16 de junho de 2015
Ignácio Ramonet: A nova geopolítica do petróleo
"Desde que os
Estados Unidos deixaram de ser autossuficientes, no final dos anos 1940,
o controle das principais
zonas de produção
de hidrocarbonetos converteu-se em “obsessão estratégica” norte-americana.
O que explica parcialmente a “diplomacia dos golpes de Estado” de Washington,
especialmente no Oriente Médio e na América Latina" escreve Ignácio
Ramonet, jornalista, editor do Le Monde Diplomatique, em artigo
publicado no sítio Outras Palavras, 14-06-2015.
Eis o artigo.
Para ameaçar China e manter hegemonia, Washington desejava recuperar
autossuficiência e afastar-se do Oriente Médio. Faltou combinar com a Arábia
Saudita.
Em que contexto geral
desenha-se uma nova geopolítica do petróleo? O país hegemônico, os Estados Unidos, considera a China como a única potência contemporânea capaz, a médio
prazo (na segunda metade do século XXI), de rivalizar com ele e de ameaçar sua hegemonia
solitária em nível mundial. Por isso, Washington estabeleceu
secretamente, desde o princípio dos anos 2000, uma “desconfiança estratégica” com relação a Pequim.
O presidente Barack Obama decidiu reorientar a política exterior
norte-americana considerando como critério principal esse parâmetro. Os Estados
Unidos não querem encontrar-se de novo na humilhante situação da Guerra Fria
(1948-1989), quando
tiveram de compartilhar sua hegemonia mundial com outra “superpotência”,
a União Soviética. Os conselheiros de Obama formularam essa teoria da seguinte
maneira: “Um só planeta,
uma só superpotência”.
Em consequência, Washington
não deixa de ampliar suas forças e bases militares na Ásia Oriental para tentar
“conter” a China.
Pequim já constata o bloqueio de sua capacidade de expansão marítima por meio
de múltiplos “conflitos de ilhotas” com a Coreia do Sul, Taiwan, Japão, Vietnã,
Filipinas… E pela poderosa presença da VIIª frota dos Estados Unidos.
Paralelamente, a diplomacia norte-americana reforça suas relações com todos os
Estados que possuem fronteiras terrestres com a China (exceto a Rússia). O que
explica a recente e espetacular aproximação de Washington com o Vietnã e
com a Birmânia.
Esta política de atenção prioritária ao Extremo Oriente e de
contenção da China só será possível se os Estados Unidos conseguirem afastar-se
do Oriente Médio. Neste cenário estratégico, Washington intervém
tradicionalmente em três esferas. Em primeiro lugar, no âmbito militar. Os EUA encontram-se imersos em
vários conflitos, especialmente no Afeganistão contra os talibãs e no Iraque-Síria contra a Organização
do Estado Islâmico.
Em segundo lugar, no âmbito da diplomacia, em particular com a República
Islâmica do Irã, com o objetivo de limitar sua expansão ideológica e
impedir o acesso de Teerã à força nuclear. E, em terceiro lugar, no âmbito da solidariedade,
especialmente no que diz respeito
a Israel, para quem os Estados Unidos continuam sendo uma espécie de
“protetores em última instância”.
Esta “sob reimplicação” direta de Washington no Oriente Médio
(particularmente depois da Guerra do Golfo em 1991) mostrou os “limites da potência
norte-americana”, que
não pode ganhar realmente nenhum dos conflitos nos quais se envolveu fortemente
(Iraque, Afeganistão). Conflitos que tiveram, para os cofres de Washington, um custo astronômico e consequências desastrosas,
inclusive para o sistema financeiro internacional.
Atualmente, a Casa Branca tem
claro que os Estados Unidos não podem realizar simultaneamente duas grandes
guerras de alcance mundial. Portanto, a alternativa é a
seguinte: ou os Estados Unidos continuam envolvendo-se no “pantanal” do Oriente Médio, em
conflitos típicos do século XIX; ou se concentram na urgente contenção da China, cujo impulso
fulgurante poderia anunciar, a médio prazo, a decadência dos Estados Unidos.
A decisão de Barack
Obama é óbvia: deve fazer frente ao segundo desafio, pois este será decisivo para o futuro dos Estados Unidos no século XXI.
Em consequência,
Washington deve retirar-se progressivamente – porém imperativamente – do
Oriente Médio.
Aqui se coloca uma pergunta: por que os Estados Unidos envolveram-se
tanto no Oriente Médio, a ponto de descuidar do resto do mundo, desde o fim da
Guerra Fria? Para esta pergunta, a resposta pode limitar-se a uma palavra: petróleo.
Desde que os Estados Unidos deixaram de ser autossuficientes, no
final dos anos 1940, o controle das principais zonas de produção de
hidrocarbonetos converteu-se em “obsessão estratégica” norte-americana. O que
explica parcialmente a “diplomacia dos golpes de Estado” de Washington,
especialmente no Oriente Médio e na América Latina.
No Oriente Médio, nos anos 1950, à medida em que o velho Império
Britânico retirava-se e se reduzia a seu arquipélago inicial, o império norte-americano
substituía-o. Para isso, colocou à frente dos países desta região seus
“homens”, sobretudo na Arábia Saudita e Irã, principais produtores de
petróleo do mundo – junto com a Venezuela, na época já sob controle
norte-americano.
Até há pouco, a dependência de Washington em relação ao petróleo e ao
gás do Oriente Médio impediu-lhe considerar a possibilidade de se retirar da
região. Que mudou então, para que os Estados Unidos pensem agora em fazê-lo? O
petróleo e o gás de xisto, cuja produção, por meio do método conhecido por
“fracking”, aumentou significativamente no início dos anos 2000. Isso modificou
todos os parâmetros. A exploração deste tipo de hidrocarbonetos (cujo custo é
mais elevado que o do petróleo “tradicional”) foi favorecida pelo importante
aumento do preço do combustível que, em média, superou os 100 dólares por
barril entre 2010 e 2013.
Atualmente, os Estados Unidos
recuperaram a autossuficiência energética e estão,
inclusive, convertendo-se de novo em importante exportador de petróleo. Portanto, já podem
considerar, por fim, a possibilidade
de se retirar do Oriente Médio, com a condição de garantir rapidamente a cicatrização de
algumas feridas que, em alguns casos, datam de mais de um século.
Por esta razão, Obama retirou a quase totalidade das
tropas norte-americanas do Iraque e Afeganistão. Os EUA participaram
muito discretamente nos bombardeios da Líbia e negaram-se a intervir contra as
autoridades de Damasco, na Síria. Por outro lado, Washington busca, em marcha
forçada, um acordo como Teerã sobre a questão nuclear, e pressiona Israel para
que seu governo caminhe urgentemente a um acordo com os palestinos. Em todos
estes movimentos, percebe-se o desejo de Washington de fechar as frentes de
guerra no Oriente Médio, para esquecer os pesadelos lá vividos e passar a
outro cenário, muito mais importante.
Tudo isso se desenvolvia perfeitamente enquanto os preços do petróleo
permaneciam altos, cerca de 100 dólares o barril. O preço de exploração do
barril de petróleo de xisto, por “fracking” é de aproximadamente US$ 60, o que
deixa aos produtores uma margem considerável (entre US$ 30 e 40 o barril).
É aqui que a Arábia Saudita decidiu intervir. Riad opõe-se
a que os Estados Unidos retirem-se do Oriente Médio. Sobretudo se Washington
estabelecer antes, com Teerã, um acordo sobre a questão nucelar, que os
sauditas consideram muito favorável ao Irã. Além disso, segundo a monarquia
wahabita, isso exporia os sauditas, e os sunitas em geral, a se converter em
vítimas do que chamam de “expansionismo xiita”. É preciso ter em conta que as
principais jazidas de petróleo sauditas encontram-se em zonas de população
xiita.
Considerando que dispõe das segundas reservas mundiais de petróleo, a Arábia Saudita [e, de
longe, as mais facilmente exploráveis (nota da tradução)], decidiu usar o combustível para
sabotar a estratégia norte-americana. Opondo-se às consignas da Organização dos Países Exportadores de
Petróleo (OPEP), Riad decidiu, contra toda lógica comercial
aparente, aumentar de modo
considerável sua produção e provocar, deste modo, a baixa dos preços do
petróleo, inundando
o mercado de combustível barato. A estratégia deu rapidamente
resultados. Em pouco tempo, os preços do petróleo baixaram cerca de 50%. O
preço do barril caiu a US$ 40 (antes de subir ligeiramente, aos cerca de US$
55-60 atuais).
Esta política assestou um duro golpe contra o “fracking”. A maioria dos
grandes produtores norte-americanos de gás de xisto está atualmente em
crise, endividada e corre risco de quebrar (o que implica uma ameaça para o
sistema bancário norte-americano que havia oferecido créditos abundantes aos
neopetroleiros). A US$ 40 o barril, o xisto já não é rentável. Nem boa parte
das escavações profundas “offshore”. Diversas empresas petroleiras importantes já anunciaram que cessarão
suas exportações em alto mar porque não são rentáveis – o que provoca a perda
de dezenas de milhares de empregos[1].
Nos últimos meses, uma vez mais, o petróleo tornou-se menos abundante. Os preços subiram levemente.
Mas as reservas da Arábia
Saudita são suficientemente grandes para que Riad regule o
fluxo e ajuste sua produção de maneira que permita um ligeiro aumento do preço
(até 60 dólares aproximadamente), mas sem superar os limites que permitiriam
retomar a produção por meio de “fracking” ou na maior parte das jazidas
marítimas de grande profundidade. Deste modo, Riad converteu-se no
árbitro absoluto em matéria de preço do petróleo (um parâmetro decisivo para as
economias de países, entre os quais Argélia, Venezuela, Nigéria, México,
Indonésia etc).
Estas novas circunstâncias obrigam Barack Obama a reconsiderar
seus planos. A crise do “fracking” poderia representar o fim da
autossuficiência de energia fóssil nos Estados Unidos. E, portanto, a volta à
dependência em relação ao Oriente Médio (e também à Venezuela, por exemplo).
Por enquanto, Riad parece ter ganhado a aposta. Até quando?
Nota:
[1] Esta consideração não abrange as reservas de petróleo do pré-sal
brasileiro. Lá, as jazidas estão localizadas a enorme profundidade (as sondas
precisam ultrapassar entre 120 e 2.200 metros de lâmina d’água, para depois
perfurar entre 1.900 e 5.300 metros abaixo do fundo do mar); porém, o volume e
concentração do petróleo permitem extração a cerca de 50 dólares por barril,
incluídos os custos de operação e a transferência de recursos ao Estado
brasileiro. Por isso, a intensa disputa pelo futuro das reservas. Ler, a este
respeito, em Outras Palavras, “Petróleo: a virada nos preços globais e o pré-sal”, de André
Ghirardi. (Nota do editor)
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