sábado, 26 de dezembro de 2015

Ao pobres, nem caridade. Que dirá justiça - Fernando Brito para Tijolaço

Ao pobres, nem caridade. Que dirá justiça

sorvetea
Um sorvete. Nada mais que um sorvete.
Bastou. Os pobres, os negros, são moscas.
Devem ser espantados para longe, deixando tudo limpo.
Ouviram falar de “limpeza étnica”? Em judeus? Em guetos?
Não importa que seja uma criança.
Não importa nem mesmo que seja Natal.
O relato, que está se espalhando na rede, do advogado Breno Melaragno Costa no Facebook é cortante.
Leia, por favor, e faça uma ideia do que é parte dos que se consideram bons, especiais, melhores que os outros.
E que são piores, piores que qualquer delírio de maldade possa imaginar.
Surreal! Estava agora há pouco com meus filhos numa sorveteria na Ataulfo de Paiva, no final do Leblon.
Quando estávamos já terminando os nossos sorvetes, apareceu um menino negro e pobre vendendo balas.
Depois de não conseguir vender sequer uma bala para nenhuma pessoa que lá estava – inclusive eu – ele voltou a mim e me pediu “o senhor compraria um sorvete pra mim”. Eu, meus dois filhos e a babá já terminando os nossos deliciosos sorvetes e uma criança, trabalhando, negra, pobre e provavelmente moradora de favela me pedindo um mísero sorvete.
Claro que respondi que sim! Perguntei a ele o sabor e fomos até a caixa.
Logo após comprar o sorvete para aquela criança, uma senhora, de boa aparência, se vira pra mim e educadamente me pergunta: “o senhor é morador do Leblon?”. Respondi que sim e fiquei tentando reconhecer quem seria aquela senhora, uma ex-vizinha, uma ex-professora, etc. Poderia esperar qualquer coisa menos a frase que veio logo a seguir: “porque com o senhor fazendo isso, aí é que esta gente não vai embora daqui mesmo”. Isto na frente daquela pobre criança, que naturalmente não esboçou qualquer reação. Deve infelizmente estar acostumada a ser tratada como um ser humano inferior.
Estupefato, estampei um sorriso no rosto como forma de autocontrole e, educadamente, não resisti: “a senhora agora vai me mandar pra Cuba?”. No que ela respondeu, ainda para piorar, apontando para a criança: “é este tipo de gente que estraga o nosso bairro”. Não tive coragem de olhar para o rosto daquela criança. Sorri novamente e disse “quem estraga o nosso bairro é parte dos próprios moradores que infelizmente pensam como a senhora”.
Hoje é dia 23 de dezembro e provavelmente esta senhora estará amanhã à noite em família “pregando o bem”.
Nasci, cresci e sempre vivi no Leblon. Sei muito bem como parte dos moradores pensam, mas jamais havia presenciado cena desta natureza.
Independente de concepções, de opiniões políticas ideológicas, partidárias, etc, a crueldade da atitude daquela senhora foi explícita, pública, dita em alto e bom som, sem qualquer pudor, eivada de ódio daquela pobre criança.
Vivo criticando a esquerda por uma aparente vulgarização do termo “fascista”, por inúmeros motivos que aqui não cabem. Mas é fato que nossa elite nestes últimos tempos de excesso de opiniões raivosas e superficiais em detrimento de um mínimo de conhecimento e reflexão, se aproxima cada vez mais de um caminho irracional e suicida.
Poucos, muito poucos, lucram com isso e certamente não é o(a) morador(a) do Leblon, que se ilude em viver num principado isolado do resto da cidade e do país. Enquanto isso vou lendo o livro da Marcia Tiburi (Como conversar com um fascista) por prazer e por necessidade (rs) e vou fazendo votos para que 2016 seja pelo menos um pouco diferente…
Para quem não conhece a professora Tiburi, um video onde ela fala sobre o tema.

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