terça-feira, 10 de dezembro de 2013

SOBRE A ‘FORMA SUPERIOR DE LUTA’

SOBRE A ‘FORMA SUPERIOR DE LUTA’


Adital

Quando a vida social e política enfrenta encruzilhadas de caminhos, multiplicam-se

os debates; acontecem os fóruns, os encontros e as reuniões que buscam esclarecer

sobre o rumo dos movimentos. A Colômbia está vivendo um período desse tipo, onde se

abrem uma infinidade de espaços propícios para o intercâmbio, para a escuta e para a

aprendizagem.
Tradução: ADITAL


Na semana passada, realizou-se um encontro sobre a unidade da esquerda, convocado

por Le Monde Diplomatique e Desdeabajo (da Colombia); outro que foi organizado pela

Universidad de Bogotá, para debater sobre as resistências sociais na América Latina em

relação ao processo de paz; também foi realizada uma grande marcha contra a violência

às mulheres e feministas até acadêmicos, dirigentes políticos e um bom grupo composto

por jovens.

Em um dos encontros, o economista Héctor-León Moncayo mencionou a "ácida ironia”

vivida pela esquerda colombiana: "Nos anos 70, diziam aos que impulsionávamos a

luta nas ruas que havia uma forma superior de luta, que deveríamos incorporar, em

referência à luta armada. Agora, nos dizem, e essa é a ironia, que a forma superior de

luta são as eleições”. Certamente, o eixo dos debates atuais gira em torno a candidatos,

siglas partidárias, alianças e programas para atrair a vontade popular para com as urnas.

Escutamos argumentos similares em outros países. Por exemplo, na Argentina, onde vem

sendo debatida a necessidade de "fazer política”, insinuando que o trabalho territorial de

base é insuficiente para mudar o mundo porque é muito local e se deve participar em

eleições para potencializar esse trabalho de base. Isso é dito pelos que não abandonaram

as bases, mas que encontram enormes dificuldades para manter esses espaços.

Sobre o tema das formas "superiores” ou mais avançadas de luta, seria oportuno

mencionar quatro aspectos.

O primeiro é que sustentar que há formas "superiores”, como sustentávamos na

década dos 60 e dos 70, é como afirmar que há formas "inferiores”; e isso traz duas

consequências que não são positivas. Por um lado, quem se enquadra nas primeiras

tem mais autoridade para determinar o que é correto e adequado e o que não é,

simplesmente por estar na esfera "superior”. Por outro, tende a homogeneizar os modos

de fazer, o que costuma empobrecer o combate antissistêmico.

A diversidade de formas de ação costuma ter algumas vantagens. Talvez a mais notável

é que permite que setores muito amplos da sociedade envolvam-se em mobilizações

mesmo que não participem em movimentos; algo que só os militantes mais ou menos

convencidos e conscientes costumam fazer. Paralelamente, os diversos sujeitos que

integram o campo antissistêmico (mulheres, jovens, afrodescendentes, entre outros)

costumam sentir-se cômodos atuando de maneiras diferentes as de outros sujeitos.

Quero dizer que a diversidade de formas de luta facilita a incorporação de atores com

suas próprias características distintivas, sem que se sintam forçados a subordinar-se a

uma forma hegemônica de ação.

A segunda questão relaciona-se com os objetivos a largo prazo. Nas décadas dos anos 60

e 70, os que optavam pela luta armada pretendiam tomar o aparelho estatal e destruir

o capitalismo, para construir uma nova sociedade. Os que optavam pelas eleições

buscavam modificar o sistema por dentro, gradualmente, e, muitas vezes, tendiam a

inserir-se no mesmo. No entanto, essa divisão determinista entre reforma e revolução

não resiste à análise. Há organizações que apelaram às armas para ser reconhecidas pelo

Estado e opções eleitorais que realmente pretenderam mudar o mundo.

Em terceiro lugar, uma boa parte do debate atual gira em torno da conveniência ou

não de participar nas eleições. Nesse ponto, registra-se uma dupla argumentação:

estratégica ou de largo prazo, e tática ou sobre o mais adequado para fortalecer aqui

e agora o campo popular. Ante os limites que propõe o aprofundamento do trabalho

territorial urbano, no qual estão empenhados desde ‘piqueteros’ até sem teto e os mais

novos coletivos, como o Movimento Passe Livre, no Brasil, aparece a tentação de voltarse

ao terreno eleitoral para conseguir força adicional. Esse argumento não deve ser

subestimado quando é esgrimido por militantes comprometidos com sua realidade.

No Chile, o mesmo debate enfrenta aos protagonistas dos grandes protestos estudantis.

Os do ensino médio, agrupados na Asamblea Coordinadora de Estudiantes Secundarios e

outros muitos coletivos rechaçaram a participação eleitoral, enquanto que o Movimiento

de Pobladores en Lucha e outros coletivos apoiaram candidatos à presidência. Além

desses resultados, a metade da população preferiu não ir às urnas; porém, não seria

oportuno acusar aos que preferiram essa opção de falta de consciência política.

Por último, um novo enfoque modifica radicalmente o debate sobre as formas de luta.

Não é o mesmo eleger modos de ação para mudar esse mundo, do que para construir

um novo. Nesse caso, participar nas instituições –através das eleições ou de qualquer

outro mecanismo- só teria sentido se pudesse servir para neutralizar uma ofensiva

dos poderosos destinada a destruir o que está sendo construído. A opção armada é

necessária para defender esse outro mundo; porém, não para construí-lo.

Ao tratar-se de fazer um mundo novo, os modos de fazer multiplicam-se, com ênfase

especial na produção e na reprodução da vida, que acontecem tanto na terra e na

fábrica, quanto em casa. Esse caminho empreendido por muitos movimentos em nosso

continente coloca o debate em um lugar completamente novo: a reprodução, antes

considerada tarefa de mulheres, e os trabalhos coletivos, começam a ter um lugar

relevante e se incorporam ao acervo das formas de luta.

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