terça-feira, 17 de junho de 2014

O pedido de desculpas a Dilma, por um morador "das bandas" de Itaquera

dom, 15/06/2014 - 08:32 - Atualizado em 15/06/2014 - 08:33
Sugerido por Maria do Carmo
Desculpas, dona Dilma
Cara dona Dilma,
Dirijo-me à senhora Dilma Rousseff pessoa física mesmo, não à presidente do meu país, e chamando-a de dona porque foi assim que aprendi a me dirigir a pessoas do sexo feminino que já tenham uma certa idade e sejam mães ou avós de família.
E sabe onde aprendi como me dirigir educadamente a quem quer que seja, mas principalmente às senhoras?
Foi na zona leste, dona Dilma, lá mesmo pras bandas do estádio em que a senhora foi tão rude e desrespeitosamente tratada na última quinta-feira.
Tendo nascido e sido criado naquele cantão da cidade e conhecedor da índole daquele povo todo, dona Dilma, eu humildemente peço desculpas pelo tratamento que a senhora recebeu ali no nosso pedaço. E tenho toda a serenidade do mundo para lhe garantir: não fomos nós, povo da Zona Leste, que a ofendeu daquele jeito.
Ah, não foi mesmo, viu?
Sabe por quê? Porque mandar uma senhora como a senhora pro lugar onde a mandaram já resultou em muita briga e até morte pra aquelas bandas. Isso não se faz, ninguém por ali deixa barato ir xingando assim a mãe dos outros, ainda mais com a filha sentada do lado, onde já se viu?
A gente boa da zona leste, dona Dilma, não é disso, não.
Respeita pra ser respeitada.
Tampouco é um pessoal que fica adulando poderosos ou puxando o saco de quem quer que seja, não se trata disso. Se é pra protestar, o povo protesta. Se é pra vaiar, vaia.
Mas a educação que a gente recebeu em casa ensinou que não se fala palavrão para uma senhora e não é desta maneira, ofendendo a todos os que ouviram os absurdos que lhe disseram, que se vai se mudar alguma coisa, qualquer coisa.
Não, dona Dilma, não fomos nós da ZL que xingamos a senhora –eu falo nós, embora não more mais por aquelas bandas, porque meu coração nunca sairá de lá, e vira e mexe estou zanzando por ali, visitando gente amiga na Penha, Vila Esperança, Vila Granada, Vila Ré, Guaianases, Itaquera…
Também achei necessário me dirigir à senhora, dona Dilma, porque uns amigos que foram ao jogo me informaram que os xingamentos, as palavras de baixo calão vieram principalmente do setor do estádio em que os ingressos custavam quase mil reais ou as cadeiras eram ocupadas por VIPs –e milão prum ingresso não rola aqui na ZL, não, muito menos a gente é very important people pra receber este tipo de convite.
De modo que, mesmo sem procuração, falo em nome da gente boa da ZL para não apenas me desculpar pela grosseria, pela deselegância e pelas ofensas que foi obrigada a ouvir, mas também para fazer um convite: aparece de novo lá no nosso estádio!
Mas vai num dia de jogo do Timão.
Olha, pode ser até que a senhora ouça alguma vaia, viu, porque afinal é difícil separar uma mulher que tem filha e neto, e já merece respeito apenas por isso, da presidente da República – e ali a gente vota como quer, respeita opinião diferente e acredita em democracia.
Agora, garanto que com o estádio sem toda aquela gente diferenciada que tomou conta de Itaquera no jogo do Brasil, ninguém vai mandar a senhora àquela parte, não.
Porque se algum engraçadinho se atrever a fazer isso, vai acabar levando um tapa na boca.
Porque é assim que fomos educados.
Um abraço pra senhora e um beijo pro Gabriel, seu neto, que aliás tem o mesmo nome do meu.
Luiz Caversan é jornalista e consultor na área de comunicação corporativa.
 

sábado, 14 de junho de 2014

Chico Buarque avalia os avanços do governo do PT para o Brasil

Isso ai !!!
O Chico é mesmo um cara admirável.
Diz aí, Chico!
"A VERDADE É QUE antes do PT chegar ao poder teve uma turma que ficou 500 anos mandando aqui no Brasil e esse... país se tornou um paíseco de 5º mundo. Entramos na década de 80 ainda sendo uma república das bananas, governados por ridículos generais sem voto, ditadores golpistas assassinos e ignorantes, que “preferiam cheiro de cavalo a cheiro de povo“. Aí finalmente vem um partido que faz o Brasil avançar, tira nossa coleira dos USA, da um pé no traseiro do FMI, alça o país a 6ª economia do mundo fazendo o PIB saltar de 1 para mais de 2,4 trilhões em uma década, tira 50 milhões de brasileiros da pobreza, cria uma nova classe média de mais de 100 milhões com emprego, renda, carteira assinada e conta no banco... Enfim, avanços EXTRAORDINÁRIOS em uma década ! Mas a mídia, conservadora e recalcada, sabota e cria um clima de que estamos "a beira do abismo". E tem gente que vai na onda e não lembra do nosso passado medíocre..."
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Jean Wyllys e as vaias à presidenta Dilma: que gente (principalmente a elite braisleira) sem educação e machista

Vandalizam a vida inteira das pessoas, pagando baixos salários, cobrando altos juros dos financiamentos e pagando juros irrisórios nas aplicações e poupança do povo. Escolhe quem trabalhar para eles e dão os melhores cargos a estrangeiros. Isso é nossa educada elite que come em carissimos restaurantes enquanto o povo tem dificuldade de comprar seu alimento
Sim, eu senti vergonha por conta da vaia e do insulto à presidenta Dilma no jogo de abertura da Copa do Mundo. Sim, a vergonha foi maior porque a gente que puxo...u a vaia se considera "fina, culta e educada" e vive chamando de "mal-educados, grosseiros e sem-modos" aqueles que não têm a sua cor, a sua renda nem seus privilégios (inclusive o de poder adquirir o caríssimo ingresso para estar naquela arquibancada). Sim, mal-educada, grosseira e sem-modo é mesmo aquela gente, que, pouco acostumada com a civilidade, não tem senso de oportunidade nem sabe fazer oposição política sem resvalar para a baixaria. Sim, os manifestantes que questionam, com razão, os custos da Copa e que têm motivos reais para perderem a cabeça em relação às políticas da presidenta (políticas que beneficiaram justamente os que estavam na arquibancada e na área VIP da arena) não caíram na baixaria do insulto pessoal à Dilma, emboras sejam comumente chamados de "vândalos" e "baderneiros" pelos que insultaram a presidenta enquanto tomavam sua cerveja gelada. Sim, eu faço oposição (à esquerda!) à presidenta Dilma, mas fazer oposição a ela não significa insultá-la de maneira covarde. Sim, eu faço oposição (à esquerda) à presidenta, mas fazer oposição não é cair em ataques pessoais, mas, sim, fazer crítica às políticas por ela implementadas. Sim, há um tanto de misoginia e machismo odiosos no insulto proferido pela platéia branca e rica contra Dilma. Sim, eu não gostaria que Luciana Genro ou Manuela D'Ávila ou Erika Kokay ou Mara Gabrilli fossem insultadas daquela forma por uma turba de machos corajosos só quando estão em turba. Sim, sendo eu, todos os dias, vítima de insultos semelhantes motivados por homofobia, posso inferir a dor que a presidenta sentiu ao ouvir o insulto em coro. Sim, a dignidade de Dilma (e sua dignidade existe apesar de suas atitudes políticas equivocadas e erros de gestão!) é a melhor resposta à indignidade daquela gente que a insultou. Sim, presidenta Dilma, você tem a minha solidariedade. Sim, coragem grande é poder dizer "sim"!

quinta-feira, 12 de junho de 2014

Por que o novo decreto de Dilma não é bolivariano

Quarta, 11 de junho de 2014

Por que o novo decreto de Dilma não é

bolivariano



"Todas as principais democracias do mundo procuram soluções para o problema da baixa

capacidade do parlamento de aprovar políticas demandadas pela cidadania. A solução

principal é o envolvimento da sociedade civil na determinação de políticas públicas",

afirma Leonardo Avritzer, professor da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas,



Departamento de Ciências Políticas da Universidade Federal de Minas Gerais, em artigo

publicado pelo Fórum de Interesse Público e reproduzido pela revista CartaCapital, 10-06-



2014.

Eis o artigo.


A presidente Dilma Rousseff assinou, no último dia 21, um decreto que institui a Política

Nacional de Participação Social. De acordo com o decreto “fica instituída” a política, “com



o objetivo de fortalecer e articular os mecanismos e as instâncias democráticas de diálogo e

a atuação conjunta entre a administração pública federal e a sociedade civil”.

Com este objetivo o governo reforçou institucionalmente uma política que vem desde 2003,

quando, ainda em 1º de janeiro, o ex-presidente Lula assinou a medida provisória 103, na

qual atribui à Secretaria Geral da Presidência o papel de “articulação com as entidades



da sociedade civil e na criação e implementação de instrumentos de consulta e participação

popular de interesse do Poder Executivo na elaboração da agenda futura do Presidente da

República...”

A partir daí, uma série de formas de participação foram introduzidas pelo governo federal,

que dobrou o número de conselhos nacionais existentes no país de 31 para mais de 60, e

que realizou em torno de 110 conferências nacionais (74 entre 2003 e 2010 e em torno de

40 desde 2011).

Assim, o decreto que instituiu a política nacional de participação teve como objetivo

institucionalizar uma política que já existe e é considerada exitosa pelos atores da sociedade

civil.

Imediatamente após a assinatura do decreto iniciou-se uma reação a ele capitaneado

por um grande jornal de São Paulo que, em sua seção de opinião, escreveu o seguinte:

“A presidente Dilma Rousseff quer modificar o sistema brasileiro de governo. Desistiu

da Assembléia Constituinte para a reforma política - idéia nascida de supetão ante as



manifestações de junho passado e que felizmente nem chegou a sair do casulo - e agora

tenta por decreto mudar a ordem constitucional. O Decreto 8.243, de 23 de maio de 2014,

que cria a Política Nacional de Participação Social (PNPS) e o Sistema Nacional de

Participação Social (SNPS), é um conjunto de barbaridades jurídicas, ainda que possa



soar, numa leitura desatenta, como uma resposta aos difusos anseios das ruas.”

Assim, segundo o jornal paulista, o Brasil tem um sistema que é representativo e este foi

mudado por decreto pela presidente. Nada mais distante da realidade.

Em primeiro lugar, o editorialista parece não conhecer a Constituição de 1988, que diz no



parágrafo único do artigo primeiro: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de

representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.



Ou seja, o legislador constituinte brasileiro definiu o país como um sistema misto entre a

representação e a participação. Se é verdade que as formas de representação foram muito

mais fortemente institucionalizadas entre 1988 e hoje, isso não significa que temos no Brasil

um sistema representativo puro, tal como ele existe em um país como a França.

Pelo contrário, a verdade é que o espírito da Constituição fica muito melhor representado

a partir do decreto 8243, que institucionaliza uma nova forma de articulação entre



representação e participação de acordo com a qual a sociedade civil pode sim participar na

elaboração e gestão das políticas públicas. Mas, ainda mais importante do que restaurar a

“verdade constitucional” é se perguntar qual sentido faz instituir um sistema de participação?

A resposta a esta pergunta é simples e singela. A temporalidade da representação está em

crise em todos os países do mundo. Por temporalidade, deve se entender a idéia de que

a eleição legitima a política dos governos durante um período extenso de tempo, em geral

de quatro anos. Hoje vemos, no mundo inteiro, pensando em Obama nos Estados Unidos

eHollande na França, uma enorme mudança na maneira como a opinião pública vê os



governos.

Temos um novo fenômeno que o filósofo francês Pierre Rosavallon classifica da seguinte



maneira: a legitimidade das eleições não é capaz por si só de dar legitimidade contínua aos

governos. Duas instituições estão fortemente em crise, os partidos e a idéia de governo de

maioria. É sabido que a identificação com os partidos cai em todo o mundo, até mesmo nos

países escandinavos onde ela era mais alta. É isso o que justifica a entrada da sociedade

civil na política, não qualquer impulso bolivariano, tal como alguns comentaristas pouco



informados estão afirmando.

A sociedade civil trás para a política um sistema de representação de interesses que os

partidos não são mais capazes de exercer devido a sua adaptação a um sistema privado de

representação de interesses e financiamento com o qual a sociedade não se identifica. O

mais curioso é que ninguém mais do que os órgãos da grande imprensa adotam o exercício

de mostrar como o poder da maioria pela via da representação não é capaz de legitimar o

governo.

Lembremos alguns exemplos recentes: a rejeição da nomeação do deputado Marco

Feliciano (PSC-SP) para a Comissão de Direitos Humanos da Câmara ou o apoio às

manifestações populares pelo Movimento Passe Livre em junho de 2013. Em todas estas



questões o que esteve em jogo foi a capacidade da sociedade civil de apontar uma agenda

para o governo. O que o Sistema Nacional de Participação faz é institucionalizar esta



agenda reconhecendo que existe uma representação exercida pela sociedade civil.

Vale a pena desenvolver um pouco mais este ponto. A representação é uma autorização

dada por uma pessoa para alguém atuar em nome dela. Este é o fundamento do seu

exercício que existe em todos os países. Mas existe uma questão adicional que reside

no fato da representação das pessoas se dar através de uma autorização ampla que não

consegue alcançar temas que não são majoritários ou que têm uma agenda mais volúvel.

Assim, o sistema representativo é sempre ruim para representar questões tais como direito

das minorias ou temas importantes como o meio ambiente ou até mesmo políticas públicas

como a de saúde. Exemplos sobre a incapacidade do Congresso Nacional de agir nestas



áreas abundam no Brasil.

Lembremos a incapacidade de votar a união homoafetiva, a ação afirmativa, de aprovar

o Código Florestal, todas legislações com fortíssimo apoio na sociedade, mas que não



conseguiram tramitar no Congresso devido a lobbies muito fortes. No caso da união

homoafetiva e da ação afirmativa sua legalidade acabou sendo determinada pelo Supremo

Tribunal Federal. No caso do Código Florestal este contou com um veto da presidente e



mais uma medida provisória bastante polêmica no interior do Congresso.

Todos estes episódios mostram que há uma incapacidade do legislativo de se conectar com

a sociedade, devido à maneira como o sistema de representação opera no país. Em geral

tem cabido ao Supremo preencher esta lacuna, mas o mais democrático e o mais adequado

é um envolvimento maior da sociedade civil nestes temas por via de instituições híbridas que

conectem o executivo e a sociedade civil ou a representação e a participação.

Este modelo, que está longe de ser bolivariano, está presente, na verdade, nas principais

democracias do mundo. Os Estados Unidos tem o modelo de participação da sociedade civil

no meio ambiente por meio dos chamados “Habitat Conservation Plannings”. A França



tem o modelo de participação da sociedade civil nas políticas urbanas através de contratos

de gestão nos chamados “Quartier Difficile”. A Espanha tem a participação da sociedade

civil no meio ambiente através de “juris cidadãos”. A Inglaterra instituiu mini-públicos com



participação da sociedade civil para determinar prioridades políticas na área de saúde.

Todas as principais democracias do mundo procuram soluções para o problema da baixa

capacidade do parlamento de aprovar políticas demandadas pela cidadania. A solução

principal é o envolvimento da sociedade civil na determinação de políticas públicas. A

justificativa é simples. Ninguém quer acabar com a representação, apenas corrigir as

suas distorções temporais em uma sociedade na qual o nível de informação da cidadania

aumentou fortemente com a internet e as redes sociais e na qual os cidadãos se posicionam

em relação a políticas específicas.

Ao introduzir uma participação menos partidária e com menor defesa de interesses privados

na política tenta-se reconstituir mais fortemente este laço. Assim, o que o decreto 8243 faz



não é mudar o sistema de governo no Brasil por decreto e nem instituir uma república

bolivariana. O que ele faz é aprofundar a democracia da mesma maneira que as principais

democracias do mundo o fazem, ao conectar mais fortemente sociedade civil e Estado.

FOLHA DE SP 2014-06-11

RENAN CALHEIROS (PMDB-AL) criticou ontem o decreto da Dilma que obriga os órgãos do governo a realizar

consultas públicas antes de decidir sobre temas de interesse da sociedadde.


David Harvey quer, além dos protestos, um projeto

David Harvey quer, além dos

protestos, um projeto



Por


David Harvey



– on 03/06/2014Categorias: Crise Financeira, Destaques, Mundo





Ao apresentar seu livro mais recente, geógrafo alerta: mera denúncia do capitalismo é ineficaz – e pode

favorecer saídas de ultra-direita



Entrevista a Jonathan Derbyshire, da Prospect Magazine | Tradução: Vila Vudu





A onda de protestos de rua que se espalha pelo mundo desde janeiro de 2011 tem produzido, em seu

rastro, um debate revelador. No Brasil, por exemplo, o primeiro aniversário das “jornadas de junho”

será lembrado pelo lançamento de livros e filmes. O mais estrepitoso deles é o de um documentário


produzido pela “Folha de S.Paulo” – o mesmo jornal que recomendou à prefeitura da cidade e à Políica




Militar, em 13 de junho de 2013, vetar1 manifestações na avenida Paulista, para o bom fluxo do tráfego

de automóveis… Se a mesma Folha tenta agora celebrar o movimento é porque procura “capturá-lo”,

conduzindo-o para pautas opostas à reivindicação de direitos sociais e igualdade – que tanto incomodava

seus editorialistas há um ano.

Mas há espaço para esta captura? O geógrafo e antropólogo David Harvey pensa que sim – e está


empenhado em articular uma contra-ofensiva. Lançada no início de abril, em inglês, sua obra mais

recente – “17 Contradições e o fim do Capital” – parece dedicada a isso. Harvey falou sobre o livro em




enteveista ao jornalista inglês Jonathan Derbyshiere. Vale a pena seguir o raciocínio deste marxista

heterodoxo, formulador histórico de reivindicações, propostas e conceitos relacionados ao Direito à

Cidade.

Um dos traços surpreendentes do cenário internacional, começa Harvey, é a “miséria de pensamento

novo e novas políticas”. Confrontadas pela crise econômica – que já entrou no sexto ano e para a qual

não há saída à vista –, as classes dominantes não parecem preocupadas em buscar opções. Seu

discurso de aparente preocupação em face da desigualdade não se materializa em ações concretas:

parece mera peça de retórica. Por que tal paralisia?

É evidente, diz o geógrafo, que as elites globais sentem-se seguras de seu poder. Percebem que faltam

alternativas. Há, é certo, muitos protestos. Mas não parecem a ponto de passar de uma fase primitiva

– a da crítica ao sistema – e evoluir para o que pode de fato ameaçá-lo: a proposição de projetos póscapitalistas.

Harvey teme, aliás, que os protestos sejam capturados por forças retrógradas e mesmo fascistas, caso

não evoluam. Somadas, crise e a falta de perspectivas geram, frisa ele, um ambiente de desesperança

mórbida. Nos EUA, por exemplo, “70% da população ou odeia trabalhar, ou é totalmente indiferente ao

trabalho que faz”. As respostas são múltiplas. Certos grupos buscam um futuro “distante da cultura da

mercadoria”. Mas outros, ao contrário, refugiam-se no consumismo ou na negação completa da política.

Estes podem ser mobilizados para sentimentos e saídas retrógradas – como buscar de uma autoridade

salvadora, ou atirar sobre o estrangeiro (o “outro”) o peso de suas frustrações.

A nova obra de Harvey é, tudo indica, a maneira concreta que o autor encontrou de encarar este risco

sem resvalar para o pessimismo. “Há muita ebulição nos campos da dissidência cultural; há algo em

movimento e é fonte de alguma esperança”, diz ele em certo ponto da entrevista a Derbyshire. Mas esta

esperança não se realizará por si mesma. Para tanto, é preciso “resistir contra um retrocesso de direita,

atrair parte significativa do descontentamento que está nas ruas e empurrá-lo numa direção progressista,

não em direção neofascista”. Por isso mesmo, o livro propõe, em sua parte final, dezessete ideias para a

prática política – mais especificamente, para “o novo modo de fazer política”, que, segundo Harvey, está

emergindo diante de nossos olhos.

No diálogo com Derbyshire, Harvey aborda ainda a polêmica em torno da institucionalização dos novos

movimentos (ele defende a construção de híbridos de movimentos e partidos, como o Syriza grego); a

presença de um setor anti-Estado nas manifestações; a relação entre determinismo e marxismo (Marx, diz

Harvey, nunca afirmou que o capitalismo desabaria sobre si próprio inevitavelmente); o pepel do Occupy

(e de Thomas Piketty) na denúncia da desigualdade; o divórcio cada vez mais profundo entre capitalismo


e democracia. Eis, a seguir, a entrevista (A.M.)


No início do livro, o senhor observa, como outros também observaram, que há algo de diferente

na mais recente crise do capitalismo, a crise financeira global de 2008. “Seria de esperar que

todos” – o senhor escreveu lá – “tivessem diagnósticos concorrentes a oferecer sobre o que está

errado, e que houvesse uma proliferação de propostas de o que fazer para corrigir tudo. O que

mais surpreende hoje é a miséria de pensamento novo e de novas políticas.” Por que não há nem

diagnósticos nem propostas nem ideias novas?



Uma hipótese é que a concentração de poder de classe que se vê hoje é de tal modo gigantesca, que

não há por que a classe capitalista precise ou queira ver qualquer tipo de pensamento novo. A situação,

por mais que seja disruptiva para a economia, não é necessariamente disruptiva para a capacidade de os

ricos acumularem mais riqueza e mais poder. Assim sendo, há claro interesse em manter as coisas como

estão. O que é curioso é que havia também, é claro, muito interesse em manter as coisas como estavam

nos anos 1930s, mas ele foi atropelado por Roosevelt, pelo pensamento keynesiano etc.


Isso posto, o senhor aceita, no livro, que há elementos na classe capitalista, na classe intelectual,

que reconhecem a ameaça – isso que o senhor chama de “contradições” do capitalismo. Exemplo

notável é a discussão da desigualdade.



Credito ao movimento Occupy ter lançado e posto em circulação essa nova narrativa. O fato de que

temos em Nova York um prefeito completamente diferente do que havia antes e que disse que vai

fazer tudo que puder para reduzir a desigualdade, a própria possibilidade dessa discussão é coisa que

brotou diretamente do movimento Occupy. É interessante que todos sabem do que você está falando,

sempre que se fala do “1%”. A questão do 1% foi afinal posta na agenda e se tornou objeto de estudos


em profundidade, como, por exemplo, o livro de Thomas Piketty, O Capital no século 21. Joseph Sitglitz




também tem um livro sobre desigualdade e vários outros economistas estão falando do assunto. Até o

FMI já está dizendo que há um perigo específico que surge quando a desigualdade alcança determinado

nível.


Até Obama já anda dizendo isso!



Mas Obama nada diria sobre isso se o movimento Occupy não tivesse aberto a trilha. E quem está

oferecendo alguma resposta ao problema? De que modo alguma coisa está sendo realmente mudada?

Se se consideram as políticas reais, vê-se que as desigualdades continuam a se aprofundar. Há

reconhecimento apenas retórico do problema, mas não há reconhecimento político, em termos de

políticas ativas e redistribuição ativa.


O senhor falou de Occupy. No livro, o senhor critica muito duramente os setores dos novos

movimentos que vê como, predominantemente, ultra-liberais e anti-Estado.



Tenho uma regra que por definição nunca falha: o modo de produção dominante, seja qual for, e sua

articulação política, criam a forma de oposição contra eles. Assim, as grandes fábricas e grandes

corporações – General Motors, Ford etc., – criaram uma oposição baseada no movimento trabalhista

e nos partidos da social-democracia. O rompimento dessa ordem – e vivemos hoje precisamente o

momento desta – criou um tipo de oposição dispersa que precisa usar algumas linguagens específicas

para suas reivindicações.

Parte da esquerda não dá sinais de perceber que muito do que diz é consistente com a ética neoliberal,

ao invés de lhe fazer oposição… Parte do anti-estatismo que se encontra hoje na esquerda casa-se

perfeitamente com o anti-estatismo do capital empresarial corporativista.

Preocupa-me muito que não se ouça pensamento da esquerda que diga “Vamos nos afastar dessas

narrativas e observar o quadro completo.” Espero que meu livro contribua para que tenhamos isso.


O livro conclui num lugar interessante – com algo como um programa, 17 “ideias para a prática

política”. Mas não aparece a pergunta (embora possa estar implícita no que o senhor acabou de

dizer), sobre qual é a organização apropriada para realizar aquele programa. Não se sabe onde

encontrá-lo. Não é óbvio que o encontraremos.



Uma das coisas que temos de aceitar é que está emergindo um novo modo de fazer política. No

presente, ainda é muito espontaneísta, efêmero, voluntarista, com alguma relutância a deixar-se

institucionalizar. Como poderá ser institucionalizado é, creio eu, questão aberta. E não tenho resposta

para isso. Mas é claro que, de algum modo, terá de institucionalizar-se ou ser institucionalizado. Há novos

partidos começando a emergir – o Syriza na Grécia, por exemplo. O que me preocupa é o que comento

no livro como um estado de alienação em massa, que está sendo capitalizado amplamente pela direita.

Há sim, portanto, alguma urgência em tratar da questão de como nós nos institucionalizaremos como

força política, para resistir contra um retrocesso de direita e atrair parte significativa do descontentamento

que está nas ruas e empurrá-lo numa direção progressista, não em direção neofascista.


O senhor descreve seu livro como uma tentativa para expor as contradições, não do “capitalismo”,

mas do “capital”. O senhor pode explicar essa diferença?



Essa diferença vem de minha leitura de Marx. Pensa-se quase sempre que Marx teria criado alguma

espécie de compreensão totalizante do capitalismo, mas ele não fez nada disso. Marx não arredou pé

da economia política e manteve seus argumentos sempre na linha de como opera o motor econômico

de uma economia capitalista. Se você isola o motor econômico, você consegue ver quais serão os

problemas daquela economia.

Não implica dizer que não haverá outros tipos de problemas numa sociedade capitalista – é claro que

há racismo, discriminação por gênero, problemas geopolíticos. Mas a questão que me preocupava ao

escrever esse livro era outra, mais limitada: como funciona o motor da acumulação de capital?

Já estava bem claro desde o estouro da crise, em 2007/8 que havia alguma coisa errada com o próprio

motor. E dissecar o que esteja errado com o motor já será um passo na direção de política mais ampla.

Esse motor econômico é muito complicado. E Marx criou um meio para compreender o motor econômico,

servindo-se de ideias como “contradição” e “formação-de-crises”.


Mais uma questão de definição: o que é capital?



Capital é o processo pelo qual o dinheiro é posto em ação para que se obtenha mais dinheiro. Mas é

preciso muito cuidado, se só se fala de dinheiro, porque em Marx há uma relação muito complexa, como

aponto no livro, entre “valor” e “dinheiro”. O processo é de busca de valor para criar e apropriar-se de

mais valor. Mas esse processo assume diferentes formas – a forma dinheiro, de bens e mercadorias,

processos de produção, terra… Ele tem manifestações físicas mas, no fundamento, não é coisa: é um

processo.


Voltemos à noção de “contradição”, que é a categoria analítica central no livro. O senhor fez uma

distinção entre os choques externos pelos quais pode passar uma economia capitalista (guerras,

por exemplo) e contradições, no seu sentido da palavra. Assim, por definição, contradições são

internas ao sistema capitalista?



Sim. Se você quiser redesenhar o modo de produção, é preciso, então, responder as questões postas

pelas contradições internas.


O senhor identifica três classes de contradições, que o senhor chama de “fundacionais”,

“mutantes” e “perigosas”. Comecemos pela primeira categoria: o que torna certas contradições

“fundacionais”?



Não importa onde esteja o capitalismo e o modo de produção capitalista, você sempre encontrará essas

contradições em operação. Em qualquer economia – seja a China contemporânea, o Chile ou os EUA –

a questão do valor de uso e do valor de troca, por exemplo, lá estará, sempre. Há algumas contradições

que são traços permanentes de como o motor econômico está montado. E há outras que mudam

constantemente ao longo do tempo. Eu quis distinguir as que são relativamente permanentes e as outras,

que são muito mais dinâmicas.


Algumas contradições fundacionais são mais fundacionais que outras? Um dos traços que mais

chamam a atenção no livro é que tudo, no seu modelo analítico, parece derivar, no fundo, da

diferença entre valor de troca e valor de uso.



Ora… esse é o ponto inicial da análise. Sempre me chamou a atenção que Marx dedicou muito tempo

para demarcar o ponto no qual sua análise começaria. E decidiu começar por aí, porque é o ponto de

partida mais universal. Mas o que mais me impressiona – e trabalho com Marx há muito, muito tempo – é

o quanto as suas contradições são intimamente interligadas. Você percebe que essa distinção entre valor

de uso e valor de troca pressupõe alguma coisa sobre propriedade privada e o Estado, por exemplo.


Outra das suas contradições fundacionais é entre “propriedade privada e o Estado capitalista”.

Quer dizer: a tensão ou a contradição entre os direitos individuais de propriedade e o poder

coercivo do Estado. Agora, imaginemos alguém como Robert Nozick, criado na tradição liberal,

lockeana, que chega e diz que não há aí qualquer contradição. Ao contrário: o papel do estado



“mínimo” é proteger a propriedade privada.




Uma das coisas que digo sobre contradições é que elas estão sempre latentes. Por isso, a existência

de uma contradição não gera, necessariamente, uma crise. Gerará sob certas circunstâncias. Portanto,

é possível construir teoricamente a ideia de que tudo que um Estado “guarda-noturno” faz é proteger

a propriedade privada. Mas sabemos que esse Estado “guarda-noturno” tem muito mais a fazer. Há

externalidades no mercado que têm de ser controladas; há bens públicos que têm de ser fornecidos – e

assim, muito rapidamente, o Estado acaba por se envolver em todos os tipos de atividades, muito além de

apenas cuidar do quadro legal dos contratos e dos direitos à propriedade privada.


O senhor nega que haja qualquer conexão necessária entre capitalismo e democracia. Pode

explicar por quê?



A questão da democracia depende muito de definições. Supostamente haveria democracia nos EUA, mas

é claro que não há. É uma espécie de farsa, de engodo – é a democracia do poder do dinheiro, não do

poder do povo. Em minha avaliação, desde os anos 1970, a Suprema Corte legalizou o processo pelo

qual o poder do dinheiro corrompe o processo político.


Há um aspecto do poder do Estado que avançou para o centro do palco na crise recente e

imediatamente depois, sobretudo durante a crise da dívida na zona do euro: falo do poder dos

bancos centrais. O senhor acha que a função dos bancos centrais mudou de modo significativo

durante a era dos “resgates”?



Evidentemente mudou. A história dos bancos centrais é, ela própria, terrivelmente interessante. Não

tenho certeza de que o que o Federal Reserve fez durante a crise tenha tido qualquer base legal. O

Banco Central Europeu, por sua vez, é caso clássico do que Marx disse, quando comentou a Lei dos

Bancos de 1844, a qual, para ele, teve o efeito de estender e aprofundar a crise de 1847-8 na Grã-

Bretanha.


Há um conceito ao qual o senhor volta várias vezes no livro: o conceito de “conversão em

mercadoria”, ou mercantilização.



O capital trata, sempre, da produção de mercadorias. Se há terreno não-mercadorizado, ali o capital não

entra nem circula. Um dos meios mais fáceis para o capital conseguir penetrar aquele espaço é o Estado

impor ali um sistema de privatização – ainda que privatize algo que é só ficcional. Os créditos de carbono,

por exemplo – trocar direitos de poluir é excelente exemplo de mercadoria criada por processo ficcional,

que tem efeitos muito reais sobre o volume de dióxido de carbono na atmosfera, e assim por diante. Criar

mercados onde antes não havia é um dos meios pelos quais, historicamente, o capital expandiu-se.


O senhor foi pesadamente influenciado pelo trabalho de Karl Polanyi nessa área, não?


Especificamente a obra prima dele, A Grande Transformação. [2]
Polanyi não era marxista, mas compreendia, como Marx também compreendeu, que terra, trabalho e

capital não são mercadorias no sentido ordinário, mas que assumem uma forma de mercadoria.


Um dos aspectos mais impressionantes e mobilizadores do livro é o relato que o senhor faz dos

custos humanos da conversão em mercadoria – especificamente a conversão em mercadoria

daquelas áreas da experiência humana que antes não eram parte do “nexo dinheiro”. Há aí uma

conexão com o que o senhor chama de “alienação universal”. O que é isso?



Vivemos há tempos num mundo no qual o capital lutou sem parar para diminuir o trabalho, o poder do

trabalho, aumentando a produtividade, removendo o aspecto mental dos serviços e empregos. Quando

você vive em sociedade desse tipo, surge a questão de como alguém pode encontrar algum significado

na própria vida, dado o que se faz como trabalho, no local de trabalho. Por exemplo, 70% da população

dos EUA ou odeia trabalhar, ou é totalmente indiferente ao trabalho que faz. Em mundo desse tipo, as

pessoas têm de encontrar alguma identidade para elas mesmas que não seja baseada na experiência do

trabalho.

Sendo assim, surge a questão do tipo de identidade que as pessoas podem assumir. Uma das respostas

é o consumo. E temos um tipo de consumismo irrefletido que tenta compensar a falta de significação de

um mundo no qual há bem poucos trabalhos com algum significado. Irrita-me muito ouvir políticos dizer

que “vamos criar mais empregos”… Mas que tipo de empregos?

A alienação brota, entendo eu, de um sentimento de que temos capacidade e poder para ser alguém

muito diferente do que é definido por nossas possibilidades. Daí surge a questão de até que ponto o

poder político é sensível à criação de outras possibilidades? As pessoas olham os partidos políticos e

dizem “Aqui, não há nada que preste.” Há, pois, a alienação que empurra para longe do processo político,

que se manifesta em comparecimento declinante nas eleições; há a alienação para longe da cultura da

mercadoria, também, que cria uma carência e o correspondente desejo por um outro tipo de liberdade.

As irrupções periódicas que foram vistas pelo mundo – parque Gezi em Istanbul, manifestações no Brasil,

quebra-quebra em Londres em 2011 – obrigam a perguntar se a alienação pode vir a ser uma força

política positiva. E a resposta é sim, pode, mas não se vê nada parecido nos partidos ou movimentos

políticos. Viram-se alguns elementos disso no modo como o movimento Occupy ou os Indignados

na Espanha tentaram mobilizar pessoas, mas foi coisa efêmera e não amadureceu em ação mais

substancial. Mesmo assim, há muita ebulição nos campos da dissidência cultural; há algo em movimento,

e é fonte de alguma esperança.


Quando o senhor discute as contradições “perigosas”, o senhor oferece o que me parece ser

uma versão do materialismo histórico de Marx. Quero dizer: o senhor pensa, como Marx, que

o presente está grávido de futuro, embora o senhor não pense de modo determinista… Acho

também que o senhor não vê nada de determinismo, tampouco, no próprio Marx. Estou certo?



Não vejo, não, nada de determinismo em Marx. Há quem diga que Marx teria dito que o capital desabará

sob o peso de suas próprias contradições, e que Marx teria uma teoria mecanicista das crises das crises

capitalistas. Mas jamais encontrei uma linha em que Marx tenha escrito coisa semelhante! O que Marx,

sim, disse é que as contradições do capitalismo estão no coração das crises e que crises são momentos

de oportunidade.

Marx também disse que os seres humanos podem criar a própria história, mas que não escolhem as

condições sob as quais criarão a própria história. Para mim, portanto, há um Marx que, embora não

seja liberal, diz que os seres humanos são capazes de decidir coletivamente, de empurrar as coisas mais

para uma direção, que para outra. Marx criticou o socialismo utópico, porque entendia que o socialismo

utópico não lidava com o onde estamos. Marx disse que é preciso analisar onde se está, ver o que é

viável para nós e, na sequência, tentar construir algo radicalmente diferente.



1 Em editorial, a Folha propunha que as autoridades proibissem qualquer protesto em via pública que




não fosse anunciado com 30 dias de antecedência; e que simplesmente banissem as manifestações

“potencialmente mais perturbadoras”


[2] http://historialecionada.com/2013/05/01/baixe-o-livro-a-grande-transformacao-de-karl-polanyi/