16 de maio de 2015
A crise
atual deve ter alguma saída. Artigo de Leonardo Boff
"Não sairemos da crise nem desfaremos os conchavos revanchistas e
golpistas sem uma reforma política, tributária e agrária. Caso contrário a
democracia será manca e caolha", escreve Leonardo
Boff, filósofo, teólogo e escritor.
Eis o artigo.
A crise política e econômica atual
cria a oportunidade de fazermos realmente mudanças profundas como a reforma política, tributária e agrária.
Para termos a embocadura correta, importa considerar alguns pontos prévios.
Em primeiro lugar, cabe situar nossa crise dentro da crise maior da
humanidade como um todo. Não vê-la dentro deste embricamento é
estar fora do atual curso da história. Pensar a crise brasileira fora da crise
mundial não é pensar a crise brasileira. Somos momento de um todo maior. No nosso caso, não
escapa ao olhar cupisoso dos países centrais e das grandes corporações qual
será o destino da 7ª
economia mundial onde se concentra o principal da economia do futuro
de base ecológica: a abundância
de água doce, as
grandes florestas úmidas, a imensa biodiversidade e os 600 milhões de hectares
agricultáveis. Não é do interesse da estratégia imperial que haja no Atlântico
Sul uma nação continental como o Brasil que não se alinhe aos interesses
globais e, ao invés, procure um caminho soberano rumo ao seu próprio desenvolvimento.
Em segundo lugar, a atual crise brasileira tem
um transfundo histórico que jamais pode ser esquecido,
atestado por nossos historiadores maiores: nunca houve uma forma de governo que desse atenção
adequada às grandes maiorias, descendentes de escravos, de indígenas e de populações empobrecidas. Eram vistos como jecas-tatus
e joãos-ninguém. O Estado, apropriado desde o início de nossa história pelas
classes proprietárias, não estava apetrechado para atender às suas demandas.
Em terceiro
lugar, há que se reconhecer que, como fruto de uma penosa e
sangrenta história de lutas e superação de obstáculos de toda ordem, se constituiu
uma outra base social para o poder político que agora ocupa o Estado
e seus aparelhos. De um
Estado elitista e neoliberal se transitou para um Estado republicano e
social que, no meio dos maiores constrangimentos e concessões às forças
dominantes nacionais e internacionais, conseguiu colocar no centro quem estava
sempre na margem. É de magnitude histórica inegável, o fato de o Governo do PT ter tirado da
miséria 36 milhões
de pessoas e dar-lhe acesso aos bens fundamentais da vida. O que querem
os humildes da Terra? ver garantido o acesso aos bens mínimos que lhes possam
fazer viver. A isso servem a Bolsa Família, Minha Casa Minha vida,
Luz para todos e outras políticas sociais e culturais sem as quais os
pobres jamais poderiam ser advogados, médicos, engenheiros, pedagogos etc.
Qualifiquem como quiserem estas medidas, mas elas foram boas para a
imensa maioria do povo brasileiro. Não é a primeira missão ética do Estado de
direito a de garantir a vida de seus cidadãos? Por que os governos anteriores,
de séculos, não tomaram essas iniciativas antes? Foi preciso esperar um
presidente-operário para fazer tudo isso? O PT e seus aliados conseguiram
essa façanha histórica, não sem fortes oposições por parte daqueles que outrora
desprezaram, “os considerados zeros econômicos”, como o mostraram Darcy
Ribeiro, Capistrano de Abreu, José Honório Rodrigues, Raymundo
Faoro e ultimamente Luiz Gonzaga de Souza Lima e hoje continuam
ainda a desprezá-los.
Alguns extratos das altas classes privilegiadas têm vergonha deles e os
odeiam. Há ódio de classe
sim, neste pais, além da indignação e da raiva compreensíveis, provocadas pelos escândalos de
corrupção havidos no governo hegemonizado pelo PT. Estas elites velhistas com seus
meios de comunicação altamente marcados pela ideologia reacionária e de
direita, apoiados pela velha oligarquia, diferente da moderna mais aberta
e nacionalista, que em parte apoia o projeto do PT, nunca aceitaram um governo
de cariz popular. Fazem de tudo para inviabilizá-lo e para isso se servam de
distorções, difamações e mentiras, sem qualquer pudor.
Duas estratégias se desenham pela direita que conseguiu se articular
para voltar ao poder central que perdeu pelo voto mas que ainda não se
conformou:
A primeira é manter na sociedade uma situação de permanente crise
política para com isso impedir que a Presidenta Dilma governe. Para
isso se orquestram passeatas pelas ruas, fazendo como que um convescote, os
panelaços com panelas cheias pois nunca souberam o que é uma panela vazia, ou
então, de forma deseducada e grosseira vaiar sistematicamente a Presidenta em
suas aparições públicas.
A segunda consiste num processo de desmontagem do governo do PT,
caluniando-o como incompetente e ineficaz e desconstruir a liderança do ex-presidente
Lula com difamações, distorções e mentiras diretas, que quando
desmascaradas, não são desmentidas. Com isso pretendem impedir sua candidatura
em 2018 e sua reeleição.
Esse tipo de
procedimento apenas revela que democracia que ainda temos, é de baixíssima
intensidade. Os atos recentes, provocadores e cheios de espírito de
vingança dos presidentes das duas casas, ambos do PMDB, confirmam o que o
sociólogo da UNB, Pedro Demo, escreveu em sua Introdução
à sociologia (2002): ”Nossa democracia é encenação nacional de hipocrisia refinada, repleta de leis “bonitas”,
mas feitas sempre, em última instância, pela elite dominante para que a ela sirva
do começo até o fim. Político é
gente que se caracteriza por ganhar bem, trabalhar pouco, fazer negociatas,
empregar parentes e apaniquados, enriquecer-se às custas dos cofres públicos e
entrar no mercado por cima… Se ligássemos democracia com justiça social, nossa
democracia seria sua própria negação”(p.330.333).
Não sairemos desta crise nem desfaremos os conchavos revanchistas e
golpistas sem uma reforma
política, tributária
e agrária. Caso contrário a democracia será
manca e caolha
Nenhum comentário:
Postar um comentário