Quinta, 18 de dezembro de 2014
Crise
hídrica? A Sabesp vai muito bem, obrigado! Artigo de
Heitor Scalambrini Costa
A Sabesp, "mesmo com a tragédia anunciada, penalizando a
população, com os seus acionistas vai muito bem", escreve Heitor
Scalambrini Costa, professor da Universidade Federal
de Pernambuco, em artigo publicado por EcoDebate, 17-12-2014.
Eis o artigo.
O que acontece com o Estado de São Paulo na questão da
água é um exemplo do que pode acontecer em outros
estados e cidades brasileiras, segundo dados recentes publicados pela ANA (Agência Nacional de Águas).
Portanto, aprender e tirar lições deste episódio poderá ajudar gestores
públicos e a sociedade a não repetir os erros que foram cometidos, e conviver
melhor com uma situação que veio para ficar.
A crise hídrica, como ficou conhecida, não ocorreu por uma
única causa, ou por um único erro cometido, nem tampouco pela falta de chuvas –
mesmo considerando que esta
seca é uma das piores dos últimos 84 anos. Na verdade foi um conjunto de fatores que
levou a maior cidade brasileira, sua região metropolitana e várias cidades
importantes do interior do Estado a sofrerem o desabastecimento de água.
A Sabesp (Companhia de Saneamento Básico
do Estado de São Paulo), empresa que administra a coleta, o tratamento,
a distribuição de água, e também o tratamento dos esgotos, é uma das maiores empresas de
saneamento do mundo,
e uma das mais preparadas do Brasil – com um corpo técnico altamente
qualificado, e dispondo de uma boa infraestrutura. Assim pode-se afirmar sem dúvida que a
causa principal de tamanha incompetência foi a sua administração voltada ao mercado,
voltada ao lucro,
que trata a água, um bem essencial à vida, como uma mera mercadoria.
Em 1994, a Sabesp se tornou uma empresa de capital misto, com a
justificativa de que vendendo parte de suas ações conseguiria mais recursos
financeiros para investir nos sistemas de abastecimento de água e de saneamento.
Depois de 20 anos, o controle acionário se encontra nas mãos do Estado, que detém 50,3% das
ações (metade negociada na BMF/ Bovespa, e a outra metade na Bolsa de
NY), ficando os 49,7%
restantes com investidores brasileiros (25,5%) e estrangeiros (24,2%).
A Sabesp é a empresa outorgada para utilizar e gerir o Sistema
Alto Tietê, Guarapiranga e Cantareira, destinando em tempos
normais 33 m³/s para Região Metropolitana de SP. Com a persistência da falta de
chuvas e clima adverso, foi obrigada a reduzir pela metade a captação (pouco
mais de 16 m³/s), apesar de fazê-lo tardiamente. Assim, o que era considerado
um risco remoto tornou-se uma grande incerteza. A situação chegou a um ponto
tal de dramaticidade que foi
perdido o controle do sistema hídrico e, agora, além da
captação do volume morto dos reservatórios, em curto prazo, a população fica na
dependência das chuvas.
Em 2012, em documento elaborado pela própria Sabesp para a Comissão
de Valores dos EUA, era admitido que pudesse ocorrer diminuição das
receitas da empresa, devido a condições climáticas adversas. Assim sendo seria
obrigada a captar água de
outras fontes para suprir a demanda de seus usuários. Portanto, se conhecia e se antevia uma situação que acabou acontecendo. Porém
nada foi feito pela Sabesp para diminuir este risco previsível.
Por outro lado, a gestão da crise não visou resolver os problemas da população, mas
sim apenas amenizar a responsabilidade da própria Sabesp, blindando o
governo do Estado, cujo mandatário estava em plena campanha eleitoral para sua
reeleição. Em nenhum
momento a gestão da Sabesp ou o governo do Estado admitiram a gravidade
da situação. Muito
menos a necessidade do racionamento, da diminuição da vazão, sendo ainda
negadas pelas autoridades paulistas as interrupções que se tornaram cada vez
mais constantes no fornecimento da água. Por isso, o que mais abalou a
credibilidade do governo foi a divulgação pela imprensa de uma gravação onde a
presidente da Sabesp admitia que uma “orientação superior” impediu, durante a campanha eleitoral,
que a empresa tornasse pública a real situação hídrica do Estado.
Todavia, mesmo com a tragédia anunciada, penalizando a população, a
empresa e seus acionistas vão muito bem. Basta acompanhar os lucros extraordinários
nos relatórios de administração dos últimos anos, que geraram dividendos generosos para os acionistas da Sabesp, ao passo que o investimento necessário não
acompanhou a mesma intensidade
dos lucros obtidos pela empresa.
Esta situação por que passa a população paulista e paulistana poderá se
estender a outras regiões do país nos próximos anos, caso persistam a má gestão, o desperdício e a devastação de nossas florestas.
É um alerta à questão da privatização dos nossos bens naturais, em particular
da gestão da água, do seu controle e distribuição. Daí a premente e essencial
participação da sociedade nas políticas públicas para que a gestão das águas
alcance resultados positivos, e não simplesmente siga a lógica da maximização
dos lucros.
Para ler mais:
·
03/12/2014 - Ameaça global:
Crise hídrica em São Paulo serve de alerta para muitas outras metrópoles
·
18/11/2014 - Crise hídrica de
São Paulo passa pelo agronegócio, desperdício e privatização da água
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