Decretos de natal
Adital
Fica decretado que, neste Natal, em vez de dar presentes, nos faremos presentes junto aos
famintos e excluídos, como propõe o papa Francisco. Papai Noel será malhado
como Judas e, lacradas as chaminés, abriremos corações e portas à chegada
salvífica do Menino Jesus.
Fica decretado que encantaremos as crianças de mistérios ao professar o
Deus que se fez homem entre nós. Não mais recorreremos ao velho barbudo de
sorriso ridículo, e sim aos relatos bíblicos que narram o mais singular de
todos os fatos históricos: em Belém, Deus se tornou humano para que possamos
nos tornar divinos.
Por trazer a muitos mais constrangimentos que alegrias, fica decretado
que o Natal não mais nos travestirá no que não somos: neste verão escaldante,
arrancaremos da árvore de Natal todos os algodões de falsas neves; trocaremos
nozes e castanhas por frutas tropicais; renas e trenós por carroças repletas de
alimentos não perecíveis; e se algum Papai Noel sobrar por aí, que apareça de
bermuda e sandália.
Fica decretado que, cartas de crianças, só as endereçadas ao Menino
Jesus, como a do meu sobrinho Lucas, de 6 anos, que escreveu a ele convencido
de que Caim e Abel não teriam brigado se dormissem em quartos separados; e
propôs ao Criador ninguém mais nascer nem morrer, e todos nós vivermos para
sempre.
Fica decretado que as crianças, em vez de brinquedos e bolas, pedirão
bênçãos e graças, abrindo seus corações para destinar aos pobres todo o
supérfluo que entulha armários e gavetas. A sobra de um é a necessidade de
outro, e quem reparte bens partilha Deus.
Fica decretado que, pelo menos um dia, desligaremos toda a parafernália
eletrônica, inclusive o telefone celular e, recolhidos à solidão e ao silêncio,
faremos uma viagem ao interior de nosso espírito, lá onde habita Aquele que,
distinto de nós, funda a nossa verdadeira identidade. Entregues à meditação,
fecharemos os olhos para ver melhor.
Fica decretado que, despidas de pudores, as famílias farão ao menos um
momento de oração, lerão um texto bíblico, agradecerão ao Pai de Amor o dom da
vida, as alegrias do ano que finda, e até dores que exacerbam a emoção sem que
se possa entender com a razão.
Fica decretado que arrancaremos a espada das mãos de Herodes e nenhuma
criança será mais condenada ao trabalho precoce, violentada, surrada ou
humilhada. Todas terão direito à ternura e à alegria, à saúde e à escola, ao
pão e à paz, ao sonho e à beleza.
Fica decretado que, nos locais de trabalho, as festas de fim de ano
terão o dobro de seu custo convertido em cestas básicas a famílias carentes. E
será considerado grave pecado abrir uma bebida de valor superior ao salário
mensal da pessoa que a serve.
Como Deus não tem religião, fica decretado que nenhum fiel considerará a
sua mais perfeita que a do outro, nem fará rastejar a sua língua, qual serpente
venenosa, nas trilhas da injúria e da perfídia. O Menino do presépio veio para
todos, indistintamente, e não há como professar que ele é "Pai Nosso” se o
pão também não for de todos, e não privilégio da minoria abastada.
Fica decretado que toda dieta reverterá em benefício de quem tem fome, e
que ninguém dará ao outro um presente embrulhado em bajulação ou mera
formalidade. O tempo gasto em fazer laços seja muito inferior ao dedicado a dar
abraços.
Fica decretado que as mesas de Natal estarão cobertas de afeto e,
dispostos a renascer com o Menino, trataremos de sepultar iras e invejas,
amarguras e ambições desmedidas, para que o nosso coração seja acolhedor como a
manjedoura de Belém.
Fica decretado que, como os reis magos, haveremos de reverenciar, com a
prática da justiça, aqueles que, como Maria e José, foram excluídos da cidade
e, como uma família sem terra e teto, obrigados a ocupar um pasto, onde brilhou
a esperança.
Frei Betto é escritor, autor de "Um homem chamado Jesus” (Rocco),
entre outros livros.
http://www.freibetto.org/ > twitter:@freibetto.
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