quarta-feira, 13 de julho de 2016

URGENTE: governo golpista quer “congelar” pelos próximos 20 anos gastos com programas sociais, previdência, saúde e educação - O Cafezinho


URGENTE: governo golpista quer “congelar” pelos próximos 20 anos gastos com programas sociais, previdência, saúde e educação


Brasília - DF, 13/07/2016. Presidente em Exercício Michel Temer durante reunião com membros da Confederação Nacional de Municípios. Foto: Beto Barata/PR

Foto: Beto Barata/PR

Governo Temer faz nova ofensiva contra direitos sociais, desta vez na PLDO 2017

Votação do relatório do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias, que pretende antecipar e materializar os efeitos desastrosos da PEC 241/2016, será realizada nesta quarta-feira (13/7), longe dos holofotes por conta da eleição da presidência da Câmara dos Deputados.
A mais nova munição veio por meio de uma “sugestão” de alteração do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO 2017) que pretende antecipar e materializar os efeitos da Proposta de Emenda Constitucional (PEC 241/2016), aquela que congela em termos reais os gastos primários por até 20 anos, e que ainda não havia sido sequer votada pela Comissão de Constitucionalidade e Justiça da Câmara dos Deputados.
Esta sugestão está registrada no Ofício N. 26 de 07 de julho no qual o governo interino prevê que o déficit primário passará de um rombo de R$ 65 bilhões, previsto pelo governo Dilma, para um rombo de R$ 139 bilhões, mais que o dobro. É nesse mesmo ofício que se aproveita para antecipar para 2017 os efeitos da PEC 241, congelando os gastos sociais, o que reduzirá e piorará os serviços públicos e a garantia de direitos. No momento a ênfase está na contenção de despesas referentes a Previdência Social e Assistência Social, mas diversas políticas públicas essenciais para a segurança e bem estar da população brasileira terão seus orçamentos afetados.
A emenda ao texto sugerida pelo governo interino já foi servilmente incorporada pelo relator, o Senador Wellington Fagundes (PR/MT), e pode ser aprovada como parte do texto a toque de caixa, sem debate e no apagar das luzes, já que a votação do relatório está agendada para as 14h30 desta quarta-feira (13/7) na Comissão Mista de Orçamento - longe dos holofotes, que estarão todos direcionados à eleição da presidência da Câmara.
Alguns poderão tentar relativizar os efeitos perversos desta medida alegando que estão preservados os gastos: com Educação e Saúde, por terem leis que vinculam receitas a esses direitos; com o Fundo de Participação dos Estados e Municípios; além de outras transferências vinculadas à educação básica e aos royalties do petróleo, gás, minérios e recursos hídricos, ou seja, o “grosso” da parte do bolo orçamentário que cabe aos demais entes federados.
Mas não se enganem. Esta medida afetará diretamente a função de Estado prevista na Constituição Cidadã, que em seu texto afirmava ser o Estado Democrático destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias.
Tanto essa nova redação do PLDO 2017 quanto a PEC 241/16 afetam estruturalmente a capacidade financeira do Estado de executar as políticas públicas que garantem os direitos e impactará na vida dos brasileiros e brasileiras de forma profunda. Um exemplo do que já está sendo colocado em prática é a Medida Provisória 739 de 07/07/2016 que implementou severas alterações na legislação previdenciária, explicitando o objetivo de restringir o acesso aos benefícios por incapacidade, bem como cessar os benefícios para aqueles segurados que já recebem os respectivos benefícios de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença. A ofensiva aos direitos previdenciários deixa nítido que o propósito do governo interino não é tão somente o de corrigir eventuais erros ou fraudes na concessão desses benefícios, mas exclusivamente reduzir gastos às custas de indivíduos tão vulneráveis da sociedade.
É ainda importante destacar que caso esse artigo que congela as despesas primárias seja mantido no texto da LDO de 2017 seus efeitos serão ainda potencializados pela Desvinculação de Receitas (DRU) ampliada a partir de 2017, que saiu de 20% para 30%. Isso quer dizer que dos recursos já congelados, 30% do Orçamento da Seguridade Social deixará de ser aplicado diretamente na Previdência, na Saúde e na Assistência.
No momento, a única possibilidade é que deputados e senadores que compõem a Comissão Mista de Orçamento (CMO) do Congresso Nacional se posicionem em defesa da população brasileira e façam destaques solicitando a exclusão do artigo que permite o teto para os gastos com direitos.


segunda-feira, 11 de julho de 2016

Mensagem da Abin é a imagem do governo Temer: canalhice disfarçada de ignorância 11 de julho de 2016 Tadeu Porto


Mensagem da Abin é a imagem do governo Temer: canalhice disfarçada de ignorância


abinterrorismo

Por Tadeu Porto* (@tadeuporto), colunista do Blog O Cafezinho
Bastou alguns compartilhamentos na internet para que a mensagem de “prevenção ao terrorismo” da Agência Brasileira de Inteligência se tornasse um meme de proporções virais.
A zueira não ter limites é um postulado sagrado do mundo digital, portanto, mesmo se tratando de uma instituição de Estado ligada a assuntos da ~inteligência~ nacional (e que deveria ser fortemente respeitada) a internet perdeu a linha com o post da Abin que dizia, entre outras coisas, que pessoas que andam com roupas, bolsas e mochilas destoantes das circunstâncias e do clima são suspeitas de terrorismo.
A gozação foi geral, desde trending topics (assuntos mais comentados) no Twitter, passando por milhares de memes circulando no Facebook e Whatsapp, até as piadas costumeiras do Sensacionalista e do seu site de notícias verdadeiras, o Surrealista.
Bom, era de se esperar tamanha reação cômica à uma mensagem que beira tanto ao absurdo. Primeiro pois é uma burrice incrível tentar difundir em massa as características de alguém que fará de tudo para se disfarçar (qualquer terrorista com o mínimo de capacidade cognitiva iria se comportar ao contrário do senso comum); segundo pela arte utilizada pela Abin, com um tipo de Assassin’s Creed de ilustração, na tentativa de estereotipar uma prática criminosa que é ampla demais para ser rotulada de tal maneira; e  terceiro pela definição vasta de “pessoa suspeita”, inferida pelo conjunto de possibilidades presentes na mensagem (“destoando do clima” ou “agindo de forma estranha”) que abre brechas para milhares de interpretações, inclusive combinações hilárias como chamar adolescente gótico de suspeito.
Não ia dar outra, a piada veio prontinha para consumir.
Todavia, por mais que exista atitudes do executivo que beiram a idiotice crônica (por exemplo tirar status de um ministério de alto apelo popular como o Minc), infelizmente, o governo Temer parece não ter jogado essa cartada por ignorância, muito pelo contrário, ela vem bem a calhar com a repressão que se desenha para as manifestações inevitáveis que as Olimpíadas irão trazer na caótica cidade do Rio de Janeiro.
A ideia é colar a imagem de terrorismo aos movimentos sociais que irão, certamente, tomar as ruas num futuro próximo: não só para combater o pacote de maldade de Temer, mas também para dar um recado ao mundo sobre o golpe de Estado que o país está sofrendo.
Sendo assim, quando a Abin solta uma mensagem genérica como essa ela pode, perfeitamente, tentar mandar o seguinte recado para ~as pessoas de bem~ do Brasil: se ver alguma pessoa estranha ou destoante do clima, basta comunicar às autoridades para desencadear todo um processo de repressão que pode estar respaldado, inclusive, pela lei antiterrorismo (erro crasso do governo Dilma) e o recente julgamento de militares pelo foro de mesmo calão.
Basicamente, existirão tantos suspeitas e suspeitos que o espectro de terroristas em potencial será enorme, assim,  caberá às autoridades escolher a dedo quem deverá ser vigiado de perto [e advinha quem vai ser?].
Ou seja, o governo usurpador fala em alto e bom som para entendedores fascistas: “viu um estudante de mochila na rua? Avise que a polícia mais próxima vai lhe mostrar o baculejo”; “Tem algum trabalhador ou trabalhadora com roupas esquisitas? Chame o exército para dar uma conferida”; ou “o pobre, que anda nervosinho, e a negra que age de forma estranha merecem ser observados de perto pelas autoridades”.
Portanto, a mensagem aparentemente tola e infantil da central de inteligência do Estado não passa de mais um recado de Temer & Cia do que se pode esperar do Brasil do futuro. Um país de censura ditatorial, nos moldes de 1964 (o slogan de Michelzinho que o diga), que o PMDB , com a aparente covardia do judiciário e a conivência do legislativo, sequer tem o pudor de disfarçar.
Tadeu Porto é diretor do Sindicato dos Petroleiros do Norte Fluminense


domingo, 10 de julho de 2016

A teoria de conspiração de Marilena Chauí (à luz de Parmenides) - O Cafezinho - Miguel do Rosário

A teoria de conspiração de Marilena Chauí (à luz de Parmenides)

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Análise Diária de Conjuntura - 06/07/2016
Por Miguel do Rosário, editor-chefe do Cafezinho
O problema da esquerda, desde seus primórdios, há milhares de anos, quando algum bando de pobres se rebelou, numa aldeia do Egito Antigo, contra a opressão, e conseguiu formular suas demandas de maneira minimamente política, sempre foi a comunicação.
A razão é simples: a comunicação precisa de instrução para ganhar substância, e instrução é um luxo dos ricos. Os pobres sempre precisaram pegar no pesado, de manhã à noite, para obter o seu alimento e sustentar sua família.
Até hoje é assim.
O trabalhador que gasta oito horas diárias em seu emprego, e outras duas, três horas, no trânsito caótico de nossas cidades terceiro-mundistas, como terá tempo para assistir séries da Netflix ou estudar clássicos da filosofia?
A análise de hoje versará, como sempre faz, sobre comunicação.
E já que mencionaremos Chauí, uma das maiores especialistas do mundo em Baruch Espinoza, façamos antes uma homenagem à ela e à filosofia iniciando nosso post com uma frase de um antigo pensador grego.
τὸ γὰρ αὐτὸ νοεῖν ἐστίν τε καὶ εἶναι
A frase é de Parmênides de Eléia, um dos principais filósofos gregos do período pré-socrático, e que eu traduziria assim:
pois igual é o pensar e o ser
Façamos uma tradução palavra a palavra, para dar ao internauta o gostinho de ler no original.
τὸ = artigo definido neutro. "o".
γὰρ = conjunção, pois, então, etc.
αὐτὸ = "o mesmo", "igual".
νοεῖν = pensar, imaginar, criar.
ἐστίν = verbo ser, terceira pessoa singular, "é".
τε καὶ = "e também".
εἶναι = infinitivo do verbo ser.
A frase pode ser pronunciada assim: tô gar auto nôein éstin, tê kai einai.
τὸ γὰρ αὐτὸ νοεῖν ἐστίν τε καὶ εἶναι
pois igual é o pensar e o ser
Marilena Chauí causou frisson entre os bem pensantes do Brasil ao falar que o juiz Sergio Moro foi treinado nos Estados Unidos, dando a entender que ele é um agente americano a serviço do golpe.
Um jornalista da grande imprensa que eu acompanho no twitter, pessoa elegantérrima, vem há tempos fazendo uma campanha contra as teorias de conspiração envolvendo a participação dos Estados Unidos na política brasileira.
Serra aliado de petroleiras americanas contra o interesse nacional? Delírio! Ele só trocou ideias com a Chevron, e até a criticou!
Temer informante do governo americano? Ridículo! Ele só ia no consulado bater um papo: falar mal do governo do qual se participa e do partido aliado, para um governo estrangeiro, é normal!
A história de Sergio Moro recebendo instruções do governo americano, então, aí estamos diante da teoria da conspiração mais ridícula de todas!
Eu sou uma pessoa profundamente compreensiva. Um jornalista hoje, se quiser manter o emprego, precisa sambar miudinho.
Além do mais, eu concordo com ele. A teoria de Marina Chauí soou ridícula mesmo. Sergio Moro treinado pelo FBI?
Ora, o FBI é voltado à repressão doméstica  e, de qualquer forma, seria ridículo pensar que Moro fizesse um curso nos Estados Unidos voltado a construir um golpe que iria acontecer muitos anos depois.
Eu sempre evitei dar essa informação, para não produzir confusão, mas agora lá vai: Dilma Rousseff também fez curso de "liderança política" nos Estados Unidos: o famigerado International Visitor Leadership Program (IVLP), que já contou com bons alunos como Margaret Thatcher, Felipe Calderon, Tony Blair...
Ora, não é um tanto esquisito que uma ex-guerrilheira comunista ganhe uma bolsa para estudar política nos Estados Unidos?
O único brasileiro, além de Dilma, que ganhou bolsa similar foi... José Sarney.
Então se é para alimentar teorias de conspiração, então a gente pode botar Dilma no meio. Afinal, não foi ela que ajudou a desestruturar a esquerda brasileira?
Por outro lado, a teoria de conspiração da Chauí faz muito sentido, embora não da forma (desastrada, concordo) como ela colocou.
Eu acabei de assistir o volume 1 do premiadíssimo documentário de Patricio Guzmán, A Batalha do Chile, sobre o golpe de Estado naquele país.
Incrível: é a mesma coisa que aconteceu aqui e acontece agora em toda América Latina.
Salvador Allende era o presidente, mas a direita conseguiu maioria na Câmara dos Deputados (embora não os 2/3 que aspirava) e iniciou uma campanha de sabotagem da economia, criminalização da esquerda, instrumentalização do judiciário.
Tudo igual.
E a mídia privada, como sempre, exerceu um papel protagonista no golpe chileno.
O ódio fascista, como agora no Brasil, foi instrumentalizado para criar uma vanguarda política, com apoio maciço da classe média, disposta a qualquer violência.
Até mesmo as "guarimbas" venezuelanas e os estranhos protestos de direita de 2013, no Brasil, ambos com um perfil muito forte de violência anárquica, experimentaram seus primórdios no Chile dos anos 70, com manifestações estudantis violentas contra o governo.
A participação dos Estados Unidos no golpe do Chile ganha ares épicos com o bombardeio, por caças americanos, do Palácio de la Moneda, e o consequente assassinato de Salvador Allende. Ali não tem o que esconder.
Na verdade, a historiografia sabe hoje, documentalmente, que os Estados Unidos interferem na política da América Latina desde o século XIX.
No caso do Brasil, a desclassificação de uma série de documentos oficiais do governo americano permitiu a Flavio Tavares e Camilo Tavares, pai e filho, produzirem o filme O Dia que Durou 21 anos: está provada a participação da Casa Branca no golpe de Estado brasileiro de 1964.
A pergunta que devemos fazer agora, portanto, não é sobre o papel de Sergio Moro numa conspiração patrocinada pelo governo norte-americano, e sim a seguinte: a troco de quê os Estados Unidos não iriam interferir na política brasileira?
E a troco de quê não jogariam muito mais sujo agora, que temos uma economia dez ou vinte vezes maior do que a de 1964?
Os EUA não torraram trilhões de dólares em guerras no oriente médio, não mataram um milhão de iraquianos, além de alguns milhares de cidadãos americanos, em busca de petróleo e ampliação de sua hegemonia política no mundo?
Ora, o Brasil tem 95% das reservas mundiais de nióbio, a maior reserva global de água potável, energia abundante (fóssil, solar, eólica, hidro), minério de ferro, além de um mercado consumidor de 206 milhões de habitantes.
Por que os EUA não iriam interferir no Brasil, sobretudo após descobrirmos grandes reservas de petróleo no pré-sal?
O Estadão divulgou há pouco uma reportagem segundo a qual uma ação coletiva judicial nos EUA pode arrancar uns 15 bilhões de dólares da Petrobrás. É incrível testemunhar, mais uma vez, que a imprensa brasileira torce contra o Brasil.
E a gente sabe que procuradores da Lava Jato foram aos EUA, no ano passado, entregar ao Departamento de Estado americano, informações contra a Petrobrás.
Sergio Moro é talvez apenas um boneco de uma articulação política para submeter o Brasil à hegemonia do imperialismo americano.
O erro da esquerda é a forma como ela denuncia isso, em especial a introdução de um elemento moral no debate: o maniqueísmo político é a mancha de toda teoria de conspiração.
O imperialismo não existe porque os americanos são maus; e sim porque é um fenômeno inevitável do grande capital, e que deve ser combatido com sangue frio e inteligência.
É claro que os Estados Unidos estão por trás do golpe de 2016. Sergio Moro, porém, assim como as castas burocráticas brasileiras, não precisam, necessariamente, ter recebido instruções normativas de como se portar no golpe; eles se alinham aos interesses americanos de maneira orgânica, instintiva, ideológica, porque os EUA tem hoje, mais que nunca na história, instrumentos poderosos para seduzir a "comprador elite" das novas repúblicas de banana.
E hoje, quarta-feira, amanhecemos com uma operação da Polícia Federal voltada para o desmantelamento dos nossos projetos de energia nuclear, levando ao presídio, pela segunda vez, o almirante Othon Ribeiro (e ele já estava preso, em regime domiciliar). Semana passada, uma outra operação foi desencadeada para destruir o centro de pesquisas de tecnologia de exploração em águas profundas da Petrobrás.
Ah, mas eu devo estar paranoico. Os EUA é a terra da liberdade, nunca teria a malícia de usar as contradições brasileiras para destruir nossos projetos mais estratégicos, mais importantes para nossa soberania!
Operações da PF para desmantelar todos os grandes projetos estratégicos, com ênfase naqueles de energia, como os da Petrobrás, da Eletronuclear, e o centro de pesquisa, são apenas etapas da luta contra a corrupção!
A quebra generalizada de sigilos, a delação premiada, a prisão como método de tortura e intimidação política, são instrumentos necessários!
Cuidado com as teorias de conspiração desses esquerdistas!
Mais uma vez homenageando a profesora Chauí, citamos o poderoso teorema VII (no capítulo sobre as Afeições) da Ética de Espinoza:
Conatus, quo unaquaeque res in suo esse perseverare conatur, nihil est praeter ipsius rei actualem essentiam.
O esforço, que toda coisa faz, de perseverar em si mesma, nada mais é do que a essência da própria coisa.
Isso vale para o império, que não tem culpa de se esforçar em permanecer um império, e vale também para a resistência contra o golpe.
A nossa resistência contra o golpe é, portanto, a essência do que somos.
O grito "não vai ter golpe - e vai ter luta" não é apenas um slogan vazio. É uma afirmação profunda de resistência, porque, para repetir Parmênides, o pensar e o ser são a mesma coisa.

sexta-feira, 1 de julho de 2016

'Com Temer, assistimos ao impeachment do processo civilizatório' Rede Brasil Atual

'Com Temer, assistimos ao impeachment do processo civilizatório'

Economista e professor da Unicamp Eduardo Fagnani afirma que Temer, antes de qualquer recuperação da economia e do emprego, visa apenas satisfazer os anseios do mundo financeiro
por Gabriel Brito e Valéria Nader, do Correio da Cidadania publicado 01/07/2016 10:44
BETO BARATA/PR
Temer
Para o economista, Temer vende a ilusão de que sem ajuste fiscal nada será possível
Correio da Cidadania – O governo interino de Michel Temer continua a tentar emplacar suas medidas econômicas, em meio à recessão e desemprego que se prolongam. Enquanto o novo presidente do Banco Central avalia a política inflacionária e a redução dos juros como motores da estabilidade do tripé macroeconômico, o Correio da Cidadania entrevista o economista e professor da Unicamp Eduardo Fagnani, que fez severas análises das pretensões do novo governo, a seu ver bastante calcadas em vontades políticas e ideológicas.
"Na gestão macroeconômica, há o reforço das políticas de austeridade que fracassaram na Europa pós-crise de 2008, cujo propósito não é o crescimento e o bem estar social, mas preservar a riqueza financeira. Diversos dispositivos para turbinar o ‘tripé macroeconômico’ (câmbio flutuante, superávit fiscal e regime de metas de inflação) estão tramitando no Congresso Nacional (dentre outras, autonomia jurídica para o Banco Central e a criação de uma Autoridade Fiscal Independente, por exemplo)".
Em suas respostas, Fagnani destrincha os principais pontos das propostas fiscais e orçamentárias, em especial por meio da ampliação da Desvinculação de Receitas da União, a retirar recursos de áreas sociais. Assim, mantém a análise política ao lado do debate econômico, posto que as medidas a serem tocadas pelo ministro da Fazenda Henrique Meirelles se concentram nos pilares que conformam a renda do trabalhador médio e os serviços que acessa.
"Mais grave é a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241/16, que congela gastos públicos por 20 anos. Chamada de ‘Novo Regime Fiscal’, a PEC limita as despesas primárias da União aos gastos do ano anterior corrigidos pela inflação. Estudos realizados por especialistas apontam que, se for adotada essa PEC, em dez anos haverá redução de gastos superiores a 40% em áreas como saúde, educação e previdência", apontou.
Pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e do Trabalho da Unicamp, com especialidade em questões previdenciárias, Fagnani volta a ressaltar que a dupla Temer-Meirelles, antes de qualquer recuperação da economia e do emprego, visa apenas satisfazer os anseios do mundo financeiro. Dessa forma, coloca outros elementos na mesa da discussão de eventuais mudanças no regime de previdência.
"Somos um dos países mais desiguais do planeta e seremos campeões mundiais em exigências para aposentadoria. A experiência de países desenvolvidos revela que a reforma da Previdência tem por objetivo aperfeiçoar o sistema para enfrentar as transformações demográficas. A reforma Temer-Meirelles não considera a questão social e não tem por objetivo aperfeiçoar o sistema", resumiu, sem dar trégua ao caráter das ideias liberais que voltaram a hegemonizar o debate público.
A entrevista completa com Eduardo Fagnani pode ser lida a seguir.
Passados quase dois meses do mandato provisório de Michel Temer, qual avaliação geral, política e econômica, você faz desse governo e das propostas até aqui apresentadas?
O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo. Em pleno século 21, sequer foi capaz de enfrentar suas desigualdades históricas. Nos últimos dez anos, enquanto o assassinato de mulheres brancas caiu 10%, o assassinato de mulheres negras subiu 54%, por exemplo. Nosso estágio civilizatório é rudimentar. Somos o país que mais mata travestis e transexuais no mundo (uma morte é registrada a cada 28 horas), por exemplo.
A construção de uma sociedade menos desigual e minimamente civilizada requer que aperfeiçoemos nossa democracia; que reforcemos o papel do Estado (não há, na história econômica do capitalismo, nenhum caso de país que se tenha desenvolvido sem o concurso expressivo do próprio Estado nacional); políticas sociais universais que assegurem o acesso a serviços sociais básicos e ampliem a cidadania; requer também que se consolidem e preservem-se direitos sindicais e trabalhistas; e requer uma gestão macroeconômica voltada para criar um ambiente favorável à redução continuada das desigualdades.
Entretanto, no governo Temer, todos esses pressupostos estão sendo aviltados. A começar pela democracia, que parece ser um corpo estranho ao capitalismo brasileiro (menos de 50 anos de democracia, e interrompidos, em mais de 500 anos de história). O último ciclo democrático, inaugurado em 1988, começou agora a ser dizimado. Em vez de fortalecer o Estado, o objetivo de Temer é "privatizar tudo o que for preciso" na infraestrutura econômica e na área social.
A cidadania social também parece ser corpo estranho ao capitalismo brasileiro, que não tolera sequer conquistas marginais de direitos fundamentais. Em vez de consolidar os direitos sociais conquistados em 1988, o objetivo é destruir o que ainda restou do Estado Social e implantar o Estado Mínimo. Nesse particular, os ideólogos liberais tiveram êxito ao induzir um "consenso" segundo o qual o ajuste fiscal requereria a revisão do "pacto social da redemocratização". Argumentam que os gastos "obrigatórios" (previdência social, assistência social, saúde, educação, seguro-desemprego) têm crescido num ritmo que compromete as metas fiscais. Estão dizendo que as demandas sociais da democracia não cabem no PIB. Não escrevem uma linha sequer sobre gastos com juros, por exemplo. Mas decretam a necessidade de interditar a cidadania social inaugurada pela Carta de 1988. No caso dos direitos sindicais e trabalhistas, os retrocessos nos levam de volta para o início do século 20 (fim da regra de valorização do salário mínimo; prevalência do "negociado sobre o legislado"; e terceirização sem limite, que leva à precarização das relações de trabalho, por exemplo).
Na gestão macroeconômica, há o reforço das políticas de austeridade que fracassaram na Europa pós-crise de 2008, cujo propósito não é o crescimento e o bem estar social, mas preservar a riqueza financeira. Diversos dispositivos para turbinar o "tripé macroeconômico" (câmbio flutuante, superávit fiscal e regime de metas de inflação) estão tramitando no Congresso Nacional (dentre outras, autonomia jurídica para o Banco Central e a criação de uma Autoridade Fiscal Independente, por exemplo).
O reforço do "tripé" é incompatível com o crescimento, geração de empregos e ampliação da cidadania. Recentemente, um professor de Oxford afirmou que "não é nenhum exagero dizer que austeridade mata". O próprio papa Francisco, referindo-se a políticas de austeridade, também sentenciou que "esta economia mata". A austeridade econômica é desacreditada inclusive por setores do establishment internacional. Expressões como "estagnação secular" e "nova mediocridade" passaram a ser utilizadas por órgãos como o FMI e Banco Mundial para sinalizar os riscos do baixo crescimento associado à "explosão da desigualdade". Na semana passada, três economistas do FMI alertaram que "em vez de gerar crescimento, algumas políticas neoliberais aumentaram a desigualdade, colocando em risco uma expansão duradoura". E apontam que cortes de gastos do governo, privatização, livre comércio e abertura de capital podem ter custos significativos em termos de maior desigualdade. Mas aqui, a "equipe econômica dos sonhos" (dos detentores da riqueza?), na contramão do mundo, vai aprofundar ainda mais a gestão ortodoxa.
Em suma, com Temer, estamos assistindo ao impeachment do processo civilizatório. Todos os instrumentos necessários para o desenvolvimento econômico e social estão sendo destruídos. O golpe contra a democracia representa oportunidade histórica para aprofundar radicalmente a agenda liberal conservadora – projeto que foi derrotado pelo voto popular nas últimas quatro eleições.
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Economista e professor da Unicamp Eduardo Fagnani
Estão sendo anunciadas diversas medidas de cortes de gastos públicos, que impactarão áreas sociais. Qual é a extensão real, a seu ver, do déficit público? E como enxerga, primeiramente, as novas regras que estabelecem que despesas de um ano não possam ser maiores do que a inflação do ano anterior, ao lado da desvinculação das despesas com saúde e educação como uma proporção da receita? São medidas de fato necessárias para controlar o déficit fiscal?
A crise financeira internacional de 2008 abalou a confiança, destruiu riqueza, paralisou o crédito e levou à contração da atividade em quase todo o planeta. A crise global do capitalismo, associada aos equívocos domésticos, bem como ao fim de um ciclo de expansão ancorado parcialmente no mercado interno, desaceleraram gradativamente a economia ao longo do primeiro governo de Dilma Rousseff. Mas, para os economistas liberais brasileiros, o mundo viajava em "céu de brigadeiro" e os problemas econômicos eram exclusivamente fruto do "excesso de intervenção do Estado". O "terrorismo" econômico intensificou-se com a proximidade das eleições de 2014. Com o apoio dos meios de comunicação, criou-se um cenário de "crise terminal". O principal argumento estava relacionado ao déficit primário de 0,6% do PIB ocorrido em 2014. Essa construção ideológica não leva em conta que entre 2002 e 2013 a relação dívida líquida/PIB reduziu-se quase à metade (de 60% para 33% do PIB); e que o Brasil foi um dos poucos países do mundo que gerou expressivos superávits primários (em média, cerca de 3% do PIB ao ano).
Os países desenvolvidos e alguns emergentes incorreram em expressivos déficits primários durante o período 2009-2014. Nos casos dos EUA, Japão, Inglaterra e Índia, por exemplo, o déficit primário anual médio nessa quadra atingiu, respectivamente, -7%, -8,6%, -5,8% e -3,6% do PIB. Nos países mais duramente afetados pela crise de 2008 (Irlanda, Portugal, Espanha e Grécia, por exemplo), os patamares são dramaticamente superiores. Se um país que gerou superávit fiscal por mais de uma década e, num único ano, apresentou déficit primário de apenas 0,6% do PIB, está em "crise terminal" e imerso em dramática "irresponsabilidade fiscal", o que dizer de países que desde 2009 apresentam déficits primários elevadíssimos (EUA, Japão, Canadá, Reino Unido, Portugal, Irlanda, Espanha, Grécia e Índia, por exemplo)? Qual o problema de haver déficit primário de cerca de 1% ou 2% do PIB ao ano, por exemplo, durante um curto período, para enfrentar e superar o final de um ciclo econômico, sem perder a perspectiva do longo prazo?
O fato grave é que, num contexto em que a comunicação do governo Dilma optou por não disputar ideias, não enfrentar o debate e sequer defendeu as suas ações, a narrativa liberal passou a ser hegemônica junto à opinião pública. O próprio governo alterou a sua rota e cometeu "haraquiri" após a vitória eleitoral, ao ceder às pressões do mercado, adotar o projeto derrotado nas urnas e colocar no Ministério da Fazenda um dos porta-vozes do "terrorismo econômico". O atual funcionário do FMI fez seu serviço, colocando o país, que não estava em crise severa, numa grave recessão.
O governo Temer vai duplicar a aposta de Joaquim Levy. Vende a ilusão de que sem ajuste fiscal nada será possível (baixar juros, crescer, criar emprego etc.). Como disse o professor Pedro Rossi, da Unicamp, para os liberais brasileiros o ajuste fiscal (das contas primárias, que exclui as despesas financeiras) transformou-se numa espécie de Posto Ipiranga. Essa centralidade equivocada não é técnica nem é neutra. Ela serve de justificativa para destruir o Estado Social e implantar o Estado Mínimo liberal. "Não há alternativas", voltam a sentenciar, a não ser ampliar as severas restrições ao gasto social que estão em curso.
A ampliação da Desvinculação das Receitas da União (DRU) de 20% para 30%, recém-aprovada pelo Congresso, alastrou a captura de recursos que a Constituição atrelava ao financiamento da Seguridade Social e da Educação. Em breve, outras mudanças constitucionais que visam acabar com a vinculação de recursos fiscais para Saúde e Educação serão enviadas para o Congresso. Mais grave é a Proposta de Emenda à Constituição PEC 241/16 que congela gastos públicos por 20 anos. Chamada de "Novo Regime Fiscal", a PEC limita as despesas primárias da União aos gastos do ano anterior corrigidos pela inflação. Estudos realizados por especialistas apontam que, se for adotada essa PEC, em dez anos haverá redução de gastos superiores a 40% em áreas como saúde, educação e previdência.
O dito "Novo Regime Fiscal" desestrutura por completo o Estado Social. Se vier a ser aprovado e cumprido, inviabilizará a vinculação de recursos (educação e saúde) e o atrelamento do piso dos benefícios ao salário mínimo (Previdência e Assistência Social). Na renegociação das dívidas com os governos estaduais, o governo federal impôs o teto de gastos para estes entes federativos, o que também afetará essas áreas, dado o caráter cooperativo da gestão federativa em áreas como educação, saúde e assistência social.
Por que seria tão brutal o impacto nas áreas sociais, conforme os números apresentados aqui?
Um corte brutal de gastos estimados em mais de 40% em dez anos desarticulará ainda mais as ações dos governos federal, estaduais e municipais em tais áreas. Eis um dos "cavalos de Troia" para impor o Estado Mínimo: políticas pobres dirigidas somente para os pobres definidos pelo establishment internacional (o indivíduo que ganha menos de um ou dois dólares por dia). O restante da população (os "não pobres") que comprem serviços sociais no "mercado". O propósito é desestruturar o Estado Social e impor o Estado Mínimo liberal.
Com o fim da vinculação de recursos para a educação, retrocederemos ao início dos anos 1930. Como se sabe, a Constituição de 1934 introduziu a obrigatoriedade de União, estados e municípios aplicarem percentuais mínimos das receitas de impostos em educação. Esse dispositivo foi excluído da Carta de 1937 e foi reincorporado na Constituição de 1946. O regime militar manteve a obrigatoriedade apenas para os municípios. Posteriormente, a Constituição de 1988 restabeleceu o mecanismo.
No caso da Saúde, voltaremos ao chamado "buraco negro" do financiamento do SUS vivido no início dos anos de 1990, quando o governo Itamar Franco decidiu utilizar integralmente as contribuições de empregados e empregadores sobre a folha de salários para cobrir os benefícios previdenciários. A subtração dessa base financeira vigente desde a ditadura comprometeu estruturalmente o início da implantação do SUS. Este ‘buraco negro’ permaneceu até 1996, quando o Congresso Nacional aprovou a Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras (CPMF).
Mas, como se sabe, uma vez aprovada como contribuição "vinculada" ao SUS, a área econômica do governo FHC passou a utilizar a CPMF segundo as conveniências da gestão das contas públicas. Nesse cenário, ainda em meados dos anos 90, parlamentares ligados ao movimento sanitário apresentaram proposta de Emenda Constitucional que vinculava recursos à saúde. Após longa tramitação, somente em 2002 foi aprovada a Emenda Constitucional n. 29/2002 que estabeleceu vinculação dos orçamentos nos três entes federativos. Agora, querem enterrar essa emenda e restabelecer o "buraco negro".
Outra medida que vem sendo defendida é a mudança no regime geral da Previdência, com aumento de idade mínima e desvinculação do reajuste das aposentadorias do ajuste do salário mínimo. Você poderia comentar quais são as medidas que estão sendo estudadas e qual a avaliação que faz sobre elas?
Somos um dos países mais desiguais do planeta e seremos campeões mundiais em exigências para aposentadoria. Entre as medidas ensaiadas está a desvinculação do reajuste dos benefícios ao piso do salário mínimo. Revisitaremos práticas da ditadura militar, quando o governo corrigia os benefícios previdenciários abaixo da inflação, o que corroía sistematicamente o poder de compra dos aposentados. Para enfrentar essa injustiça, os constituintes de 1988 instituíram a exigência de que nenhum benefício seria inferior ao piso do salário mínimo. Com a reforma Temer-Meirelles, os reajustes da Previdência voltarão a ser corrigidos pela inflação ou por um índice arbitrário fixado pela área econômica, que certamente será inferior à inflação. Em poucos anos, o poder de compra dos aposentados pode regredir significativamente. Como consequência, os gastos da Previdência serão reduzidos e recapturados para a gestão da dívida pública.
Outro item da reforma Temer-Meirelles é exigir para todos os tipos de aposentadoria a idade mínima de 65 anos e 35 anos de contribuição. Essa regra se aplicaria às mulheres – que, atualmente se aposentam com 60 anos de idade – e para a previdência rural – que, hoje, exige idade mínima de 60/55 anos (homem/mulher). A visão fiscalista não considera a especificidade da inserção da mulher na sociedade e no mercado de trabalho, nem as enormes heterogeneidades da zona rural brasileira. Como se sabe, mais de 70% da pobreza extrema está situada na zona rural do Nordeste. Temer-Meirelles querem aplicar àquela zona rural nordestina o mesmo padrão de idade que é exigido hoje na Dinamarca.
Também existe a intenção de transformar a Previdência Rural em benefício assistencial, com a intenção de fixar o valor desse benefício abaixo do piso do salário mínimo e sem regras definidas para a correção monetária. O mesmo deve acontecer com um benefício da assistência social, o Benefício de Prestação Continuada, que atende 4 milhões de famílias cuja renda familiar per capita é inferior a ¼ de salário mínimo.
A reforma Temer-Meirelles parece não respeitar sequer os direitos adquiridos. O ministro da Fazenda e da Previdência afirmou que direito adquirido seria "um conceito impreciso", sinalizando que seria necessário incluir na reforma os contribuintes que já estão no mercado de trabalho.
Como encara os argumentos, inclusive de alguns setores progressistas, que de fato veem um problema explosivo à frente com respeito às contas da Previdência, em face do envelhecimento da população do Brasil, que já se faz evidente?
A experiência de países desenvolvidos revela que a reforma da Previdência tem por objetivo aperfeiçoar o sistema para enfrentar as transformações demográficas. Nesses países, os direitos adquiridos são preservados. O acréscimo na idade para a aposentadoria é gradual ou passa a valer para as novas gerações que estão entrando no mercado de trabalho. Em algumas nações, a idade de 67 anos será implantada num horizonte temporal mais amplo.
Na Alemanha, por exemplo, a idade mínima para se aposentar será gradualmente aumentada de 65 para 67 anos até 2029. Seguindo a experiência internacional, o Brasil também deve promover mudanças graduais no sistema de pensões para ajustar-se ao envelhecimento da população.
É preciso alertar, no entanto, que reconhecer a necessidade de reformas não implica aceitar o fatalismo demográfico muito difundido pelos idealizadores da reforma. Por outro lado, os ajustes devem ser fruto de amplo debate entre trabalhadores, empresários e governos, sempre com o objetivo de buscar aperfeiçoar o sistema. Nesse processo, não se pode perder de vista o fato de que a Previdência Social é um dos pilares da proteção social brasileira. Ela beneficia direta e indiretamente mais de 90 milhões de pessoas (uma família com três membros) e tem efeitos importantes na redução da pobreza e da desigualdade social.
Entretanto, a reforma Temer-Meirelles não considera a questão social e não tem por objetivo aperfeiçoar o sistema. O propósito, unicamente fiscalista, é destruir o legado de 1988, para recapturar cerca de 8% do PIB conquistado pelos movimentos sociais das décadas de 1970 e 1980.
Ao colocar a Previdência dentro do Ministério da Fazenda – fato inédito no mundo –, os detentores da riqueza deixam claro que não precisam mais de intermediários. Não há necessidade sequer de ministro da Previdência. A própria Fazenda vai completar o serviço que tentam fazer desde 1989. Trata-se aí de disputar recursos. O capital quer de volta a parcela capturada pela sociedade há trinta anos.
É paradoxal que a reforma da Previdência seja vendida como "solução" para os problemas fiscais de curto prazo. Se o objetivo for aperfeiçoar o sistema, ela somente terá impactos fiscais no longo prazo. Mas se o objetivo for obter efeitos imediatos, nesse caso deve-se prever radicalismo predatório e total desrespeito aos direitos adquiridos.
O que você poderia comentar também sobre a Previdência dos servidores públicos, no que diz respeito aos argumentos que vêm sendo arrolados para a sua reforma e o sentido que possuem momento atual?
A Reforma da Previdência do Setor Público Federal já foi feita. Ela foi iniciada no Governo FHC (EC 20/1980); começou a ser regulamentada no início do governo Lula (PEC 41/2003); e foi aprovada no governo Dilma Rousseff (Lei 12.618/2012), com validade para os servidores que ingressarem no serviço público após a aprovação da lei que introduziu o "regime de capitalização" baseado na "contribuição definida". As regras são exigentes, se se considera o quadro internacional (65 anos de idade e 35 anos de contribuição). Os efeitos na redução dos gastos serão sentidos daqui a 30 anos. O que mais eles querem fazer? Aumentar a exigência de idade para 67 anos? Também seremos campeões mundiais nesta categoria?
Diante da situação em que está o país, quais seriam as medidas econômicas mais adequadas, a seu ver, para combater e contornar o déficit fiscal e ao mesmo tempo enfrentar a crise econômica, de forma a começar a inverter a curva recessiva?
A medida principal e mais eficaz é fazer crescer o Brasil, fazer crescer a economia. Com a economia em queda livre, é impossível ter êxito em algum ajuste fiscal. O declínio da arrecadação é sistematicamente superior ao corte das despesas. O crescimento da economia exige ampliação de investimentos e reforço do papel dos bancos públicos nos financiamentos de longo prazo. A ampliação do déficit no curto prazo seria compensada com o crescimento das receitas públicas no médio prazo. Mas, aqui, as tradicionais políticas anticíclicas passaram a ser criminalizadas. O "impeachment de Keynes", ressaltado pelo Senador Lindbergh Faria (PT-RJ), está em marcha.
O crescimento econômico requer, pelo menos, tornar flexíveis os fundamentos doutrinários consubstanciados no tripé macroeconômico, seguindo-se a vasta experiência internacional. "Bandas" para a meta de superávit fiscal, excluir investimentos do cálculo da meta do superávit primário, ampliar o ano-calendário do Regime de Metas de Inflação, realizar o cálculo da inflação pelo núcleo de preços (proteção contra choques conjunturais de oferta), estabelecer duplo mandato do banco central (estabilidade de preços e emprego) e controle do câmbio são exemplos de medidas adotadas por diversos países, antes mesmo da crise financeira de 2008. Aqui, caminhamos na direção contrária. Temer-Meirelles querem aprofundar a gestão ortodoxa do tripé.
O crescimento e o ajuste fiscal também requerem redução da taxa de juros que transferiu para os detentores da riqueza R$ 500 bilhões em 2015 (equivalente a mais de 50 anos de gastos federais em saneamento, por exemplo). Não existem justificativas técnicas para que o Brasil (com dívida bruta de 66,2% do PIB) pague 8,5% de juros, enquanto que a Grécia, literalmente quebrada, com dívida bruta/PIB quase três vezes superior (197% do PIB), pague menos da metade (4,2% do PIB). Por que não impõem tetos para despesas com juros?
O ajuste fiscal pode ser obtido pela radical revisão da política de isenções fiscais para setores econômicos selecionados e famílias de alta renda. Essa política retira R$ 280 bilhões anuais dos cofres da União. Isso significa que anualmente o governo federal simplesmente abre mão de arrecadar 25% das suas receitas.
O combate ao déficit fiscal também requer fortalecer o Estado para combater a sonegação de impostos que, segundo estudos do Banco Mundial, atinge 14% do PIB (cerca de R$ 800 bilhões anuais deixam de ser arrecadados). Na mesma perspectiva, coloca-se a necessidade de cobrar a dívida ativa, cujo estoque supera a cifra de um trilhão de reais. Estudos recentes revelam que apenas 135 pessoas físicas e jurídicas devem mais de R$ 370 bilhões ao fisco.
Finalmente, o ajuste fiscal pode ser viabilizado mediante uma reforma tributária que incida sobre lucros, dividendos, heranças e patrimônio. Estudos realizados por Rodrigo Orair e Sergio Gobetti, pesquisadores do IPEA, revelam que 71 mil cidadãos, cujos rendimentos atingiram R$ 297,93 bilhões em 2013 (renda per capita de R$ 4,170 milhões por ano), pagaram de impostos apenas 6,51% de sua renda. Isto ocorre porque 65,8% da renda total são rendimentos considerados isentos e não tributáveis pela legislação brasileira do Imposto de Renda (IR), como é o caso dos lucros e dividendos, por exemplo.
Esse grupo de contribuintes, que representa 0,3% do total de contribuintes do IR (0,05% da população economicamente ativa), foi responsável por 14% de toda a renda declarada pelos contribuintes ao fisco (mais de 26 milhões de pessoas apresentaram declaração de imposto de renda no ano considerado).
Portanto, do ponto de vista técnico, existem alternativas. Mas a questão é política e reflete a correlação de forças favoráveis aos detentores da riqueza, dentro e fora do governo.
O que se pode esperar das medidas do governo como resposta à crise que continua a paralisar o país e provocar desemprego? Como enxerga a economia do país a curto e médio prazos?
O objetivo não é crescer e gerar emprego. Isso é conversa para boi dormir. O objetivo é "colocar a inflação no centro da meta" pela manutenção das taxas de juros elevadas e pelo aprofundamento do ajuste fiscal (corte de despesas não financeiras). Isso limita o crescimento, aprofunda o desemprego e a queda da renda do trabalho. Por sua vez, a degradação do mercado de trabalho é funcional para combater a inflação. Desde 2013, diversos economistas liberais alertam sobre a dificuldade de reduzir a inflação com pleno emprego. Era preciso demitir, profetizavam.
Mas a recessão tem outras serventias. Desde 2015, ela tem sido eficaz para realimentar a crise política e insuflar as ações golpistas e antidemocráticas em curso. Ademais, ela é funcional para rebaixar os custos trabalhistas, liquidar em poucos anos o legado social dos governos petistas, construído por mais de uma década, criminalizar quaisquer políticas distributivas (declaradas "populistas", "irresponsáveis" e "bolivarianas") e, por consequência, todos os partidos políticos e movimentos de esquerda.
A recessão também é funcional para implantar o Estado Mínimo liberal, pois "não há alternativa" a não ser o severo corte de gastos "obrigatórios" nas políticas sociais universais, liquidando com a ordem social instituída pela Constituição de 1988, uma oportunidade para que os rentistas concluam, em poucos anos, o serviço que vêm tentando fazer desde a Assembleia Nacional Constituinte dos anos de 1980. Nessa linha, não se recomenda crescimento. Por que crescer? Talvez se observe algum esforço socialmente benéfico a partir do final de 2017, para tentar ganhar as eleições de 2018.