Sexta, 30 de janeiro de 2015
Crise: especialistas defendem racionamento e reúso e esperam honestidade de
Alckmin
Diante da crise, é hora de transparência na gestão hídrica e redução do consumo por meio do
racionamento e incentivo a
programas comunitários.
A reportagem é de Cida de Oliveira e publicada por Rede Brasil
Atual – RBA, 28-01-2015.
Assim como os prefeitos de 30 municípios paulistas atendidos pela Sabesp que
estiveram reunidos na
manhã de hoje (28)
com o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), para
discutir o enfrentamento da crise, ambientalistas e especialistas exigem medidas enérgicas e
imediatas do governador Geraldo Alckmin (PSDB).
A primeira delas é a transparência
do governo com relação à situação dos reservatórios, que já afeta seriamente o
abastecimento principalmente na região metropolitana de São Paulo. A sonegação de informações,
aliás, motivou uma manifestação
da Proteste Associação Brasileira de Defesa do Consumidor na última
segunda-feira (25).
"Falta uma posição republicana para assumir que houve erros na
avaliação da crise e que o jeito é economizar. É um estado quase de penúria.
Obras como para trazer água do rio São Lourenço", avalia o coordenador do
programa de pós-graduação em Engenharia Civil do campus Ilha Solteira da
Universidade Estadual Paulista (Unesp), Jefferson Nascimento de Oliveira.
De acordo com a Sabesp, o Sistema Produtor São Lourenço vai retirar água
da Cachoeira do França, em Ibiúna, e percorrerá 83 quilômetros para abastecer
uma população de 1,5 milhão de pessoas nos municípios de Barueri, Carapicuíba,
Cotia, Itapevi, Jandira e Vargem Grande Paulista, no extremo oeste da capital
paulista.
Lembrando que há regiões em que a água já não chega à noite, ele defende
um racionamento que leve em conta não apenas a redução do consumo, mas que garanta prioridade no abastecimento
de creches, escolas, hospitais e presídios. "Além disso, é preciso o uso
racional da água, com o reúso principalmente para grandes consumidores, como as
empresas.
"Temos de ser intransigentes com o desperdício. Já pararam para pensar em quantos
copos de água são gastos para lavar apenas um?", questiona.
O professor da Unesp, que preside a Câmara Técnica de Ciência e
Tecnologia do Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH), aponta
ainda a necessidade de conter o desperdício por meio de equipamentos e produtos
que utilizem menos água tanto em seu processo de fabricação como também durante
sua operação. É o caso de torneiras, chuveiros, máquinas de lavar roupas e
louças, entre outros, que passariam a receber um selo de garantia para auxiliar
o consumidor na hora da compra.
Para a coordenadora da Rede das Águas, vinculada à Fundação SOS
Mata Atlântica, Malu Ribeiro, a população tem o direito de conhecer a extensão do problema e as
autoridades têm o dever de informar. "O momento não é de alarmismo,
mas falta em nossas autoridades a postura do prefeito de Nova York, Bill de
Blasio, que recomendou nesta semana aos moradores da cidade que se
preparassem para a nevasca que estava prevista", diz. Embora as previsões
não tenham se confirmado, a pessoas foram prevenidas.
Malu defende ainda a adoção de alternativas simples,
comunitárias, como a construção
de cisternas. "É preciso educar a população para construir esses
reservatórios, como já se fez no semi-árido, a desinfectar e filtrar a água. Mas não se fala nisso. As pessoas pensam: 'Se a água
acabar na torneira, eu compro'. Há uma corrida enorme pela perfuração de
poços, o que pode
rebaixar o lençol freático, e pela compra exagerada de caixas de água."
De acordo com Malu, a população entende que é responsabilidade do
executivo estadual a gestão da água e da crise hídrica. "Porém, a população se sentiu
tranquilizada pelo governador, que negava racionamento. Essa confiança foi importante,
porém deixou a todos na zona de conforto e sem respostas. Não sabemos
quando vai acabar, quando vão encher as represas. Nossos gestores, e o próprio governador, têm a obrigação
agora de acalmar a população. As pessoas estão entrando em pânico."
A coordenadora lembrou a situação de Itu, pacata cidade a 102
quilômetros da capital paulista, na qual a população, sem água por praticamente
20 dias, saiu às ruas, queimou ônibus e chegou a sequestrar caminhão-pipa.
"Naquela região toda, de Campinas a Sorocaba, continuaram sendo aprovados
novos empreendimentos imobiliários apesar da crise nas bacias dos rios que
abastecem a região. Não houve investimento em reservatórios, na preservação de
mananciais. A tendência agora é o esgotamento do suporte hídrico dessas
regiões", disse, ressaltando que os vilões da história não são nem os
agricultores e nem a população urbana, e sim o descaso com o saneamento e a
falta de investimentos.
De acordo com Malu, o envolvimento da população é fundamental.
"Se a sociedade tivesse pautado, a questão da água estaria mais presente.
Não existe demanda política por geração espontânea". E completa:
"Nossos rios estão contaminados; vamos ter de tomar muito da própria urina
como se faz em muitos países, e temos de prestar mais atenção, exigir laudos,
medidas urgentes e tomar cuidado com obras. Não adianta fazer reservatórios
agora porque não tem água para encher".
Palavra proibida
Pelo jeito, o termo
racionamento é uma palavra proibida para o governador. Ontem, em Suzano,
Alckmin falou sobre a importância da obra, concluída em pouco mais de
dois meses, que deve dobrar o volume de água armazenado nesse sistema que
abastece parte da zona leste da capital e os municípios de Arujá, Ferraz de
Vasconcelos, Itaquaquecetuba, Poá e Suzano, além de parte de Mauá, Mogi das
Cruzes e Santo André. Atualmente 500 litros por segundo de água são
transferidos para a Grande São Paulo. "A Sabesp tem uma equipe muito
preparada e conseguiu fazer esse trabalho em tempo recorde", disse Alckmin.
Coube ao diretor regional da Sabesp, Paulo Massato Yoshimoto,
comunicar a medida impopular do racionamento, que pode ser de dois dias de abastecimento
intercalados por cinco dias sem água. Alckmin nunca admitiu falar
em racionamento.
Em agosto do ano passado, na abertura de uma série de entrevistas do
jornal O Estado de S. Paulo com candidatos ao governo estadual, Alckmin
– que venceria com 57,31% dos votos no primeiro turno – foi enfático ao negar o
racionamento, questionado por um dos repórteres: "Eu sou contra. Por
motivos técnicos e sociais". E afirmou: "Dentro da crise, estamos
fazendo milagre". Perguntado sobre a possibilidade de as chuvas não
caírem, insistiu com tranquilidade: "Não há racionamento e a Sabesp está preparada".
O especialista em gerenciamento de recursos hídricos e recuperação de
reservatórios José Galizia Tundisi, do Instituto Internacional de
Ecologia, de São Carlos (SP), ressaltou que a atual crise hídrica traz graves consequências em todas
as áreas e atividades da sociedade. E defendeu a imediata estruturação e implementação de plano
de contingência e
emergência, contemplando medidas e ações emergenciais que atinjam a
todos os usuários da maneira mais uniforme possível. "Deve ser assegurado ao público o
direito de livre acesso à informação integral e atualizada", disse.
Tundisi defendeu ainda o planejamento para a
gestão e enfrentamento de eventos extremos (períodos de secas e enchentes) para
reduzir os impactos. Segundo ele, a seca de 2014 revelou a necessidade de um "plano B"
para São Paulo. "É preciso acelerar as obras do São Lourenço, reduzir a
demanda por abastecimento, por meio do racionamento, diminuir as perdas nas
redes da Sabesp e fazer campanhas educativas para reduzir o desperdício."
Nenhum comentário:
Postar um comentário