sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Margarida Lacombe e Roberto Tardelli: STF atropelou Constituição para prender senador - Viomundo

Margarida Lacombe e Roberto Tardelli: STF atropelou Constituição para prender senador

publicado em 27 de novembro de 2015 às 15:34
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Margarida Lacombe, professora da UFRJ, no programa Em Pauta, da GloboNews,conforme reproduzido por Urariano Mota:
Por mais impactante que seja tudo isso, que de fato é, quando a gente escuta a gravação, a gente deve pensar por que essa decisão de hoje, do Supremo Tribunal Federal, chancelada pelo Senado Federal, pode provocar enquanto precedente pro nosso país?
A Constituição Federal, em termos da imunidade parlamentar, tratando-se de uma democracia, prevê que um parlamentar somente pode ser preso diante de flagrante delito ou de crime inafiançável. No meu modo de ver, eu acho que o Supremo Tribunal Federal pecou nesses dois requisitos, que são os únicos possíveis pra exceção, que é a questão da flagrância, do flagrante delito, ou da inafiançabilidade.
O ministro Teori Zavascki falou no estado de flagrância. Esse estado de flagrância é a fórmula que eles mais ou menos encontraram pra enfrentar essa questão. E tentar caracterizar esse ato todo, esse fato que a gravção transmite, como crime de organização criminosa, que eles entendem, a decisão do Supremo, que é um crime permanente.
Como de qualquer organização criminosa, ela seria composta por quatro ou mais pessoas, como diz a lei de 2013, que foi uma lei até criada depois do mensalão pra criar esse tipo de organização criminosa, que ali só se falava de quadrilha.
Então quatro ou mais pessoas que têm vontade em comum, os mesmos desígnios de vontade, e essa organização seria estruturada e organizada em termos com a básica de divisão de tarefas.
Então eles têm que juntar quatro ou mais pessoas, e aí foram buscar até… o Delcídio, o banqueiro, o advogado e o assessor, o chefe de gabinete, que era até uma figura, que eles dizem ali que tinha uma posição privilegiada.. enfim, pra compor esses quarto integrante, pra caracterizar a organização criminosa, e com isso poder desenvolver essa ideia de um estado de flagrância. Eu vejo isso muito complicado, em termos técnicos.
Como é que se pode sustentar esses estado de flagrância, apesar da gente ter visto que houve uma situação bastante específica dele estar ali arrumando, vendendo facilidades pra organizar, enfim, a delação premiada do Nestor Cerveró?
Então eu acho que o Supremo Tribunal Federal foi atingido na sua reputação, na medida em que os vídeos mostram que o Delcídio dizia que teria um acesso muito fácil aos ministros, cita o nome do próprio Teori Zavascki, como dizendo assim, ‘ah, eu já estive com ele, e também já estive com o Dias Toffoli”, sugerindo que já tinha havido algum tipo de facilidade, e o Supremo Tribunal Federal reagiu.
Eu acho que reagiu nos termos que a gente diz, decidiu com base em razões de segunda ordem. Ou seja, (mais) com uma estabilidade institucional, do que propriamente da matéria.
*****
O parlamentar no Brasil é protegido pelo art. 53, da Constituição, que traça um sistema de garantias, fundamental para funcionamento do regime democrático, ainda que se corram riscos calculados. Um deles está em que desde a expedição do Diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável (§ 2º). Isso é tão sagrado que essas garantias, assim como outras, subsistirão durante o estado de sítio só podendo ser suspensas mediante o voto de dois terços da Casa respectiva (§ 8º).
Por mais que o Ministro Relator tenha insistido que houve flagrante, disse-o valendo-se do argumento de autoridade, o mesmo capaz de impor pela força afirmar-se que o quadrado é redondo. Porém, ainda que tomássemos o exercício da autoridade, faltaria o segundo quesito, o da inafiançabilidade do crime. A prisão, tal como foi decretada, desrespeitou a Constituição.
Porém, mais grave ainda, é que os juízes, Ministros da Suprema Corte, que decretaram a prisão, estavam impedidos de fazê-lo pela singela razão de que foram vítimas das difamações provavelmente proferidas pelo Senador.
Nessa situação bizarra, a vítima julgou e mandou prender seu agressor, o que representa ofensa ao mais palmar dos princípios de direito, a imparcialidade do juiz. Imagine o amigo se o dono do carro que você amassou na rua fosse a mesma pessoa que julgasse a indenização que ele mesmo propôs; imagine se o juiz que julgasse a guarda dos filhos fosse também o pai em litígio… foi o que ocorreu: os Ministros, que se sentiram gravemente ofendidos julgaram o ofensor; resultado: cana; recuamos séculos e, obliquamente, tornamos privada a Justiça Pública.
Resumindo: não houve flagrante, o crime não era inafiançável e os juízes estavam impedidos. O mais preocupante é que não há juízes acima daqueles que o fizeram para corrigir o abuso. O Supremo, Guardião da Constituição, teve seu dia de desrespeitá-la explicitamente. Quem nos protege do vacilo do Guardião? Ninguém.
Quando um sistema de garantias se transforma em um sistema de conveniências, a democracia acaba indo para o ralo e todos os agentes públicos ficam com suas autonomias barateadas na ponta de iceberg que pretende afundar o Titanic da impunidade, mas que pode afundar toda a frota democrática, construída tão sofridamente.
Meu medo é que a euforia de hoje seja a ressaca de amanhã, quando pouco restará a ser feito. Por pior que seja o Senador, que ele seja julgado e eventualmente punido, com seus direitos assegurados, por mais odioso que ele seja, pior e mais odioso é jogar tudo para cima, relativizando garantias constitucionalmente asseguradas, é começar a destruir o que já temos de tão pouco: o Estado Democrático de Direito.
PS do Viomundo: Foi, claramente, uma decisão política, diante do conteúdo das gravações e da própria menção feita por Delcídio nelas a ministros do STF. E se houver, de fato, gravações de conversas entre o ex-líder do PT no Senado e gente do STF? Existindo, ficaremos na inusitada situação de ministros da mais alta Corte sujeitos a chantagem… Woody Allen não imaginaria este roteiro para o seu Bananas.
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