A comoção popular e as eleições no Brasil
Márcia D`Angelo
segunda -feira 18/08/2014
É deveras interessante e não surpreendente o papel que a mídia tem na formação da cultura brasileira. Os grandes meios de comunicação, fiéis representantes do grande capital nacional e internacional transformam em notícias espetaculares, intermitentes e verdadeiros bombardeios ideológicos até as tragédias ocorridas no país de forma que suas verdadeiras intenções ficam camufladas. O desastre aéreo que provocou a morte da comitiva do candidato à presidência da República Eduardo Campos (PSB) e do próprio, foi assunto recorrente durante vários dias e hoje já podemos perceber os resultados de tamanha divulgação. A candidata Marina Silva, evangélica, conservadora em muitos aspectos e com um programa de governo que não prevê mudanças profundas, haja vista sua política de alianças e suas divergências até com o próprio PSB (partido que escolheu porque não conseguiu efetivar sua Rede de Sustentabilidade), pode chegar a disputar o 2.o. turno das eleições presidenciais em condição de empate técnico com a atual presidenta Dilma Rousseff.
Considerando-se que o candidato Eduardo Campos tinha 8% de intenções de voto, enquanto Dilma contava com 36%, o falecimento do candidato rendeu à sua vice Marina Silva um crescimento espetacular. É constrangedor que esse crescimento se deu através da exploração emocional dos brasileiros que sentiram a tragédia e foram vítimas de tamanho assédio midiático dia e noite. Até podemos induzir que o candidato falecido é mais importante morto do que vivo, pois as intenções de voto em torno de sua vice cresceram desproporcionalmente provocando um segundo turno e tornando até insegura a reeleição de Dilma.
As entrevistas com pessoas que individualmente foram beneficiadas pelo candidato foram amplamente divulgadas (todas elogiando e considerando-o um homem quase perfeito, boníssimo, um suposto salvador da pátria) como se o programa político de um país pudesse ser efetuado por candidatos que beneficiam pessoas conhecidas e não por partidos que devem pensar o país e apresentar propostas consistentes para determinadas classes sociais, uma vez que os partidos diferem em suas escolhas sociais e econômicas. Governar o Brasil não é governar Pernambuco e também não é ter apenas propostas ecológicas descoladas de políticas públicas que assegurem a distribuição de renda, a reforma agrária, tributária, administrativa, política, urbana, universitária, etc.
Infelizmente o povo brasileiro até por falta de consciência política e escolaridade enxerga a política e os presidenciáveis através dos olhos da mídia que como sua maior representante, a Rede Globo ganha cabeças e corações através da emoção que suas novelas de péssima qualidade provocam, iludindo as mentes dos brasileiros menos avisados.
Deve-se também considerar que os grandes bancos (leia-se em primeiro lugar o Banco Santander) e seus correspondentes da imprensa, amplamente interessados em aumentar ainda mais seus lucros no país, não vêm com bons olhos a reeleição de Dilma e já estavam espalhando notícias falsas de grande inflação e colapso econômico do país com a reeleição da presidenta. A morte de Eduardo Campos e a subida de Marina Silva nas intenções de voto (aliada em sua última disputa eleitoral do candidato Serra do PSDB) vieram a calhar.
segunda-feira, 18 de agosto de 2014
sexta-feira, 1 de agosto de 2014
A Teologia é Séria - Leonardo Boff
A TEOLOGIA É SÉRIA
Leonardo Boff
Os intelectuais que têm algum sentido ético precisam falar sobre a Terra ameaçada.
Entrevista especial com Leonardo Boff
“Enquanto houver alguém gritando no mundo, sejam mulheres, afrodescendentes,
indígenas, pessoas discriminadas, sempre têm sentido, a partir da fé, falar e atuar de
forma libertadora”, defende o teólogo.
“A Teologia é séria quando toma a sério o testemunho dos invisíveis, dos desprezados,
daqueles que ninguém conta. Cada pessoa é única no mundo, tem algo a dizer, a
mostrar. Ignorante é aquele que pensa que o povo é ignorante. O povo sabe muito da
vida, da sua luta”, afirmou Leonardo Boff em entrevista concedida, pessoalmente, à
IHU On-Line.
Para Boff, “nosso desafio não é o de criar cristãos, mas de criar pessoas honestas,
humanas, solidárias, compassivas, respeitosas da natureza dos outros. Se conseguirmos
isso é o sonho de Jesus realizado”. E continua: “há um dito que diz: onde estão os
pobres está Cristo, e onde está Cristo está a Igreja. Só que não é verdade que onde está
o pobre está a Igreja. Ela está mais perto do palácio de Herodes do que da gruta de
Belém. A Igreja precisa ver qual é o seu lugar na sociedade”.
Leonardo Boff, filósofo, teólogo e escritor é professor emérito de Ética, Filosofia da
Religião e Ecologia na Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. É autor de
mais de 60 livros nas áreas de teologia, espiritualidade, filosofia, antropologia e mística,
entre os quais citamos Ecologia: grito da terra, grito dos pobres (São Paulo: Ática,
1990); São Francisco de Assis. Ternura e vigor (8. ed. Petrópolis: Vozes, 2000); Ética
da vida (Rio de Janeiro: Sextante, 2006); e Virtudes para outro mundo possível II:
convivência, respeito e tolerância (Petrópolis: Vozes, 2006).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Qual a diferença da Teologia da Libertação das décadas de 1970 e
1980 e hoje, com a globalização neoliberal? Ela é capaz de responder aos desafios
contemporâneos?
Leonardo Boff – A Teologia da Libertação parte do grito dos oprimidos, que hoje
são os pobres. Há mais de 900 milhões de pobres no mundo e a crise econômica e
financeira elevou esse número a um bilhão e 200 milhões. Os gritos viraram um clamor.
Enquanto houver alguém gritando no mundo, sejam mulheres, afrodescendentes,
indígenas, pessoas discriminadas, sempre têm sentido, a partir da fé, falar e atuar de
forma libertadora. Então, é uma teologia permanente, porque, pela condição humana,
todos, até os mais ricos e equilibrados, carregam suas cruzes: é o medo da morte, a
exposição a acidentes, a perda do filho ou da esposa; não temos uma vida assegurada. A
condição humana é assim e deve ser construída a cada dia, com sua angústia e opressão.
Nesse sentido, a fé cristã oferece um caminho para a pessoa se liberar, colocando a
vida – mesmo uma vida que fracassou – na palma da mão de Deus, obtendo assim uma
libertação espiritual. A mensagem de Jesus é libertadora por isso. E uma teologia que
não produz esse efeito humanizador não pode ser chamada herdeira ou que está no
legado de Jesus.
IHU On-Line – Como compreender que o cristianismo, que nasceu no primeiro
mundo, hoje não faça parte deste universo europeu, ou ao menos não tenha tanta
relevância entre ele, e se demonstre mais vivo no terceiro mundo?
Leonardo Boff – Primeiro, há um problema de estatística. Mais da metade dos cristãos
e católicos vive no terceiro mundo. De fato, é uma religião do terceiro mundo, embora
as origens sejam no primeiro. E se falarmos em termos de criatividade, de presença,
veremos que a criatividade não está no primeiro mundo, onde temos culturas agônicas,
que lentamente estão “descendo a rampa” da vida; são civilizações que não cultivam a
esperança porque não veem qual é a esperança para elas. No fundo, conquistaram tudo o
que queriam, dominaram o mundo, impuseram suas ideias, suas filosofias, seus valores,
sua música, e agora dizem que são infelizes. Isso significa que o ser humano não só
tem fome de pão, de bens materiais, mas também tem fome de beleza, de comunicação,
de amor, de solidariedade. E esses valores estão presentes principalmente entre os
pobres. Se há uma coisa que os pobres guardam é a cultura da solidariedade, a alegria
de viver com o pouco que têm. Nesses lugares da Ásia, da África, da América Latina,
o cristianismo se mostra criativo. Ele se encarna nas culturas locais, e então passa a
ter um rosto diferente, músicas e símbolos diferentes. Agora estão aparecendo novos
santos e mártires que são nossos. E tem a questão das mulheres daqui também. E não é
só o fato de serem mulheres fazendo teologia, porque a mulher americana rica também
a faz. Aqui temos a mulher pobre que não quer ingressar no mundo dos ricos, mas
quer ser solidária. Então, faz uma teologia feminina diferente. Elas até brigam com
as americanas, por exemplo, fazendo a crítica a elas, dizendo que não adianta fazer
teologia só para integrar as mulheres, pois estarão apenas contribuindo para engrossar o
mundo dos opressores. As latino-americanas pedem solidariedade a elas como mulheres
e como oprimidas. Se não for isso, não será uma verdadeira Teologia da Libertação.
IHU On-Line – A partir da vivência, na prática da Teologia da Libertação, como o
senhor define que deveria ser uma teologia séria?
Leonardo Boff – A Teologia é séria quando ela toma a sério o testemunho dos
invisíveis, dos desprezados, daqueles que ninguém conta. Cada pessoa é única no
mundo, tem algo a dizer, a mostrar. Ignorante é aquele que pensa que o povo é
ignorante. O povo sabe muito da vida, da sua luta. É um saber, como diz Camões, “de
experiências feito”. Somos sérios quando damos valor ao que o povo diz, que não são
palavras, mas dramas e gritos. Em segundo lugar, é preciso saber formular isso de uma
maneira rigorosa e universal, de forma que todos possam entender.
IHU On-Line – Quais os limites da Teologia no mundo hoje? Que desafios ela
tem a enfrentar no século XXI, considerando a contribuição que pode oferecer à
sociedade contemporânea, principalmente à crise ecológica e ambiental?
Leonardo Boff – A primeira tarefa da Teologia e das igrejas é elas assumirem que são
cúmplices do mundo a que chegamos hoje. Isso significa que houve algum erro na nossa
transmissão da fé, na nossa vivência bíblica, pelo qual não conseguimos evitar a crise
ecológica e a crise econômica mundial. Não temos a chave da salvação, somos parte
do problema. E com muita humildade, precisamos renunciar a toda a arrogância de que
“temos a palavra da revelação e então sabemos”. Nós não sabemos. Temos que nos unir
a todos os grupos, começando pelos pobres – que têm sua sabedoria –, e depois com
o discurso das ciências, das outras igrejas, com todos os discursos que criam sentido.
Além disso, é muito importante sentir-se um discurso junto com os demais, não tendo
exclusividade, afirmando que “nós temos a revelação; nós temos a chave”, porque, na
verdade, não a temos. Quando a Igreja teve essa arrogância e assumiu o poder, foi um
fiasco. Governou mal, até 1890 ainda havia pena de morte nos estados do Vaticano,
além de cometer grandes erros históricos contra a modernidade e os direitos humanos.
Então, ela não pode apresentar títulos de credibilidade. Primeiro, precisa reconhecer
que pode aprender no diálogo e que pode dar uma contribuição a partir do que vem
do exemplo de Jesus. Nosso desafio não é o de criar cristãos, mas de criar pessoas
honestas, humanas, solidárias, compassivas, respeitosas da natureza dos outros. Se
conseguirmos isso é o sonho de Jesus realizado.
IHU On-Line – Quais as principais ameaças que pesam sobre nosso futuro?
Leonardo Boff – São dois blocos de ameaças. Um vem pela máquina de morte, que é
nossa cultura militarista, que criou um tal número de armas nucleares, químicas e
biológicas que pode destruir muitas vezes toda a vida do planeta. São armas muito
deletérias, que estão em segurança, mas nunca segurança em absoluto. Além disso,
temos as nanotecnologias. A guerra cibernética pode ser de alta destruição. Trata-se de
uma guerra não declarada, de extrema violência e que pune os inocentes. O segundo
bloco de ameaças é aquilo que nosso processo industrialista fez nos últimos 300, 400
anos, com a sistemática agressão à Terra, aos seus bens, seus recursos. Chegamos a um
ponto em que desestabilizamos totalmente o sistema Terra, e a manifestação disso é o
aquecimento global. Para repor o que tiramos da Terra em um ano, ela precisa de um
ano e meio. Então, a Terra já está exterminada. Estamos alcançando uma temperatura
perto de 2º C e a comunidade científica norte-americana alertou para o fato de que, com
a entrada do metano, do degelo das camadas polares e outros fatores, a Terra vai se
aquecendo devagar e, de repente, a febre de 37º C pula para 45º C. Com esse
aquecimento abrupto, a vida que conhecemos hoje não vai subsistir, nem animal, nem
vegetal, nem humana. Como temos tecnologia, podemos criar pequenos oásis
refrigerados para grupos de seres humanos que, seguramente, vão invejar quem morreu
antes, tão miserável será a vida. Isso pesa sobre a humanidade nos próximos decênios e
ninguém acredita nisso, porque vai contra o sistema da acumulação, contra o
capitalismo, contra as grandes empresas. Os intelectuais que têm algum sentido ético
precisam falar sobre isso.
IHU On-Line – Em que situações de nossa sociedade mais se pode ver o Cristo
Crucificado?
Leonardo Boff – Há um velho dito da tradição cristã que diz: onde está o pobre,
aí está Cristo. Hoje temos que olhar em cada cidade do terceiro mundo, os grandes
cinturões de miséria, as favelas. O cristão que toma a sério a percepção de que Cristo
está onde o pobre está tem que visitá-lo. Não basta identificar que lá tem uma favela. É
preciso ir até lá, conversar com as pessoas, ver como é possível ajudá-las a se organizar
melhor. Há outro dito que diz: onde estão os pobres está Cristo, e onde está Cristo está a
Igreja. Só que não é verdade que onde está o pobre está a Igreja. Ela está mais perto do
palácio de Herodes do que da gruta de Belém. A Igreja precisa ver qual é o seu lugar na
sociedade.
IHU On-Line – Em que sentido o capitalismo pode ser apontado como anticristão?
Leonardo Boff – Em primeiro lugar, o capitalismo é antivida. Ele assassina as vidas
humanas para acumular. Para que alguns tenham qualidade de vida, muitos devem
ter péssima qualidade de vida. E isso é injusto. E tudo o que vai contra a vida acaba
sendo contra aquele que disse: “Eu vim trazer vida e vida em abundância”. Por isso
é anticristão. E isso custou muito aos cristãos reconhecerem, porque as igrejas se
instalaram muito bem dentro do sistema capitalista. A Igreja teve dificuldade de
condenar, pois o capitalismo não nega a Igreja, nem a religião. Pelo contrário, defende
a Igreja e a moral. Só que, na prática, nega tudo isso. E essa é a grande ilusão da Igreja,
pois o capitalismo passa por cima de todo mundo, sem solidariedade. Nele, só o forte
ganha.
IHU On-Line – Baseado em que o senhor afirma que os Estados Unidos é o grande
terrorista mundial?
Leonardo Boff – Na prática ele é o grande terrorista porque, na América Latina,
apoiou todas as ditaduras e participou ativamente de atentados, sequestros de pessoas,
fornecendo informações. E continua com essa estratégia, que é a estratégia do império.
Onde há uma oposição, ele vai e destrói. Os Estados Unidos sempre usam a violência
militar para se impor.
IHU On-Line – O senhor disse que reconhecer a Igreja de Roma como a única
verdadeira é um erro teológico. Por quê?
Leonardo Boff – É um erro teológico porque supõe o conceito reducionista de Deus,
como se Ele dissesse: “Esses são meus filhos e aqueles não são; essas são minhas
criaturas queridas e aquelas são filhos abandonados”. Isso não existe para Deus. Todos
nasceram do seu coração. Deus acredita em todos os seres humanos. Todos são filhos e
filhas, não só os batizados, que por acaso nasceram no Ocidente. Então, uma Igreja que
não faz isso se opõe a Deus.
(Por Graziela Wolfart)
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