24.11.2014
Características do novo paradigma cosmológico
emergente
Adital
Muito se fala hoje de quebra de paradigmas. Mas há um grande paradigma, formulado
já há quase um século, que oferece uma leitura unificada do universo, da
história e da vida. Ousamos apresentar algumas figuras de pensamento que o
caracterizam.
1) Totalidade/diversidade: o universo,
o sistema Terra, os fenômenos humanos estão em evolução e são totalidades
orgânicas e dinâmicas construídas pelas redes de interconexões das múltiplas
diversidades. Junto com a análise que dissocia, simplifica e generaliza, faz-se
mister síntese pela qual fazemos justiça a esta totalidade. É o holismo, não
como soma, mas como a totalidade das diversidades organicamente interligadas.
2) Interdependência/re-ligação/autonomia
relativa: todos os seres
estão interligados pois um precisa do outro para existir e coevoluir. Em
razão deste fato há uma solidariedade
cósmica de base que impõe limites à seleção natural. Mas cada um goza de
autonomia relativa e possui sentido e valor em si mesmo.
3) Relação/campos de força: todos os seres vivem numa teia
de relações. Fora
da relação nada existe. Junto com os seres em si, importa captar a relação entre
eles. Tudo está dentro de campos pelos quais tudo tem a ver com tudo.
4) Complexidade/interioridade: tudo vem carregado de energias em diversos graus de intensidade e de interação. Matéria não existe. É energia altamente condensada e estabilizada e quando menos estabilizada como campo energético. Dada a interrelacionalidade entre todos, os seres vem dotados de informações cumulativas, especialmente os seres vivos superiores, portadores do código genético. Este fenômeno evolucionário vem mostrar a intencionalidade do universo apontando para uma interioridade, uma consciência supremamente complexa. Tal dinamismo faz com que o universo possa ser visto como uma totalidade inteligente e auto-organizante. Quanticamente o processo é indivisível mas se dá sempre dentro da cosmogênese como processo global de emergência de todos os seres. Esta compreensão permite colocar a questão de um fio condutor que atravessa a totalidade do processo cósmico que tudo unifica, que faz o caos ser generativo e a ordem sempre aberta a novas interações (estruturas dissipativas de Prigogine). A categoria Tao, Javé e Deus heuristicamente poderiam preencher este significado.
4) Complementariedade/reciprocidade/caos: toda a realidade se
dá sob a forma de partícula e onda, de energia e matéria, ordem e desordem,
caos e cosmos e, a nível humano, da forma de sapiens e de demens. Tal fato não
é um defeito, mas a marca do processo global. Mas são dimensões complementares.
5) Seta do tempo/entropia: tudo o que
existe, pre-existe e co-existe. Portanto a seta do tempo confere às relações um
caráter de irreversibilidade. Nada pode ser compreendido sem uma referência à
sua história relacional e ao seu percurso temporal. Ele está aberto para o
futuro. Por isso nenhum ser está pronto e acabado, mas está carregado de
potencialidades. A harmonia total é promessa futura e não celebração presente.
Como bem dizia o filósofo Ernst
Bloch: "o gênesis está no fim e não no começo”. A história
universal cái sob a seta termodinâmica do tempo, quer dizer: nos sistemas
fechados (os bens naturais limitados da Terra) deve-se tomar em conta a
entropia ao lado da evolução temporal. As energias vão se dissipando
inarredavelmente e ninguém pode nada contra elas. Mas o ser humano pode
prolongar as condições de sua vida e do planeta. Como um todo, o universo é um
sistema aberto que se auto-organiza e continuamente transcende para patamares
mais altos de vida e de ordem. Estes escapam da entropia (estruturas
dissipativas de Prigogine) e o abrem para a dimensão de Mistério de uma vida
sem entropia e absolutamente dinâmica.
6) Destino comum/pessoal: Pelo fato de
termos uma origem comum
e de estamos todos
interligados, todos
temos um destino comum num futuro sempre em aberto. É dentro dele que se deve situar
o destino pessoal e
de cada ser, já que em cada ser culmina o processo evolucionário. Como
será este futuro e qual seja o nosso destino terminal caem no âmbito do
Mistério e do imprevisível.
7) Bem com cósmico/bem comum particular: O bem comum não é apenas humano
mas de toda a comunidade
de vida, planetária
e cósmica. Tudo o
que existe e vive merece existir, viver e conviver. O bem comum particular
emerge a partir da sintonia com a dinâmica do bem comum universal.
8) Criatividade/destrutividade: O ser
humano, homem e mulher, no conjunto dos seres relacionados e das interações,
possui sua singularidade: é um ser estremamente complexo e co-criativo porque
intervem no ritmo da natureza. Como observador está sempre inter-agindo com
tudo o que está à sua volta e esta inter-ação faz colapsar a função de onda que
se solidifica em partícula material (princípio de indeterminabilidade de
Heisenberg). Ele entra na constituição do mundo assim como se apresenta, como realização
de probabilidades quânticas (partícula/onda). É também um ser ético porque pode
pesar os prós e os contras, agir para além da lógica do próprio interesse e em
favor do interesse dos seres mais débeis, como pode também agredir a natureza e
dizimar espécies (nova era do antropoceno).
9) Atitude
holístico-ecológica/antropocentrismo:
A atitude de abertura e de inclusão irrestrita propicia uma cosmovisão
radicalmente ecológica (de panrelacionalidade e re-ligação de tudo), superando o histórico antropocentrismo.
Favorece outrossim sermos cada vez mais singulares e ao mesmo tempo,
solidários, complementares e criadores. Destarte estamos em sinergia com o
inteiro universo, cujo termo final se oculta sob o véu do Mistério situado no
campo da impossibilidade humana.
10) O possível
se repete. O impossível
acontece: o Mistério.
Leonardo Boff
Doutorou-se
em teologia pela Universidade de Munique. Foi professor de teologia sistemática
e ecumênica com os Franciscanos em Petrópolis e depois professor de ética,
filosofia da religião e de ecologia filosófica na Universidade do Estado do Rio
de Janeiro.
Conta-se
entre um dos iniciadores da teologia da libertação. É assessor de movimentos
populares. Conhecido como professor e conferencista no país e no estrangeiro
nas áreas de teologia, filosofia, ética, espiritualidade e ecologia. Em 1985
foi condenado a um ano de silêncio obsequioso pelo ex-Santo Ofício, por suas
teses no livro Igreja: carisma e poder (Record).
A partir
dos anos 80 começou a aprofundar a questão ecológica como prolongamento da
teologia da libertação, pois não somente se deve ouvir o grito do oprimido, mas
também o grito da Terra porque ambos devem ser libertados. Em razão deste
compromisso participou da redação da Carta da Terra junto com M. Gorbachev, S.
Rockfeller e outros. Escreveu vários livros e foi agraciado com vários prêmios.
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