão, a participação da União será muito menor que o anunciado, podendo chegar a 9,93% (de 41,65%) caso o valor do barril de petróleo despenque no mercado internacional e a produtividade da produção de Libra também seja reduzida.
Para ele, esse cenário não é tão improvável assim, uma vez que a produção mundial pode ser elevada principalmente pelo aumento da produção americana de Shale oil, categoria de óleo extraído do xisto betuminoso. Além do mais, o preço do barril já chegou a R$ 60,00 e a produção já caiu a menos de 4 mil barris diários.
"Pelas regras, a remuneração de 41,65% é calculada numa perspectiva de produção de 12 mil barris por dia, cada um no valor entre 100 e 120 dólares. Se ambos subirem, o percentual sobe para 45,56%. Mas se caírem, pode chegar a 9,93%", afirmou. "Quem perde com isso é a educação, que receberá 75% dos royalties, e a saúde, que ficará com 25%.". Os royalties correspondem a 15% do valor do barril.
Essa matemática, conforme Lima, chega a ser mais desfavorável ao país do que em um regime de concessão. "Por esse regime, Libra pagaria perto de 40% independente da produção e do preço do barril".
Conforme ele, as regras estabelecidas para o leilão de Libra são diferentes daquelas do regime de partilha de outros países. "Se Libra fosse na Noruega, o governo norueguês ficaria com mais de 60% da produção, e não as empresas; aqui não teve leilão, e sim um acordo entre a Petrobras, que é mais privada que estatal, com 53% de capital social estrangeiro, e as companhias multinacionais."
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, saiu em defesa do modelo e disse que o governo não pretende promover mudanças para os próximos leilões, que devem ocorrer apenas a partir de 2015. "Como nós estamos falando de grandes somas de investimentos, e também de grande capacidade tecnológica, isso limita um pouco a participação", disse. “[Outras empresas] não devem ter participado por questões estratégicas, ou têm outros investimentos a fazer, ou não cabia no portifólio, ou não julgaram interessante. Cada empresa é que deve dizer. Mesmo que seja um consórcio, mas ele foi um consórcio com várias empresas e é perfeitamente satisfatório.”
Coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, entende que o resultado do leilão não chegou a surpreender e ficou bem abaixo da necessidade de recursos para a educação. "Infelizmente o governo não conseguiu acertar um valor maior para o maior campo. Apesar da riqueza que ele trará, estimulando toda a cadeia produtiva do petróleo e gás, não podemos esquecer o retorno que deixaremos de obter", disse.
Para o conselheiro do Clube de Engenharia Paulo Metri, embora a União ganhe com os royalties que serão arrecadados com a licitação e produção do campo de Libra, perde porque a maioria (60%) dos lucros ficarão com as empresas estrangeiras. "Foram criadas regras que permitiram que o consórcio, e não a União, fique com a maior parte dos lucros."
Para Metri, o fato de a Petrobras ficar com 40% da participação só é positivo num panorama em que a estatal ficasse de fora. "Porém, é ruim quando a Petrobras poderia ter ficado 100%", disse, destacando o artigo 12 da Lei 12.351, de 2010, que permite à União contratar a petroleira nacional sem licitação em caso de preservação do interesse nacional e ao atendimento dos demais objetivos da política energética.
Além disso, conforme nota divulgada pela Petrobras, a estatal deverá desembolsar R$ 6 bilhões referente à sua participação no consórcio para o pagamento de um bônus de assinatura do contrato no valor de R$ 15 bilhões, que deverá ser pago em parcela única.
Foto: Fernando Frazão/ABr